Filpo e a Feira. Foto: Pietra Graebrin. Divulgação
Filpo e a Feira. Foto: Pietra Graebrin. Divulgação

O mais nordestino dos paulistas. Esta definição cai bem ao versátil Filpo Ribeiro, cujo trabalho à frente do grupo Filpo e A Feira valoriza as tradições e as culturas populares do Brasil.

Do alto de sua sabedoria, Filpo Ribeiro tem consciência da importância de seu fazer musical, como músico, produtor, rabequeiro, luthier, violeiro, compositor, cantador e pesquisador, com humildade.

Ele bem sabe o seu papel e logo entendeu que para cumpri-lo bem, é necessário certo tempo de maturação. A vida não cabe nem se resume aos 15 segundos do tiktok e seus algoritmos.

Jovem (completa 40 anos em maio que vem) o artista vem construindo uma trajetória singular em torno da rabeca. Filpo e A Feira acaba de lançar “Morada do Vento” [2022, distribuição: Tratore], segundo disco do grupo, que entre abril e maio vai percorrer a capital, o litoral e o interior de São Paulo, com shows e oficinas.

Sozinho ou em parceria, Filpo Ribeiro é autor das 11 faixas do disco, inclusive as instrumentais “Olha o Poste!” e “Curimataú”. Pela sonoridade do grupo e temas do repertório, as comparações com o Mestre Ambrósio são inevitáveis e o artista não nega a influência dos pernambucanos.

Com exclusividade, Filpo Ribeiro conversou com FAROFAFÁ.

Filpo Ribeiro. Foto: José de Holanda. Divulgação
Filpo Ribeiro. Foto: José de Holanda. Divulgação

ENTREVISTA: FILPO RIBEIRO

ZEMA RIBEIRO: Como você se interessou pela rabeca e quando passou a ser luthier?
FILPO RIBEIRO: Meu interesse pela rabeca já é desde muito, muito cedo. Convivo com esse som desde muito pequeno, a primeira vez, de lembrança que eu tenho, eu sempre lembro isso, é a primeira lembrança de vivo, que eu nasci, é numa folia de reis, que eles chamam de reiada, lá no litoral de São Paulo, que é na região de Cananeia, mais especificamente na comunidade do Itacuruçá, na Ilha do Cardoso. Eu ouvi essa reiada, que se toca com rabeca, tem todo aquele proceder ritualístico, da chegada, do canto de chegada, que são vários minutos, quase uma hora cantando a mesma melodia, praticamente um mantra, aí tem aquela questão de tocar no escuro primeiro, eles chegarem meio que de surpresa nas casas, no escuro, aí depois acende a luz. Nos versos eles vão falando como é que a gente, que está lá participando daquela situação deve proceder, acender a luz, abrir a porta pra eles, eles falam por qual motivo estão vindo, isso marcou bastante a minha vida, na verdade. É a primeira memória que eu tenho assim, tanto de rabeca, quanto de memória mesmo. Esse foi o primeiro contato. Depois daquilo eu continuei tendo contato com a cultura caiçara, de onde vem esse tipo de música, o fandango caiçara, a folia do divino, também da região, e também com a parte da discografia, que aí vem por conta dos meus pais: Quinteto Armorial com Antonio Nóbrega, muita coisa do Pena Branca e Xavantinho, com a rabeca do Zé Gomes (1937-2009), que gravou muito com eles, e na adolescência com o movimento do mangueBit, que veio o pessoal do Mestre Ambrósio, alguns outros grupos, Chão e Chinelo, e depois alguns grupos de forró, que nem o Forroçacana, e os mestres rabequeiros que vieram, principalmente dessa leva do mangueBit, eles vieram valorizados pelos artistas do mangueBit, então, seu Luiz Paixão (1949-2022), Mestre Salu (1945-2008), Nelson da Rabeca (1941-2022), a Renata Rosa também, foram as referências de rabeca iniciais. Da parte de luthieria, que eu nem considero dessa forma, luthieria tem mais essa cara de construção, de uma maneira estudada, de alguém que teve estudo, sei lá, vou chamar de luthieria popular, que é uma coisa feita de forma intuitiva, na base do empirismo, a coisa empírica, tentativa e erro, isso aí eu faço os marimbaus, que é um outro instrumento que eu construo, eu faço já faz uns 10 anos, inspirado por alguns conhecidos, amigos aqui da cidade de São Paulo, no caso o Valmir Rosa, que expunha os instrumentos dele lá na Praça Benedito Calixto, e também o De Freitas, lá de Juazeiro do Norte, que eu tive oportunidade de gravar com ele um disco, e tocar, fazer algumas apresentações, e ele também é luthier, construtor de rabecas, violas, marimbaus, vários instrumentos. Então, marimbau eu já faço mais de 10 anos, e a rabeca faz mais ou menos cinco anos que eu fiz minha primeira rabeca, que foi pra minha filha, pequena, mais nova, na época ela devia ter uns quatro anos, e aí a partir daí eu comecei a fazer mesmo, e comercializar, e para uso próprio também, isso é o mais importante.

