Flora Purim concorre ao Grammy de melhor álbum de jazz latino, por
Flora Purim concorre ao Grammy de melhor álbum de jazz latino, por "If You Will" - foto Mel Gabardo

“Quero a minha batida (desce a mão)/ e cadê o meu surdo? (no meu coração)/ o ronco da cuíca (desce a mão)/ o povo brasileiro (no meu coração)”, cantam com vibração Flora Purim e coro, em tempo de hard samba, na faixa “This Is Me“, em If You Will, álbum lançado em maio, dois meses depois de a cantora carioca de alcance mundial ter completado 80 anos. Agora, Flora manifesta susto e alegria pela indicação de If You Will, segundo ela um trabalho gravado despretensiosamente, ao Grammy de melhor álbum de jazz latino. “Fiquei surpresa porque não gravei um disco meu desde 2005, embora tenha participado de gravações de outros dias”, conta a cantora, que lembra ter participado de dois álbuns premiados com o Grammy, Live at the Royal Festival Hall (1990), de Dizzy Gillespie, e Planet Drum (1991), de Mickey Hart, baterista da banda Grateful Dead, mas nunca recebeu um troféu do “Oscar da música” sob seu próprio nome.

Flora foi indicada ao Grammy duas vezes anteriormente, na categoria cantora de jazz, pelas interpretações de “20 Years Blue” (20 Anos Blue), de Sueli Costa Vitor Martins, em 1985, e de “Esquinas”, de Djavan, em 1986. Agora, o jazz-samba de Flora Purim concorrerá com Rhythm & Soul, do cubano Arturo SandovalFandango at the Wall in New York, do mexicano Arturo O’FarrillMúsica de las Américas, do porto-riquenho Miguel Zenón, e Crisálida, do panamenho Danilo Pérez.

Primeiro trabalho original da artista em 17 anos desde Flora’s Song (2005), If You Will corresponde a um período intenso em sua vida, marcado pela volta ao Brasil em 2019 após 52 anos vivendo nos Estados Unidos, por dificuldades de saúde do marido e parceiro da vida inteira Airto Moreira (de 81 anos) e pela despedida dos palcos da dupla, em janeiro deste ano. Morando com Airto em Curitiba, no Paraná natal do percussionista, Flora elaborou um álbum majoritariamente em português, que abre com uma batucada de samba e uma bossa latina em inglês, em “If You Will“, gravada originalmente pelo autor, o tecladista norte-americano de jazz fusion George Duke, com vocais de Flora e levada mais lenta, em 2000. Outra regravação em If You Will é de “500 Miles High”, de Chick Corea, que ela gravou originalmente em 1973, como integrante da banda fusion Return to Forever, do pianista e tecladista norte-americano. Flora dedica If You Will a Corea, morto em 2021, e a Duke, que morreu em 2013.

O samba fusion ruge em voz alta na segunda faixa, a já citada “This Is Me”, assinada pela filha e pelo genro de Airto e Flora, Diana PurimKrishna Booker (filho do baixista Walter Booker e sobrinho do saxofonista Wayne Shorter), que Flora havia gravado em inglês no disco de 2005. “Eu estou com a chave dessa gaiola/ não sei se tô dentro ou fora/ quando eu vou pra dentro/ eu alimento/ com o vento eu vou-me embora/ não demora/ (…) liberdade brasileira/ doce solidão/ novo dia”, diz a letra de “This Is Me”, evocando a imagem de Airto sentado no palco diante e em volta de sua gaiola de objetos e instrumentos de percussão.

O álbum segue em português em “A Flor da Vida”, de Diana e Mário Moya, e o suave libelo racial “Dandara” (“enquanto perigo houver/ enquanto o mundo acabar/ enquanto então renascer/ Dandara, para de se esconder”), da poeta mineira Judith de Souza e de Felipe Machado (seu neto e do cantor paulista Filó Machado, presente na faixa ao violão e nos vocais). “Dois + Dois = Três”, do bluesman angolano radicado paulistano Nuno Mindelis, traz densidade e blues-rock à voz de Flora: “Uma vez mais/ e só desta vez/ dois e dois são três”. Parceiro histórico, o guitarrista paulistano (radicado nos Estados Unidos desde 1978) José Neto comparece como autor das mântricas “Newspaper Girl” e “Zahuroo”, ambas cantaroladas em idioma musical-universal. Mesmo debilitado, Airto Moreira participa de If You Will fazendo vocais nessas duas faixas, além de tocar percussão e bateria em “Lucidez”, num álbum ladeado por um rol extenso de músicos e instrumentistas.

Assinada por Diana, Krishna e Fábio Nascimento, “Lucidez” fecha o álbum numa reflexão perspicaz sobre o tempo que voa, o esquecimento e a consciência humana: “Na lucidez dessa vida/ milagres acontecem todo dia, meu irmão/ sem sabedoria a esperança me guiou/ através do fio e da solidão/ todos mergulhados outra vez/ nessa lucidez/ atirada na lama/ como o caroço de uma fruta mal comida tocando nessa dor/ mas eu esqueço que com o sol e o desejo de viver/ essa semente vira flor”. As premiações do Grammy 2023 acontecerão em 5 de fevereiro próximo.

"If You Will" (2022), de Flora Purim

If You WillDe Flora Purim. Strut.

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