Exposição “Flores de Obaluaiê”, de Miguel Veiga, foi aberta ontem

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Ao lado do Procurador-Geral de Justiça Eduardo Nicolau, o artista plástico Miguel Veiga fala durante abertura da exposição "Flores de Obaluaiê". Foto: CCOM/MPMA
Ao lado do Procurador-Geral de Justiça Eduardo Nicolau, o artista plástico Miguel Veiga fala durante abertura da exposição "Flores de Obaluaiê". Foto: CCOM/MPMA

Com 19 peças, entre pintura e escultura, exposição fica em cartaz até 1º. de julho, no Espaço de Artes Ilzé Cordeiro, no Centro Cultural do Ministério Público

Biba, gilete, fresco, gay, saboeira, perobo, qualhira, viado, bicha louca, franga, boiola, incubado. Estas são algumas expressões pejorativas em geral usadas para se referir à população LGBTI+. As expressões são ressignificadas pelo artista plástico Miguel Veiga, que as utiliza em alguns dos títulos das 19 peças que compõem a exposição “Flores de Obaluaiê”, que foi aberta ontem (17), no Espaço de Artes Ilzé Cordeiro, no Centro Cultural do Ministério Público. Com curadoria de Francisco Colombo, a exposição é composta por pinturas e esculturas, e parte do mito iorubá de Obaluaiê, fazendo dele uma releitura e uma correlação entre rejeição e acolhimento.

Obaluaiê é um orixá que nasce com o corpo cheio de feridas. Na mitologia iorubá, os problemas são, metaforicamente, convertidos em superação quando a divindade transforma as chagas que cobrem seu corpo em pipocas: as “Flores de Obaluaiê”. O enquadramento das peças vira do avesso outro termo pejorativo: o armário. “Minha arte tem essa característica, de procurar instigar. Ninguém compra uma tela minha, uma escultura minha, só por que as cores combinam com seu sofá”, afirmou o artista, ontem, durante seu discurso, ao mesmo tempo contundente e comovente, na vernissage.

Miguel Veiga encara de frente um duplo preconceito: contra a população LGBTI+ e contra os povos de terreiro, os fiéis das religiões de matriz africana. “Do mito de Obaluaiê, que é considerado o orixá da cura, da transformação, da morte, da renovação, eu fiz um paralelo com o sofrimento dessa população LGBTI+, na superação do dia a dia dos seus sofrimentos. É transformar as agressões, suas feridas sofridas dentro de uma sociedade patriarcal em uma superação, uma transformação do sofrimento em flores. Essas flores são as superações, são lutas no dia a dia, que essa população trava consigo, trava no trabalho, com a sociedade. Quando eu lanço mão desse mito, é um mito que sofre muito preconceito. Por causa do nome dessa exposição, eu já ouvi algumas pessoas fazendo uma analogia com macumbaria, com feitiçaria, e na realidade, é um mito de superação”, comenta o artista, revelando o conceito da exposição e o fato de ele próprio já ter sido alvo de preconceito, por conta do trabalho.

Armário da eterna purpurina (detalhe): a obra convida o visitante a colocar seu rosto num caixão, num gesto de solidariedade à população LGBTI+ vítima de violência. CCOM/MPMA. Reprodução
Armário da eterna purpurina (detalhe): a obra convida o visitante a colocar seu rosto num caixão, num gesto de solidariedade à população LGBTI+ vítima de violência. CCOM/MPMA. Reprodução

É significativo que a exposição tenha tido sua vernissage realizada ontem, 17 de maio, Dia Internacional de Luta Contra a Homofobia, Transfobia e Bifobia. De acordo com o relatório “Mortes Violentas de LGBTI+ no Brasil – 2021”, publicado pelo Grupo Gay da Bahia, 300 pessoas foram violentamente assassinadas no Brasil ano passado, crimes motivados única e exclusivamente pela orientação sexual das vítimas. O número assustador representa um assassinato violento a cada 29 horas e um aumento de 8% em relação a 2020, o que coloca o Brasil na liderança do ranking de países que mais matam a população LGBTI+, violência endossada e estimulada pelo presidente neofascista Jair Bolsonaro (PL).