ZR: A sonoridade e a arregimentação de Filpo e A Feira lembram bastante o Mestre Ambrósio, grupo da primeira dentição do mangueBit afinal de contas responsável pela redescoberta e valorização da rabeca, nos anos 1990. Como vocês lidam com eventuais comparações?
FR: O Mestre Ambrósio foi uma grande referência, ainda é, pro nosso trabalho. Todo mundo que vai trabalhar com rabeca no forró vai ter alguma referência, alguma influência do Mestre Ambrósio, que foi realmente talvez o primeiro grupo de forró de rabeca que foi muito popular no Brasil e fora do Brasil também, e principalmente aqui no Sudeste, porque a tradição do forró, o pessoal, os jovens nos anos 2000, no Nordeste, anos 2000, década de 1990, o pessoal do mangueBit ainda tinha algum acesso aos rabequeiros tradicionais de lá. E aí tem essa referência dos mais velhos, dos mestres. No caso a gente que está no Sudeste aqui, conheceu primeiro provavelmente o Mestre Ambrósio, depois, com eles, vieram os professores deles, o seu Luiz, o Mestre Salu, vários outros mestres de cavalo marinho e de forró vieram com o Mestre Ambrósio, mas é uma referência grande mesmo. É interessante: no primeiro trabalho que eu fiz com o forró de rabeca, que era o Pé de Mulambo, tava ainda fresco na memória das pessoas o Mestre Ambrósio, porque eles tavam terminando, eles meio que pararam naquela época, por volta de 2005, se eu não me engano, 2004, e eu tava com esse grupo, a gente formou esse grupo na sequência, o Pé de Mulambo, então ainda tava fresco na memória. E agora tá num momento interessante: já é outro trabalho, Filpo e A Feira, também com a rabeca na linha de frente, tocando muito do repertório do forró, e o Mestre Ambrósio voltou agora a se apresentar, voltou às atividades, então meio que voltou a estar em pauta o trabalho deles, mas é um trabalho fantástico o deles, é uma grande referência, sempre foi.

ZR: Como você explica o fato de um paulista morando em sua cidade natal soar tão nordestino? Quem são as tuas principais influências musicais?
FR: Das influências do trabalho, de modo geral, pelos instrumentos que a gente toca, a gente pode citar vários mestres rabequeiros aqui do litoral de São Paulo, os mestres de fandango, pelo aprendizado que eu tive, principalmente com eles, João Vitor, João Firmino, Zé Pereira, Leonildo Pereira, Mestre Angelo, lá de Cananeia, isso daí pelos instrumentos que a gente usa e pela forma de tocar. Em termos de arranjo, indo mais pro lado do Nordeste, o Mestre Luiz Paixão, rabequeiro também, seu Nelson da Rabeca, Sebastião Biano (1919-2022), o líder, um dos fundadores da Banda de Pífanos de Caruaru, que a gente teve a oportunidade de tocar junto também, e já mais ligado ao contexto fonográfico, Cátia de França tem sido uma grande inspiração pra gente, principalmente os registros dos primeiros dois discos dela, e Luiz Gonzaga (1912-1989), Alceu Valença, Zé Ramalho, Geraldo Azevedo, muita gente dessa linha do que a gente chama de MPB, e dos compositores, cantores, cantoras, compositoras nordestinos e nordestinas.

