Novo documentário de Max Alvim será lançado em São Luís em sessão seguida de debate com o diretor

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O cineasta Max Alvim (à frente) durante o lançamento em São Paulo. Foto: Piu Dip. Divulgação
O cineasta Max Alvim (à frente) durante o lançamento em São Paulo. Foto: Piu Dip. Divulgação

Gratuita e aberta ao público, sessão acontece nesta quarta-feira (11), no bairro da Liberdade

O povo pode? – Um país pelo olhar de brasileiros. Cartaz. Reprodução
O povo pode? – Um país pelo olhar de brasileiros. Cartaz. Reprodução

Numa iniciativa ousada e democratizante, o documentário “O povo pode? – Um país pelo olhar de brasileiros”, do cineasta Max Alvim (direção, roteiro e montagem), iniciou sua trajetória de exibições no último dia 4, em São Paulo. O filme já foi exibido em Brasília Teimosa, comunidade da periferia do Recife, retratada no documentário, e terá exibição em São Luís na próxima quarta-feira (11), seguida de debate, como em todas as ocasiões, com a presença do diretor. Gratuita e aberta ao público, a sessão acontece às 18h, na quadra de esportes do Instituto Iziane Castro (Av. Mário Andreaza, próximo ao Viva Liberdade).

A partir das trajetórias de quatro personagens – o sem-terra baiano João, a camponesa pernambucana Vani, a líder quilombola sergipana Izaltina e a freira pernambucana Aurieta –, o filme conta como suas vidas (e as de suas comunidades) foram transformadas nos governos de Luís Inácio Lula da Silva.

Com mais de duas horas de duração, o documentário foi filmado entre 2017 e 2021, quando o país passou a amargar as consequências do golpe político-jurídico-midiático contra a presidenta Dilma Rousseff, com a ascensão de Michel Temer, a prisão política de Lula por um juiz hoje internacionalmente reconhecido como parcial, que retirou da disputa eleitoral em 2018 o então líder em todas as pesquisas de opinião, que redundou na eleição do neofascista Jair Bolsonaro, a partir de sua azeitada máquina de fabricar mentiras.

Os protagonistas João, Vani, Aurieta e Izaltina, o próprio Lula, além dos antagonistas Sérgio Moro, Deltan Dallagnol, Jair Bolsonaro e Aécio Neves, nos ajudam a compreender o atual e trágico estado de coisas, numa encruzilhada entre o que o país foi, o que é e o que poderia ter sido.

No último dia 30 de abril, Max Alvim foi o entrevistado do Balaio Cultural, da Rádio Timbira AM. Leia a íntegra, a seguir (ou veja o vídeo acima a partir do minuto 32).

