Cena da peça
Cena da peça "Travessia Brasil", com a Cia Triptal - Foto Studio Trend

Não há espaço para o verde-e-amarelo, mas apenas para o preto e o branco. Na peça Travessia Brasil – Um Caminho para Pedreira, baseada em texto de Jorge Andrade, o tom sombrio da iluminação e a quase ausência de cores na cenografia e no figurino já sinalizam para uma temática pétrea. Não poderia ser diferente. A dramaturgia trata da questão de terras,  tão antiga e secular quanto emblemática dos reais conflitos que envolvem uma sociedade que jamais procurou fazer o acerto de contas com a sua desigualdade.

De 21 de outubro a 13 de novembro, a montagem Travessia Brasil faz temporada no Teatro Alfredo Mesquita, em São Paulo, com entrada gratuita. A Cia Triptal leva ao palco um elenco compostos de mais de 30 atores, incluindo Fabrício PietroJoão Bourbonnais e Simone Rebequi. A abundância de atores permite recriar o coro que reverbera as dores das lutas de um povo dividido entre ficar e partir de terras áridas ainda em meados do século 19, mas já esfaceladas pela exploração sem dó dos seus recursos minerais. A trama se passa em Pedreira das Almas, cidade fictícia que remete ao livro homônimo de Jorge Andrade, também autor de Vereda da Salvação, Ossos do Barão e A Moratória. Nela, as pessoas descobrem que não há mais espaço para enterrar seus mortos, e a sobrevivência dos vivos é frágil.

A história se passa em 1842, 20 anos depois da Independência do Brasil – que neste fatídico 2022 descelebrou seu Bicentenário sob um governo antidemocrático. Durante os tempos de uma revolta liberal, onde a Monarquia vinha sendo questionada pelos recém-independentes brasileiros, Mariana (interpretado pela atriz Nicoly) se vê dividida entre acompanhar seu namorado Gabriel (Alan Recoba), que é um dos líderes contra o imperador, ou permanecer em Pedreira das Almas, onde sua mãe Urbana (Simone Rebequi) se opõe a qualquer tipo de revolução. Nessa travessia, o Brasil se posta entre dois polos opostos, não muito diferente do que se vê nos dias de hoje.

Jorge Andrade estava preocupado, em suas peças, em retratar o Brasil a partir de sua torta história. Com textos teatrais escritos a partir dos anos 1950, o também jornalista e autor de telenovelas sempre procurou tecer críticas à crise do patriarcalismo, que em clave reacionária insiste em dar suas cartas no Brasil de Bolsonaro. Sob direção de André Garolli, Travessia Brasil é a conclusão da Cia Triptal do projeto “A Tragédia Da Historiografia Do Estado Brasileiro Pela Ótica De Jorge Andrade”, contemplado pela Prefeitura de São Paulo.

A dramaturgia busca um diálogo com o tempo presente, chegando a forçar remissões desnecessárias com as forças retrógradas do presente. Isso se dá, por exemplo, quando o próprio “herói” Gabriel faz menção a frases bolsonaristas que lidas de forma enviesada parecem dizer que o progresso está nas mãos de reacionários. O pretenso diálogo entre passado e futuro envolve, muito mais, a questão da religiosidade, presente no texto de Jorge Andrade, que permeia séculos da travessia do Brasil enquanto pátria desmemoriada e ainda sem consciência de seu próximo destino.

Travessia Brasil – Um Caminho Para Pedreira. Com a Cia Triptal. No Teatro Alfredo Mesquita, de 21 de outubro a 13 de novembro, quintas, sextas e sábados, às 21 horas, e domingo às 19 horas. Grátis. E duas apresentações no Centro Cultural Vila Itororó, dias 16 e 17 de novembro.

 

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