“Os nossos mortos continuam vivos, quando lhes cultuamos a memória”

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Maria Firmina dos Reis, Úrsula: Uma história em quadrinhos. Capa. Ilustração de Marcos Caldas. Reprodução
Maria Firmina dos Reis, Úrsula: Uma história em quadrinhos. Capa. Ilustração de Marcos Caldas. Reprodução

Historiador Iramir Araújo lança hoje em São Luís, HQ sobre vida e obra de Maria Firmina dos Reis

Historiador e mestre em História Social pela Universidade Federal do Maranhão (UFMA), já há algum tempo Iramir Araújo vem dando uma inestimável contribuição para a ampliação do alcance de determinados autores maranhense, suas obras e histórias. Envolvido também com publicidade, ele carrega no currículo longa colaboração com jornais de São Luís com críticas sobre a nona arte, campo no qual também é roteirista profícuo.

Após dedicar-se a projetos que re/contam, em quadrinhos, histórias como a fundação de São Luís (“Ajurujuba – A fundação da cidade de São Luís”), “A Balaiada”, algumas lendas por demais conhecidas dos maranhenses (“Além das lendas”) e o romance “O mulato”, de Aluízio Azevedo, ele lança hoje a HQ “Maria Firmina dos Reis, Úrsula: Uma história em quadrinhos”, com adaptação dele, ilustrada por Rom Freire e Ronilson Freire. A noite de autógrafos acontece hoje (13), às 19h, no Solar Cultural da Terra Maria Firmina dos Reis (Rua Rio Branco, 420, Centro).

A escolha da data não é mera coincidência: 13 de maio é a data da abolição da escravatura, embora saibamos que o Brasil nunca se livrou por completo desta chaga e a escravidão apenas transformou seu modus operandi ao longo dos séculos – semana que vem, dia 19, será lançado nas salas de cinema brasileiras o filme “Pureza”, de Renato Barbieri, baseado na história real da bacabalense Pureza Loyola (interpretada por Dira Paes), uma mãe que enfrentou “gatos”, latifundiários e políticos para libertar o filho do trabalho escravo em uma fazenda.

Maria Firmina dos Reis (11/3/1822-11/11/1917) era abolicionista e o interesse por sua obra vem crescendo após um apagamento provavelmente intencional: mulher e negra, foi a primeira professora aprovada em concurso público no Maranhão; nascida em São Luís, deu aulas e viveu em Guimarães (onde faleceu aos 95 anos). Escreveu o romance “Úrsula”, que assinou sob o pseudônimo “uma maranhense”, justamente por saber o desprezo que a sociedade da época – o que infelizmente persiste – nutria por mulheres, sobretudo àquelas que não se submetem ao jugo masculino/machista.

Numa jogada ousada, Iramir Araújo mixa a biografia da escritora com sua obra. Sua graphic novel se divide em duas partes, a primeira dedicada à vida de Maria Firmina dos Reis, a segunda à adaptação de “Úrsula” em quadrinhos. Estão ali a indignação da escritora contra o status quo, sua militância abolicionista e a trama bem urdida do romance, cheia de reviravoltas, que criticava a crueldade dos poderosos de plantão e, de forma inédita, dava voz aos negros, como poucas vezes vimos na literatura brasileira, de que a autora maranhense é pioneira, apesar dos esforços de apagamento de sua vida e obra, contornados graças aos esforços do pesquisador Nascimento Morais Filho (1922-2009, autor da frase que empresta o título a este texto) e todos os que vieram depois dele – entre inúmeros outros, inserem-se aqui a jornalista Andréa Oliveira e o próprio Iramir Araújo, com a HQ que lança hoje.

Farofafá conversou com exclusividade com Iramir Araújo.

O historiador e roteirista Iramir Araújo. Foto: divulgação
O historiador e roteirista Iramir Araújo. Foto: divulgação

ZEMA RIBEIRO – Você lança “Maria Firmina dos Reis, Úrsula: Uma história em quadrinhos” justo no dia da abolição da escravatura, causa por que lutou Maria Firmina dos Reis, embora saibamos que a escravidão nunca tenha, de fato, acabado no Brasil. Tua obra também se coloca permanentemente contra preconceitos e injustiças. Queria que você comentasse um pouco sobre suas motivações ao escolher os temas que escolhe para trabalhar.
IRAMIR ARAÚJO
– Eu tenho, desde o início dessa minha etapa de trabalho, essa minha fase de trabalho, em que eu lancei “A balaiada”, lancei “A fundação da cidade de São Luís”, depois lancei “O mulato”, e agora “Maria Firmina dos Reis”, eu tenho uma motivação, algo que me move, algo que me faz trabalhar a história, a cultura, a literatura maranhense em quadrinhos. Por que a gente precisa fazer com que o nosso povo, nós precisamos fazer com que nossos estudantes e o público em geral conheçam mais a nossa história, leiam mais a nossa história, se interessem mais. E no caso de Maria Firmina dos Reis isso é emblemático, por que ela passou mais de 100 anos apagada, ocultada, depois de sua morte, a sua obra e a sua biografia praticamente sofreram esse processo de apagamento. Então, por uma feliz coincidência, o professor Nascimento Morais Filho, lá nos anos 1970, conseguiu, trouxe de volta essa autora e hoje ela é reverenciada, ela está ocupando o lugar que lhe é de direito na cultura maranhense e brasileira, na literatura. Então, essa é a motivação, mostrar para nós e para além do Maranhão, para o Brasil e quiçá para o mundo, a riqueza que tem o Maranhão, a riqueza cultural, a riqueza histórica, a riqueza literária que tem o Maranhão.

