Em sessão na terça-feira, 27 de setembro, a 1ª Câmara do Tribunal de Contas da União (TCU) mandou arquivar o processo da Ancine contra a produtora Diler & Associados relativo às contas do filme O Guerreiro Didi e a Ninja Lili, que estreou em 2008. O TCU arquivou o processo sem exame do mérito, por considerar que a tomada de contas especial da Ancine contém ausência de pressupostos de constituição (não tem validade por não estar em conformidade com a lei). A agência federal de cinema acusava a produtora de “ausência parcial de documentação de prestação de contas dos recursos repassados pela União”.
A decisão do TCU abre caminho para o consequente arquivamento de uma infinidade de processos contra produtoras brasileiras abertos pela Ancine num arrastão de arbitrariedade e ilegalidade desde 2019. A agência de cinema chegou a organizar um mutirão de servidores para análise de prestações de contas antigas, paralisando setores e comprometendo sua função precípua de fomentar e regular o mercado, para fazer eco a discursos moralistas do governo de Jair Bolsonaro e a desastrosa gestão de Mario Frias. Boa parte desses processos era de 15, 20 anos atrás, e deles eram exigidos, por exemplo, notas fiscais e documentos extemporânea e ilegalmente, ignorando decisão do Supremo Tribunal Federal sobre prescrições de contas (veja o voto integral do ministro Alexandre de Moraes, do STF, sobre o tema).
Uma das principais produtoras afetadas pela sanha revisionista da Ancine no período foi justamente a Diler & Associados. Dirigida por Diler Trindade, a Diler & Associados é uma das maiores produtoras brasileiras, responsável por levar mais de 30 milhões de pessoas ao cinema com 36 longas-metragens, e à qual se deve crédito de grande parte da saúde comercial do cinema brasileiro. Produz filmes desde os anos 1980 e fez história com 5 produções recordistas de público em um único ano: Didi, o Cupido Trapalhão, Maria, Mãe do filho de Deus, Xuxa Abracadabra, Dom e Um Show de Verão.
Mas houve outras reprovação de contas escandalosas e com substrato de ato censório. Foi o caso do cineasta Cacá Diegues, de 82 anos, notório adversário do regime bolsonarista, que teve um filme de 20 anos atrás com contas reprovadas agora pela agência. A decisão do TCU da semana passada deixa claro que se tratou de, no mínimo, um erro colossal da agência. É interessante anotar que o responsável pelo setor de prestações de contas é um militar, o Capitão de Mar e Guerra Eduardo Andrade Cavalcanti de Albuquerque.
Para zerar o passivo de prestações de contas antigas, a Ancine chegou a condicionar a liberação de recursos para o setor à progressão da análise do passivo. A Superintendência de Prestações de Contas chegou a se gabar de que estava reprovando mais de 60% dos processos analisados – como o TCU deve derrubar essas reprovações, o leitor deve imaginar o tamanho do gasto público com tal sorte de equívoco.
Prezado Jotabê,
Li com a maior atenção esta sua matéria sobre as Prestações de Contas do filme dos Trapalhões e das arbitrariedades da Sup de P Contas da Ancine.
Sou Carlos Moletta, produtor de “Pixinguinha, Um Homem Carinhoso”, da Denise Saraceni, e estamos sofrendo também um procedimento arbitrário da SPR que está retendo a 2a.parecla de nosso FSA da FINEP, há meses, mesmo após as entregas do filme (lançado em novembro/2021) e da prestação de contas (em fevereiro passado). Há uma alegada glosa de 2015, completamente equivocada, emitida pela Coordenação de P Contas antiga, e aprovada pela Diretoria Colegiada em 2020. Só tomamos conhecimento disto em 2021, já requerimos 2 vezes seu cancelamento, mas continuamos sem receber a parcela devida. Fico a seu dispor para mais detalhes. Um Abraço (estou em Portugal mas tenho WhatsApp +55 21 999736822).
Caro Moletta
Estou checando seu caso e logo te dou notícias. Grato por sua leitura e atenção!
Jotabê
Obrigado!