O poeta Rogaciano Leite. Reprodução
O poeta Rogaciano Leite. Reprodução

Entre tantos eventos adiados pela pandemia de covid-19 estão as celebrações pelo centenário de nascimento do poeta pernambucano Rogaciano Leite (1920-1969). “Carne e alma” (1950), seu livro mais conhecido, ganhou uma bela quinta edição (Editora Imeph, 2021, 261 p.) – as outras são de 1971, 1988 e 2009 –, com ilustrações de Mauricio Negro e organização da pesquisadora Helena Roraima Leite, filha do poeta. A reedição teve lançamento na 26ª Bienal Internacional do Livro de São Paulo, realizada no início de julho.

A pesquisadora Helena Roraima Leite. Foto: Franci Monteles. Divulgação
A pesquisadora Helena Roraima Leite. Foto: Franci Monteles. Divulgação

“Esta edição é por si um acontecimento histórico, histórico e merecido, pois marca a “volta” e amplia o alcance do nome e da obra de um dos mais valorosos filhos do Brasil, poeta magnífico, orador extraordinário e jornalista brilhante, ganhador de três prêmios Esso de Jornalismo (atualmente Prêmio Exxon Mobil de Jornalismo”, escreve Helena em “Esta edição”, à guisa de prefácio.

“Carne e alma” terá lançamento hoje, às 17h30, na Casa de Cultura Josué Montello (Rua das Hortas, 327, Centro), com a presença da pesquisadora Helena Roraima Leite, além de performance do ator Josimael Caldas, que apresentará poemas de Rogaciano Leite acompanhado de viola. Na ocasião também será apresentado um videoclipe de um poema do autor musicado por Wanda Cunha, presidente da Academia Maranhense de Trovas (AMT) e gravado pela cantora Carol Cunha. O evento é organizado pela Federação das Academias de Letras do Maranhão (Falma), Academia Ludovicense de Letras (ALL), AMT e Instituto Histórico e Geográfico Maranhão (IHGM), com apoio da Inspirar Comunicação.

Filho mais novo de uma família de 10 irmãos, Rogaciano Leite teria completado 102 anos no último dia 1º. de julho, e “já era um poeta desde criança, quando priorizava os versos às obrigações no sítio de seu pai”, como revelou a jornalista Clara Menezes, em texto publicado no jornal O Povo, no dia de seu centenário. O escritor baiano Jorge Amado (1912-2001) afirmou que seus versos “seriam dignos da pena de Castro Alves!”.

Nascido na vila de Umburanas, atual Itapetim/PE, no Vale do Pajeú, o pioneiro Rogaciano Leite não chegou a ver o repente tombado como Patrimônio Cultural do Brasil pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), mas sua devoção à poesia – como poeta e jornalista – certamente lançou uma fagulha, lá atrás: viajou 19 estados brasileiros realizando recitais, numa época em que os acessos eram bem mais difíceis, um feito e tanto.

“Desde as fronteiras semisselvagens de extremo Setentrião aos centros mais civilizados do Sul do País, tenho levado, através de constantes e voluntárias peregrinações, a minha pobre e humilde mensagem de poesia e sensibilidade. Nenhuma vaidade me envolve, nenhum orgulho me domina. O que me impulsiona é um entusiasmo natural pelas coisas do espírito; o que me arrasta é o desejo de conhecer todo este Brasil imenso e formoso, transmitindo aos filhos de todas as regiões a voz amiga e o abraço fraternal de uma terra quase esquecida – o Norte!”, sintetizou, com modéstia, a própria missão em “A Santos”, texto que escreveu no Rio de Janeiro em 16 de setembro de 1950, resgatado no volume que terá lançamento hoje em São Luís.

“Nenhuma queixa tenho a murmurar contra as terras e os povos que tenho visitado, pois a hospitalidade de todas as portas que se me abrem alimenta-me a inspiração de uma crença firme na bondade humana e deixa-me ver, embora sob o domínio de minhas desvairadas fantasias, um mundo belo e promissor em que nos falta apenas a elaboração de melhores ajustamentos sociais e maior compreensão entre os homens – elementos formadores da evolução e indispensáveis ao progresso e à paz sobre a terra”, continuou, não imaginando o que viria a se tornar o Brasil desde 2016.

Uma das cidades visitadas por Rogaciano Leite foi São Luís. Começa assim um texto não assinado no Diário de S. Luiz de 30 de novembro de 1947: “Excedeu a todas as expectativas o festival de arte do poeta Rogaciano Leite realizado anteontem no Teatro Artur Azevedo”. No jornal O Imparcial de 6 de dezembro de 1947 o escritor Nascimento Morais também registrou a passagem do poeta pela ilha, agradecendo-lhe um presente recebido: “O talentoso poeta pernambucano que ora nos visita, Rogaciano Leite fez-nos valiosa oferta, um exemplar do seu livro “Acorda Castro Alves!”, impresso, este ano, em Fortaleza”. E adiante: “Rogaciano Leite é um poeta socialista. E é o primeiro poeta condoreiro que aparece depois de Castro Alves. E não esconde o sentido de sua poesia”.

No que corrobora com a opinião do folclorista Luís da Câmara Cascudo, que escreveu em Natal/RN, em 10 de junho de 1948, em texto também resgatado nesta reedição de “Carne e alma”: “Rogaciano Leite independe do Tempo e do Futuro. Revive Castro Alves e Casimiro de Abreu, florestas de Gonçalves Dias, mares verdes de José de Alencar. Os motivos poéticos não são expressos como faces unilaterais do tema, da sensação, da emoção. Resume céu, mar, ares, homens e pensamentos, numa brutalidade revolvedora, instintiva, imediata e magnífica como uma força incomparável da Natureza. Seus versos trazem terra, árvores, aves, músicas, amores, tragédias”.

Versos de Rogaciano Leite foram musicados por Silvio Caldas (“Cabelos cor de prata”) e Denis Brean (“Recado”) e gravados por nomes como Aracy de Almeida, Bebeto Castilho, Nelson Gonçalves e Silvio Caldas. Em “Avatar” (1996), a cantora e compositora Cátia de França prestou-lhe bela homenagem em “Rogaciano”, inspirada em seu universo.

Em “Aos críticos”, poema que abre a seção “Poemas sertanejos”, que inaugura “Carne e alma”, Rogaciano Leite se apresenta: “Senhores críticos, basta!/ Deixai-me passar sem pejo,/ Que o trovador sertanejo/ Vai seu “pinho” dedilhar…/ Eu sou da terra onde as almas/ São todas de cantadores:/ – Sou do Pajeú das Flores –/ Tenho razão de cantar!// Não sou um Manuel Bandeira,/ Drummond, nem Jorge de Lima;/ Não espereis obra-prima/ Deste matuto plebeu!…/ Eles cantam suas praias,/ Palácios de porcelana,/ Eu canto a roça, a cabana,/ Canto o sertão… que ele é meu!”.

Que a presente reedição de “Carne e alma” permita aos brasileiros re/descobrir e re/valorizar a grandeza poética de Rogaciano Leite.

Carne e alma. Capa. Reprodução
Carne e alma. Capa. Reprodução
Serviço: lançamento de reedição de “Carne e alma”, do poeta Rogaciano Leite. Hoje (29), às 17h30, na Casa de Cultura Josué Montello (Rua das Hortas, 327, Centro). Com a presença da pesquisadora Helena Roraima Leite (filha do autor), Josimael Caldas, Wanda Cunha e Carol Cunha.
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