ZR – Outra feliz coincidência é você lançar sua HQ num espaço que leva o nome da autora homenageada, o Solar Cultural da Terra Maria Firmina dos Reis. Qual a importância deste espaço para a cultura de nossa cidade hoje?
IA
– De fato é uma feliz coincidência que eu lance esse livro nesse espaço maravilhoso, que é o Solar Cultural Maria Firmina dos Reis, um espaço que é dedicado à resistência, à luta, ao contato da população da cidade e do campo, um local que valoriza a agricultura orgânica, a produção orgânica, um local que valoriza a luta, a resistência. Esse local não poderia ter outro nome que não o de Maria Firmina dos Reis e eu não poderia lançar esse livro em outro local que não esse. E sem dúvida esse é um local que tem, desde a sua abertura, valorizado sobremaneira a cultura maranhense. Vários artistas da mais variada estirpe têm se apresentado aqui, é um espaço, hoje, fundamental para a cultura maranhense.

ZR – A obra de Maria Firmina dos Reis vem sendo redescoberta e revalorizada ao longo das últimas décadas, a partir do trabalho pioneiro de Nascimento Morais, até trabalhos mais recentes de autores como você e Andréa Oliveira, que acabam ampliando o alcance ao propor o diálogo com públicos diferentes. Qual a importância deste resgate histórico?
IA
– É fantástico. Essa ideia, essa redescoberta da obra de Maria Firmina dos Reis parece ser uma combinação fortuita de acasos. Primeiro o professor Nascimento Morais, buscando uma outra coisa, buscando poesia sobre o Natal, encontra Maria Firmina dos Reis, e a partir disso, a partir daí, ele conseguiu encontrar um dos diários dela. Ela escrevia muitos diários, alguns se perderam, mas conseguiu encontrar um deles, isso é fantástico. A partir daí centenas de trabalhos de conclusão de curso, de mestrado, de doutorado, semanas, seminários têm sido produzidos para colocar Maria Firmina dos Reis no local que ela realmente merece, que a sua produção realmente merece, como uma mulher muito à frente do seu tempo, como uma mulher que deu voz ao povo negro como nenhum autor brasileiro tinha feito e pouquíssimos fizeram depois. Realmente pode se falar de uma conjugação de acasos fortuitos, que fizeram com que Maria Firmina dos Reis possa ser, como continua sendo, revalorizada, e vários trabalhos, como o de Andréa Oliveira, por exemplo, que busca criar uma história com Maria Firmina criança. Que coisa maravilhosa! Com isso amplia a ideia da leitura, o prazer da leitura e também o desejo de conhecer mais sobre essa mulher. Então, é maravilhoso que esse resgate continua acontecendo e eu fico muito feliz em lançar esse livro justamente no ano em que Maria Firmina dos Reis teria comemorado o bicentenário do seu nascimento.

ZR – Você escolhe dois artistas para traduzirem em imagens o teu trabalho de adaptação aos quadrinhos da vida de Maria Firmina dos Reis e de sua obra mais famosa. Quero te ouvir um pouco sobre esses parceiros.
IA
– Esse livro eu dividi em duas partes. Uma eu fiz uma espécie de livre leitura da biografia dela a partir do que ela escreveu nos diários resgatados pelo professor Nascimento Morais e o romance propriamente dito. Então para que o leitor possa entender cada uma dessas partes, inclusive perceber a diferença entre cada uma delas, eu chamei dois artistas formidáveis aqui do Maranhão. Um é o Rom Freire, o outro é o Ronilson Freire. São irmãos e têm estilos bem diferentes. Então o leitor perceberá claramente isso. São artistas que eu tenho o maior apreço e são extremamente talentosos. A capa ficou a cargo de Marcos Caldas, que hoje, eu costumo dizer que ele é meu capista oficial, ele já fez capa de três livros meus, esse é o quarto. Ronilson tem sido meu parceiro em várias outras produções, ele fez “O mulato”, fez “Ajurujuba”, fez uma parte d”A Balaiada”, isso faz parte do que eu tenho procurado fazer, que é fazer com que os nossos artistas ocupem cada vez mais espaço. Nós temos artistas talentosíssimos, tanto Rom quanto Ronilson só trabalham para o mercado exterior, assim como outros artistas aqui do Maranhão. Então a ideia é justamente essa, são artistas fantásticos e eu gosto de fazer com que esse reconhecimento chegue também a todos que trabalham comigo. É importante frisar que esse trabalho, esse livro, foi tornado possível a partir do patrocínio da Equatorial Energia, um patrocínio fundamental. A Equatorial tem valorizado a cultura do Maranhão e tem me honrado com seu apoio. Fez isso antes com “O mulato” e agora em “Maria Firmina/ Úrsula” e eu vou continuar insistindo, buscando o apoio deles [risos], e esse apoio vem por meio da Lei de Incentivo à Cultura do Estado, que é um instrumento, também, muito interessante para os artistas de todas as correntes artísticas buscarem, criarem seus projetos, então, esse projeto é muito especial.

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