Para Dinho, Seu Jorge e milhões de negros no Brasil, a frase “Você precisa saber o seu lugar”, condensa o racismo em todas as suas facetas mais odiosas. Para que alguém saiba o seu lugar, é preciso conhecer antes os muitos não lugares dessa pessoa. O ator Chico Sant’Anna aprendeu desde cedo essa lição. É ele quem interpreta Dinho dos Santos, personagem fictício e semi-biográfico, que desde criança ouviu de sua mãe a fatídica frase, selando seu destino de forma irreversível.
Em cartaz no Teatro Pequeno Ato, em São Paulo, até 30 de outubro, Saiba o Seu Lugar é um monólogo que estreou em 2019, em Brasília. Aos 70 anos, Dinho dos Santos decide confessar ao público os traumas que viveu desde a infância, quando conheceu a violência sexual. Negro, cercado por brancos, o pequeno garoto descobre que preconceito e racismo são dois elementos capturados por uma sociedade que tolera a violência contra as minorias – mesmo que elas sejam maioria. É isso que mobiliza o indigno sentimento de “direito” de violentar o outro, em suas várias camadas possíveis, seja no interior de Minas Gerais, seja no Grêmio Náutico União, de Porto Alegre.
O monólogo Saiba o Seu Lugar, com direção de Sérgio Sartório, começa ao som de Tchaikovsky (Abertura 1812), na qual o ex-funcionário público que já trabalhou na videoteca do Itamaraty começa a relatar sua própria história. A dramaturgia é do argentino Santiago Serrano, que optou por criar o personagem fictício Dinho dos Santos para retratar como o racismo impõe suas dores numa sociedade escravista e o próprio ator já sofreu delas. Numa narrativa lenta e sutil, Sant’Anna emite um sonoro grito dos negros contra a violência a que são submetidos diariamente. Acompanha-o, também sutilmente, uma trilha com Nowhere Man, dos Beatles, que fala de um homem de lugar nenhum em uma terra de lugar nenhum, e fechando com Free as a Bird, também do grupo inglês.
A peça, escrita especialmente para o ator, comemorava, em 2019, os 40 anos da carreira de Chico Sant’Anna e os 10 anos da Cia Plágio de Teatro, da qual é integrante. Paulista, nascido em Braúna, mas criado em Penápolis (SP), Sant’Anna mudou-se para Brasília, onde cursou Administração de Empresas na UnB. Lá alternou entre ser um funcionário público e participar do teatro da universidade, sob direção de Dímer Monteiro. Integrou o grupo que estreou, em 21 de abril de 1980, o Teatro Dulcina, de Dulcina de Moraes, com a peça Gota D’Água, de Paulo Pontes e Chico Buarque. À frente do elenco, Bibi Ferreira. Com a grande atriz e grande elenco, viajou pelo Brasil por dez meses e nunca mais largou o teatro. O ator brasiliense também teve passagens pela TV, em novelas globais como O Rei do Gado, Da Cor do Pecado, Velho Chico e Cabocla, e dos filmes O Último Cine Drive-in (2015) – prêmio de ator coadjuvante no Festival de Gramado – e Cano Serrado (2018).