ZR: Antes de Filpo e A Feira você vem da experiência de ter integrado o Pé de Mulambo e ter tocado com artistas tão diversos quanto Jonathan Silva e os grupos Maria Preá, da vocalista meio maranhense Laetícia Madsen, e Comadre Fulozinha, que revelou nomes como Isaar de França e Karina Buhr. O que significam estas trocas em tua trajetória?
FR: Quando eu falo de trocar, essas trocas e aprendizados que você tem direto com as pessoas, São Paulo proporciona isso. Quando você já está no meio profissionalizado de música, de tocar na noite, tocar em trabalhos, você aprende muito e eu comecei muito novo com esse pessoal. O Jonathan, Maria Preá, Comadre Fulozinha, que eu tive oportunidade de fazer apresentações e participações em discos, entre outros, Tião Carvalho, tem vários outros trabalhos que eu fiz, que eu aprendi muito também. Todos esses trabalhos trazem uma referência muito grande das músicas tradicionais de onde eles vieram. Então, no caso da Maria Preá com a Laê, ela trazia muita, muita coisa do Maranhão, da cultura popular, bumba meu boi, cacuriá, tambor de crioula e também muito forró, ela tinha uma pesquisa muito legal, nos autores maranhenses, então querendo ou não, você troca e aprende muito, você faz uma imersão dentro daquela cultura quando você está trabalhando com ela. Aí o Jonathan Silva, que faz uma música bem contemporânea, é um compositor, no caso dele, a Laetícia Madsen trazia muitos compositores de lá, mas ela não compunha, e o Jonathan é compositor, ele fala de tudo, ele fala inclusive, é muito paulistano, talvez mais paulistano que eu nesse sentido da composição. Só que ele também trouxe muita referência do Espírito Santo, no caso dos congos, que é uma manifestação popular de lá, aí você aprende mais um tanto. Aí toca com ele, vai tocar tambor de congo, vai tocar casaca, instrumentos peculiares de lá, a linguagem, você aprende a linguagem, a forma de fazer poesia, as melodias. A mesma coisa com a Comadre Fulozinha, na época a formação estava com a Karina Buhr, da formação original, então também aprende mais coisa de Pernambuco, as influências que traz na música autoral que ela faz, e vários outros, que nem eu falei, Tião Carvalho a mesma coisa, o pessoal dum grupo que chama Paranapanema, que fazia uma pesquisa no samba paulista, no samba de bumbo, aqui do interior de São Paulo, então teve vários trabalhos ligados às tradições populares, que acabaram caindo aqui em São Paulo, se formando aqui em São Paulo, desenvolvendo, que eu tive oportunidade de acompanhar e fui aprendendo um monte de coisa de cada região, de onde vinham esses trabalhos. Então isso foi importantíssimo inclusive no trabalho dA Feira, desde o Pé de Mulambo também, mas no trabalho dA Feira, de você ter um pitaco de cada coisinha, de cada região do Brasil, e até ficar olhando, porque normalmente eu tocava rabeca e viola. Tipo: tem rabeca? E te leva a pesquisar, se as pessoas não trouxessem essa informação você ia buscar. Será que tem rabeca nesse coco que ele trouxe lá de Alagoas etc. e tal? No Maranhão, onde que tem rabeca no Maranhão? Te instiga a pesquisar também, não só com aquela troca diária desses trabalhos, mas também fora deles.

