O artista Adriano Carnevale durante a performance-manifesto na manhã deste 1º de Maio, em frente ao Masp, em São Paulo

O que o filósofo grego Diógenes de Sínope (413 a.C.-323 a.C), a pintora modernista Tarsila do Amaral (1886-1973), o cenógrafo e arquiteto Flávio de Carvalho (1889-1973) e a política de juros do Brasil de 2023 têm em comum? O artista e arquiteto Adriano Carnevale saiu a campo na manhã desta segunda-feira, 1º de maio, Dia do Trabalho, para explicitar essas conexões com o seu manifesto vivo Arte, Grito e Suspensão Material – Até que a arte nos salve!. Com um quadro da série Op(erário)s, uma releitura crítica que fez em 2021 da obra Operários (1933), de Tarsila do Amaral, Carnevale saiu pela calçada da Avenida Paulista segurando uma lanterna (como Diógenes, que foi às ruas com uma lanterna procurando um homem honesto à luz do dia) e balançando um sino pavloviano enquanto berrava frases de questionamento político.

“Sobre quem o progresso foi construído?”

“A riqueza de um país é financeira ou humana?”

“O erário se faz com dinheiro ou com vida?”

“Sobre quem pisamos diariamente?”

“Quem inviabilizamos todo dia?”

“Quem invisibilizamos todo dia?”

“O seu país está sendo construído sobre quem?”

“Até quando vamos precarizar a vida?”

“Tarsila, onde estão teus operários?”

“Tarsila, esses foram teus operários?”.

Do outro lado da calçada na qual Carnevale fazia seu happening, no Trianon, a feirinha do Masp fervia com suas bijuterias e pasteis e uma atividade promocional de um refrigerante, com distribuição gratuita. Mais atrás, na frente da Fiesp, uma dúzia de bolsonaristas ouvia uma preleção, de cima de um caminhão, de partidários do antigo regime que terminou em dezembro. Os minguados ativistas da extrema direita, numa melancólica manifestação, buscavam insuflar os transeuntes contra a possibilidade de regulamentação das redes sociais (e de suas fábricas de fake news), conclamando contra uma possível interdição do que chamam de liberdade de expressão.

A obra Operários, de Tarsila do Amaral, pintada após a grande crise econômica de 1929, retrata 51 rostos desesperançados de trabalhadores anônimos de fábrica. A releitura de Carnevale mostra os pés desses trabalhadores, mortos. No dedão do pé de um deles, como nos IMLs da vida, a inscrição do título da pintura que relaciona a arrecadação do Estado (o “erário”) e a condição dos mortos. Em duas experiências na rua, nos anos 1930 e 1950, o pintor, desenhista, arquiteto, cenógrafo, decorador, escritor, teatrólogo e engenheiro Flávio de Carvalho caminhou de chapéu no contrafluxo de uma procissão de Corpus Christi (e quase foi linchado), e andou de saiote e meia arrastão pelas ruas de São Paulo.

No fim da manhã deste 1º de maio, durante cerca de 20 minutos, Adriano Carnevale caminhou pela calçada da Paulista, chamando a atenção dos passantes, já desacostumados às ações artísticas desse tipo. “A gente sempre espera ações grandiosas da arte, mas a arte tem que permear o cotidiano. Eu vim aqui para a rua, ainda mais hoje em dia, quando virou moda essa imersão, Van Gogh, Michelângelo, em que fazem grandes imagens para as pessoas entrarem na obra do artista, eu quero afirmar o contrário: que a obra entre nas pessoas, não somente as pessoas entrem na obra. Eu tiro meu trabalho de locais em que não acho muito sentido, galerias e feiras, para colocar na rua. Nesse momento, a reflexão pode ajudar na transformação. E a arte não é nada mais do que reflexão pura”.

Adriano não gosta de chamar de “performance” seu trabalho, mas de manifesto. “Fazer um manifesto numa galeria não faz sentido. Tem que fazer nas ruas. Muita gente diz: eu não conheço arte, não sei opinar. Mas isso não é correto. Se você vive, você sabe opinar. Então, a arte tem que estar, como dizem os portugueses, ao rés do chão, frente a frente, para as pessoas mergulharem, entenderem. O primeiro passo da arte é abaixar um pouco a bola e tocar as pessoas, não ter medo de encostar nas pessoas. Isso talvez possa ajudar a salvar o mundo”.

Aos 50 anos, o artista paulistano, formado em arquitetura pela PUC de Campinas, já viveu na Costa do Marfim, na África, e participou das edições da Bienal Internacional de Arquitetura de São Paulo de 2003 e 2005, assim como da Bienal Internacional de Quito, Equador, em 2006. Foi convidado a expor na exposição de arte “Die Tropen”, sob curadoria de Alfons Hug no Martin-Gropius-Bau Museum, em Berlim, Alemanha, com o trabalho Abrigo/Manifesto, uma obra que tratava do drama dos sem teto, pelo qual recebeu diversos prêmios.

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