“As esculturas são feitas em fibras de vidro. Quando eu comecei a conceber essas formas, dentro de uma escola expressionista, eu procurei deformar essas figuras para evidenciar esse sofrimento dessas pessoas, esse sofrimento que nós passamos. Eu fibrei com resina e manta de fibra de vidro e procurei deixar os acabamentos à mostra, eu não aparei, porque as fibras, quando endurecem, ficam algo muito rude, muito grosseiro, é como se fosse um rompimento, como se fosse algo dilacerado. Lancei mão, de uma forma semiótica, de elementos simbólicos que representam essas populações, tanto na escultura quanto na pintura. Na escultura eu faço um misto desse conflito de gênero, do conflito que a pessoa sofre, aprisionado dentro de um corpo que não seria seu, dentro de uma carcaça que não seria sua, mas que gostaria de se tornar uma outra pessoa. Isso eu coloco e, para completar, todas as esculturas levam flores de papel e pipoca, como flores de Obaluaiê, numa metáfora, como se fossem as flores caindo dessas esculturas. Essas flores também estão nas telas. As telas têm uma predominância muito grande de figuras abstratas, figuras geométricas, por que são símbolos dessa população, eu usei muitos símbolos e cores que representam essas populações. A gente vai olhar signos e símbolos que representam a bissexualidade, a homossexualidade feminina, a homossexualidade masculina, vários momentos, inclusive da história, eu fui buscar alguns símbolos como, na Alemanha nazista, na Alemanha de Hitler, os judeus eram encarcerados e para serem identificados como judeus, eles recebiam um triângulo amarelo pendurado no pescoço. E quando eram homossexuais, era o amarelo e preto, era o judeu homossexual. Ele alterou as leis lá e condenava as pessoas à morte. Eu fui trabalhando os símbolos dessa luta, as cores usadas na luta”, explica.

A solidariedade e a quebra de paradigmas também marcaram a vernissage de “Flores de Obaluaiê”, que registrou ótimo público presente: além das peças de Miguel Veiga, também foram expostas as bonecas “Vestidas com elegância”, do estilista Beto Silva, o Betinho, e “Acolher”, de Paulo Ribeiro, da Casa Acolher, cujo valor arrecadado com as vendas serão revertidos em favor de um tratamento de saúde do primeiro e na aquisição de um imóvel para abrigar a ONG que acolhe pessoas convivendo com HIV/Aids. Houve também performances de drag queen com as artistas Adriane Bombom e Raphaella Kennya, que dublaram músicas como “Canta Brasil” (Alcyr Pires Vermelho/ David Nasser) e “De noite na cama” (Caetano Veloso).

“A aceitação dessa exposição junto à comunidade LGBTI+ foi fantástica, por que eu sei da carência de algumas pessoas, a carência de algumas entidades, então eu procurei algumas pessoas para a gente poder agregar valores de solidariedade. Nós encontramos pessoas que estão precisando de ajuda, entidades que estão precisando de ajuda e nós agregamos essas pessoas também. Isto, dentro de uma instituição como o Ministério Público, que trabalha com direitos humanos. Foi impressionante a aceitação e a adesão dessas pessoas a fazerem lá. É inusitado um show de drag queen dentro de uma casa de justiça, eu achei isso fantástico. É um exercício de cidadania da própria instituição em abraçar o diferente, em abarcar essa diversidade, isso é um ponto positivo maravilhoso, um rompimento com paradigmas”, comenta.

A retirada da homossexualidade da Classificação Internacional de Doenças (CID) pela Organização Mundial de Saúde (OMS), em 1990, significou um avanço, apesar de alguns profissionais de saúde ainda insistirem em falar em “cura gay”. “Essa exposição é um convite à reflexão em cima dessa questão de gênero. É uma reflexão de respeito ao outro. Essa instalação nos convida a nos olharmos como integrantes do todo, da teia da vida, como fala Fritjof Capra; nós somos semelhantes, nós somos humanos; é um convite para se fazer uma reflexão ao olhar ao outro, ao respeito ao outro. Essa data é fantástica, é emblemática, por que em 17 de maio de 1990 foi a data que a OMS retirou a homossexualidade do CID. Paradoxalmente a gente ainda encontra muitas pessoas, inclusive de políticas públicas, oferecendo a cura gay, como se fosse um entendimento de doença, ainda, uma coisa que já foi ultrapassada”, finaliza.

Serviço: exposição “Flores de Obaluaiê”, de Miguel Veiga. Em cartaz no Espaço de Artes Ilzé Cordeiro, no Centro Cultural do Ministério Público (Rua Oswaldo Cruz, 1396, Canto da Fabril, Centro). A visitação é gratuita e aberta ao público. Em cartaz até 1º. de julho.

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A reportagem a seguir foi veiculada ontem (17), na Rádio Timbira:

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