ZR: Tuas biografias na internet te apresentam como músico, produtor, rabequeiro, luthier, violeiro, compositor, cantador e pesquisador da cultura popular brasileira. Sobre esta última faceta eu gostaria de saber de nomes que têm te despertado a atenção no cenário musical brasileiro e saber também o que você conhece aqui do Maranhão.
FR: Eu tenho ouvido e visto também, as redes sociais ajudam muito a gente a conhecer outros trabalhos em outras partes do Brasil, mas tem um movimento bem legal, além da rabeca, também de pífano, eu tenho visto surgir muita gente nova, tocando de forma muito virtuosa e com uma pesquisa muito cuidadosa, respeitosa com as tradições, sempre trazendo, se referindo aos mestres e às mestras. Então, na linha de pífano, eu tenho visto bastante coisa interessante, tem o Alexandre Rodrigues, que é de Recife, está morando agora em São Paulo, um trabalho muito legal, que também mistura, ele toca também flauta, sax, e o trabalho do pífano dele é interessante porque ele toca de tudo no pífano, tem uma similaridade com a rabeca, que em teoria tem algumas limitações de execução de melodias, de notas, tonalidades, e ele consegue executar tudo num pífano só, é uma coisa bem rara de acontecer, e toca de tudo, frevo, faz participações, e tem o trabalho com o Pife Urbano, que é o grupo dele, que também é bem moderno ao mesmo tempo, tem aquela mistura interessante das tradições com linguagens mais contemporâneas. Tem a Vitória do Pífano, que faz um trabalho bem legal lá em Caruaru, ela é bem nova também. Tem o pessoal de uma banda que chama Caju Pinga Fogo, que inclusive vai estar em São Paulo este mês, que é bem interessante também, Tanaka do Pife, que é um pifeiro aqui de São Paulo, que fez uma pesquisa, ele é discípulo do mestre Edmilson do Pífano (1960-2020), faz uma pesquisa bem interessante. Todos eles constroem pífano também, esses três que eu falei. É isso. Tem muita gente bacana. De rabeca tem vários trabalhos bacanas, um que eu lembro que é bem interessante é o do Beto Lemos, que ele é cearense, mas está morando lá no Rio já faz um tempo, ele faz um trabalho, aliás, vários trabalhos, com musicais, com o pessoal do teatro, ele é multi-instrumentista, as composições dele são bem interessantes, também misturam bem as linguagens. Em Brasília tem a Maysa Arantes, que é compositora também, grande instrumentista, cantora. Então é isso, tudo pessoal mais novo, um pessoal que está na cena agora, despontando, já faz uns anos, mas dessa nova geração. Do Maranhão, eu já trabalhei com alguns artistas, a Laetícia Madsen, com a banda Maria Preá, a gente já tocou muito, tanto com o Pé de Mulambo como com A Feira, a gente tocou muito com o Tião Carvalho, que é mestre grande que a gente considera aqui, grande amigo, parceiro, professor. Tocando muita coisa de lá, a gente sempre foca no forró, mas sempre vem os pitacos de coisas de lá. Tocamos bastante com ele, Henrique Menezes também, que está aqui em São Paulo, a gente já teve oportunidade de tocar junto. Com a banda Maria Preá eu já estive no Maranhão uma vez, fazendo o São João, a gente rodou bastante, deu pra ver bastante coisa dos bois, bem na época, a gente pegou o dia de São Marçal, então teve oportunidade de ver bastante coisa, mesmo tocando, passando o som, que foi aquela correria de São João, de arraial em arraial, passando o som e tocando, a gente conseguiu pegar bastante coisa. Mas eu não fui nas comunidades, não deu tempo de chegar e conhecer cada comunidade de uma maneira um pouco mais próxima, mas é uma cultura muito, muito rica. Hoje em dia, a gente com esse acesso da internet, a gente consegue ver um apanhado assim de coisas, à distância, mas dá pra ter uma ideia. Tem um perfil que eu sigo, uma pessoa, no instagram, o Jandir [Gonçalves, folclorista, ex-diretor do Museu Casa de Nhozinho, equipamento da Secretaria de Estado da Cultura do Maranhão, de que é servidor], que grava muitos vídeos interessantes de cada manifestação, o perfil dele é só com essas tradições, tem muita, muita coisa. Daí que você tem a dimensão da riqueza que tem o Maranhão. O Maranhão é talvez um dos estados mais ricos de diversidade, de culturas, de influência, tem coisa que a gente nunca tinha visto e aí ele coloca lá no perfil dele, é bem interessante, muita coisa bonita. É um estado que valeria a pena ir pra ver tudo isso com calma e de perto, bem de perto.

