A cantora norte-americana Madeleine Peyroux em show na noite de quinta-feira no Bourbon Street, em São Paulo

“Vocês sentiram falta da música ao vivo? Dos artistas, do público, de se reunir em lugares como esse? Muito bem, porque é isso que vai salvar o mundo!”.

Foi assim, falando em português (advertência: minhas anotações podem ter perdido a acuidade por conta do chope), que a cantora norte-americana Madeleine Peyroux fez um único e disputadíssimo show em São Paulo na noite desta quinta-feira, no Bourbon Street Music Club, em Moema.

Cantora cuja música foca num blend proposital de sons e vozes dos anos 1930 aos anos 1950, um folk jazz embebido de blues e uma certa dose de mistério e evanescência, Madeleine é venerada no Brasil desde os anos 1990. Ela sabe precisamente disso, tanto que abriu o show com um hit daquela década, (Getting some) Fun Out of Life, que ela gravou há 26 anos no disco Dreamland, de 1996, obviamente um hit de sua abençoada sombra, Billie Holiday. Billie é um legado que Madeleine carrega com notável leveza pelo mundo desde que descobrimos a portabilidade de sua voz para a de Lady Day – a diferença, obviamente, é que não é possível carregar o mesmo legado de dor, trauma e tragédia, Madeleine é cafuné na alma, Billie foi um abalo sísmico.

Boa parte do repertório do show é fundamentado no disco Careless Love, nome do segundo álbum solo da cantora e compositora, de 2004, como a faixa-título, tour de force de outra referência, Bessie Smith (e gravada anteriormente por Fats Domino, Lead Belly, Ray Charles e outros). Madeleine impõe às plateias, mesmo as de colete almofadado, um compêndio musical de extremos. No miolo de seu show, impulsionado por uma banda extremamente leal aos princípios e à singularidade de Madeleine, estão notáveis hits do álbum Careless Love, como Dance me to the End of Love (Leonard Cohen), You’re gonna make me lonesome when you go (Bob Dylan), Don’t wait too long (Madeleine Peyroux/Jesse Harris/Larry Klein), Don’t cry baby (Saul Bernie), J’ai Deux Amours (Vincent Scotto/Géorges Koger).

La Javanaise, de Serge Gainsbourg, carimbada originalmente por Juliette Gréco em 1963, amplia o território de divas evocadas no show, criando uma atmosfera Piaf de bolso na ribalta de Moema. E, como condimento adicional, ela puxa dois sons de fora do seu ambiente tradicional: o rock’n’roll You Can’t Catch Me, de Chuck Berry, e Água de Beber, de Tom Jobim (cantada também em português), com lalalalalará da plateia no acompanhamento.

Madeleine está madura, mais introspectiva e, ao mesmo tempo, também mais solta. Assume com naturalidade um leque de interpretações que pode ir do ruidoso concerto de calçada (com chapéu para moedas no chão) em Montmartre ao púlpito do Royal Music Hall – tudo isso sem perder nunca a concentração (talvez apenas quando mandou a plateia se calar para ouvir o solo do seu contrabaixista). A cultuada cantora dos anos 1990 prossegue magnetizando seu público no século 21 com sua música das eras de ouro do espírito. Isso ainda vai salvar o mundo.

Madeleine e sua banda no palco do Bourbon
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