"Morada do Vento". Arte: Adriana Nuso. Capa. Reprodução
“Morada do Vento”. Arte: Adriana Nuso. Capa. Reprodução

ZR: O álbum mais recente de Filpo e A Feira, “Morada do Vento” (2022), terá dois shows grátis em São Paulo capital, em abril, e na sequência vocês passam por Santos, Paraguaçu Paulista, Ubatuba e Ilha Comprida, todas também em São Paulo. Quero te ouvir um pouco sobre a iniciativa, repertório, expectativas e o que o público pode esperar.
FR: Essa sequência de shows na capital, litoral e interior faz parte do projeto Morada do Vento, mesmo nome do disco, que foi aprovado pelo edital Proac [Programa de Ação Cultural] da Secretaria de Cultura e Economia Criativa daqui do estado de São Paulo. A ideia é fazer shows em aparelhos culturais ou centros culturais ou espaços gerenciados por coletivos que trabalham com cultura. É uma troca, é uma parceria mesmo. A gente vai fazer seis shows e oito oficinas, cada membro do grupo vai fazer uma oficina com a sua especialidade. Eu vou fazer oficina de rabeca brasileira, o Alisson Lima, percussionista da banda, só que grande bailarino, dançarino também, vai dar oficina de danças brasileiras, o Lipe Torre, que é o outro percussionista, vai dar a oficina Zabumbeabá, que é um projeto que ele desenvolve paralelamente ao projeto com o Filpo e A Feira, com oficinas de zabumba, mostrando os ritmos principalmente ligados ao forró e à nossa pesquisa, inclusive com repertório, com ritmos que estão presentes no repertório do disco e dos shows, e o Marcos Alma, que é o produtor do disco e é o baixista também, ele vai dar uma oficina de produção musical, e uma produção musical independente, com essa visão de produtor independente, músico-artista independente, que você consegue fazer com o equipamento mais acessível possível, você não precisa montar um home studio caro pra caramba, que é a forma que a gente sempre trabalhou, desde os primeiros discos, ele produziu junto comigo o Pé de Mulambo, o Jonathan Silva, o segundo disco do Jonathan, a gente sempre fez dessa forma, gravando em casa, em estúdios com equipamento, eu não digo alternativo, mas equipamento que não seja aquele top de linha do momento e foi a forma que a gente aprendeu a fazer, eu aprendi muito com ele nisso, então o foco da oficina dele vai ser esse também. Aqui as oficinas, a grande maioria vai ser nas regiões de periferia de São Paulo, vão ser todas na capital, a exceção é uma do Alisson que foi em Diadema, já aconteceu, e todas aqui na Grande São Paulo, também em aparelhos culturais, no caso, fábricas de cultura, centros culturais. Toda a agenda com os locais está em nossas redes sociais. É essa ideia de circular de uma forma muito mais próxima ao público, pra que tenha essa troca. Aquilo que eu estava falando da cidade proporcionar isso, a gente aprendeu dessa forma, é a forma da gente trocar, agora que tem um trabalho lançado, um trabalho, querendo ou não, consolidado, a gente voltar meio que pra onde a gente aprendeu, da forma que a gente aprendeu, que são com as trocas, olho no olho, isso daí foi super importante, pós-pandemia a gente conseguiu fazer isso presencialmente também, mas essa é a proposta, tanto as oficinas como os shows também. São lugares menores, são teatros mais calorosos, a gente pode dizer assim, frequentados de fato pela comunidade, isso é super importante. Pra nosso trabalho faz sentido ser dessa forma.

ZR: A capa do álbum, bem como do anterior, “Contos da Beira d’Água” (2017), é bem bonita, com uma delicadeza que dialoga com o repertório do álbum. Quero te ouvir sobre essa preocupação estética do grupo, valorizando o conteúdo, e sobre o exercício de lançar cds físicos, na contramão de um mercado que praticamente produz apenas para as plataformas de streaming, atualmente.
FR: A gente ainda tem, dentro do conceito artístico geral do trabalho, essa valorização da coisa física, da coisa palpável, a questão das tecnologias, do meio virtual, digital, ajuda muito, por um lado você democratiza, facilita a produção pelas tecnologias, você conseguir fazer um estúdio em casa, gravar, mixar, masterizar, subir pra uma plataforma e as pessoas, também pela tecnologia, lá do outro lado do mundo, ouvirem, às vezes sem muitos intermediários, é óbvio que ainda temos intermediários, as próprias plataformas digitais ou distribuidoras, mas, querendo ou não, a gente está mais independente. Por outro lado, esse tipo de música que a gente faz, que é muito ligada a outro tempo, outro tempo mesmo. Uma rabeca para construir, tem a questão da construção do instrumento, você não vai fazer em 15 segundos que nem o tiktok, você não vai aprender em 15 segundos, tem um tempo de maturação, a forma como a gente trabalha as músicas, as composições, tem isso também, a gente toca muito, a gente ensaiou muito, muito, muito, antes de chegar e ir pra estúdio gravar. Aí chegou no estúdio, a gente ensaia na hora das sessões de gravação, toca várias vezes, então é todo um conceito artístico que tem esse processo de maturação dentro dele. E a parte da arte também. A primeira arte eu acho que deu mais voltas, a do “Contos de Beira d’Água”, foi o Marco Ponce que fez, parceiro nosso, grande artista, e veio de muita conversa também, muitas idas e vindas, mas tem essa cara, de tentar ter essa delicadeza que a gente tenta passar desde a composição até o arranjo, a forma de tocar, a forma de gravar, isso que a gente estava falando da concepção até que vai pras oficinas do Marcos Alma, de produção musical, esse processo meio que de maturar mesmo as sonoridades, os timbres. Então tem esses dois lados, a gente tem esse cuidado, mas realmente estamos brigando em alguns momentos com essa tecnologia, que é tudo pra ontem, é tudo rápido, é tudo muito descartável, coisa dessa rapidez e falta de paciência até que as pessoas têm com qualquer coisa que tenha mais do que 15 segundos, que é esse tempo que ficou meio determinado pelos algoritmos. É um desafio. Quando a gente produz isso facilita, produzimos, agora temos um produto que fica difícil, às vezes a gente vê dificuldade de assimilação. Isso é uma coisa que a gente está refletindo muito, depois de feito, o cd, o produto, o show, é difícil você conseguir juntar muita gente que tenha esse tempo, essa paciência, essa visão de mundo mesmo, de que não é tudo em 15 segundos. A gente está nesse momento agora, estamos lançando o cd, tem um público muito interessante em São Paulo, um projeto que a gente faz toda terça-feira, que a gente se apresenta no Canto Madalena [R. Medeiros de Albuquerque, 471, Vila Madalena, próximo ao Beco do Batman], que a gente toca das oito às 10, durante duas horas ali, tem um público fiel, os lugares que a gente tem, tem um público bem bacana, bem interessado, bem disposto a essa troca, disposto a escutar, mas assim, de modo geral, o público mais jovem, principalmente, é muito difícil você conseguir prender o pessoal por mais de 15 segundos e no nosso trabalho não tem como ser diferente, o tempo é outro, então a gente encontra algumas dificuldades também.

ZR: Além destes shows em São Paulo em abril e maio, como está a agenda do grupo? Há perspectiva de circulação, quem sabe um show aqui em São Luís?
FR: Além dos shows do projeto Morada do Vento, do Proac, a gente já começou a agendar, agora é o período que a gente começa a fechar a agenda de São João, então já está tendo bastante negociação, procura, alguns shows já fechados em São Paulo e interior. É isso. A gente vai meio que etapa por etapa, tem algumas coisas previstas pra segundo semestre, mas segundo semestre ainda tá em aberto. Até junho, julho a gente já tá começando a mexer aqui com a agenda. Maranhão seria ótimo, seria lindo, por aquele motivo que eu falei, de talvez ir pra tocar e conhecer mais a fundo um pouco da região. Ano passado a gente teve a oportunidade de fazer isso lá em Juazeiro do Norte, a gente foi tocar na Mostra Cariri e conseguiu passar mais uns dias para conhecer os mestres de lá, as mestras, o pessoal que trabalha com arte, com música, e seria ótimo conseguir fazer isso também pelos lados do Maranhão. É um sonho mesmo conseguir fazer um circuito por aí, em São Luís e toda região.

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Ouça “Morada do Vento”:

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