O cineasta Max Alvim. Foto: divulgação
O cineasta Max Alvim. Foto: divulgação

ZEMA RIBEIRO – Max, como é que surge a ideia do documentário e como foi chegar aos quatro personagens cujas trajetórias você costura para contar essa história?
MAX ALVIM – Então, Zema, esse filme nasceu em 2017 na ocasião da caravana do ex-presidente Lula pelo Nordeste, a caravana que deu início às caravanas do Lula pelo Brasil. Na ocasião nós nos organizamos, o filme é uma coprodução da TVT, a TV dos Trabalhadores, com o Instituto Alvorada Brasil, o Canal I, que é a minha produtora, em associação com o Mauro de Deus. Nós nos organizamos para fazer um longa-metragem que originalmente era para ser um road movie, um filme feito na estrada, ao longo da caravana do ex-presidente Lula. Na época a gente dizia que o presidente, embora sempre ele mereça documentários, ele já era uma figura pública de uma estatura tão grande que a gente pensava “não vamos fazer outro documentário de bastidores do Lula fazendo política, por que a gente já tem alguns belos documentários no Brasil sobre isso, vamos fazer um outro tipo de documentário, vamos fazer um documentário sobre o que o Lula olha, o que o Lula vê quando ele vai ao encontro da população”. Então era um documentário através do olhar do Lula, pra observar o que a população pensava sobre o país e o que o Lula enxergava nesse diálogo com essa população. Inicialmente foi esse o nosso intuito quando a gente saiu pra viajar. E pra fazer isso a lógica que a gente seguiu foi a seguinte: a caravana, não sei se você lembra, durou 20 dias no Nordeste, começando em Salvador e terminando em São Luís do Maranhão. Nesses 20 dias o Lula percorreu em torno de 50 e poucas cidades, eu não lembro de cabeça agora o número exato, mas foram 50 e poucas cidades. Nós acompanhamos o Lula nessas 50 e poucas cidades e a cada cidade dessas a minha equipe mergulhava por entre a multidão e começava a bater papo com as pessoas. E de uma maneira muito natural a gente foi encontrando pessoas com histórias incríveis, trabalhadores e trabalhadoras com histórias incríveis. Nós fomos montando uma espécie de planilha de histórias, “aqui nessa cidade tem uma história tal muito legal, aqui tem uma outra assim, assim, assado”, e a gente foi construindo isso até São Luís do Maranhão. Quando chegou em São Luís a gente ficou três dias mergulhado nessa planilha e nós escolhemos sete personagens, vamos dizer assim, sete pessoas, trabalhadoras e trabalhadores pra gente fazer um mergulho. E aí nós fizemos o caminho de volta do Lula, ao invés de pensar Salvador-São Luís, pensamos São Luís-Salvador, e rodamos esses cerca de 4 mil quilômetros novamente, só que agora mergulhando na vida desses personagens. Então, originalmente nós captamos sete histórias, só que quando eu volto pra São Paulo, estamos lá, por volta de outubro de 2017, logo na sequência, a gente tem a decisão do TRF4 da prisão do ex-presidente Lula. Aí a gente falou, “opa, peraí, agora mudou o filme, por que se de fato o Lula for preso, as coisas vão ter outro contexto”. Eu costumo dizer que naquela época em 2017, quando a gente conversava com a população aí no Nordeste, a gente tinha em geral um olhar de muita esperança; o povo vinha já de um histórico de conquistas sociais muito grandes nos governos Lula e Dilma, nós todos levamos uma bordoada com o golpe de 2016, mas a gente tinha esperança de que em 2018 o presidente Lula seria reeleito. Então quando veio a prisão, aquilo foi um golpe, sabemos disso, foi um segundo golpe muito forte, e eu percebi, como documentarista, que seria um erro histórico eu parar o documentário ali. Então nós seguimos filmando e o documentário virou outra coisa. Como você bem expressou aí no teu início, com a tua apresentação, “O povo pode?”, que é o nome do documentário, acabou sendo uma leitura do Brasil dos últimos seis anos, do golpe de 2016 até 2021. Foi um mergulho nesse país, no quê que aconteceu com esse país nesses seis anos. Logicamente eu guardei os traços originais. E como eu guardei? Eu fiz esse documentário a partir destes personagens; só que ao invés de serem os sete, eu reduzi pra quatro deles, são três mulheres e um homem. Esses quatro personagens, de 2017 até 2021, eu fui reencontrando com eles, ao longo desses anos, eles vão contando, de uma maneira espetacular, por que são pessoas trabalhadoras e trabalhadores realmente com uma capacidade de análise da política e da vida social brasileira que é surpreendente, como eu costumo dizer, e alguns companheiros intelectuais meus aqui de São Paulo que assistiram o filme falam “olha, você conseguiu quatro brasileiras e brasileiros que conseguem perceber o Brasil muito melhor do que a maior parte dos cientistas políticos brasileiros”. Então, isso é muito forte no filme, e é assim que eu conto, eu conto através da voz deles. Eles vão fazendo ao longo desses anos uma leitura do quê que foi acontecendo e o filme vai narrando tudo isso, aquela eleição horrorosa de 2016 [2018], toda história das fake news, a eleição de Bolsonaro e o governo do Bolsonaro que é essa tragédia que eu não preciso nem nomear.

ZR – Eu vou te fazer uma confissão, Max, de público, que eu fiz questão de escrever na abertura da entrevista, a encruzilhada que você, através das vozes desses quatro personagens você narra a encruzilhada do que o país foi, o que o país é hoje, e o que o país poderia ter sido. Confesso que chorei várias vezes, pensando justamente no que poderia ter sido, vendo o seu documentário. Está de parabéns pela sensibilidade e pelas escolhas. Max, o governo Bolsonaro tem travado uma guerra ideológica constante contra as artes e o pensamento de modo geral e censurado obras como “Marighella”, de Wagner Moura, e “Medida provisória”, de Lázaro Ramos, que está em cartaz nas salas de cinema brasileiras, além do sucateamento e da paralisação da Agência Nacional de Cinema. Como você avalia essa questão?
MA – É, você sintetizou bem, o Bolsonaro, como qualquer líder fascista, com esse temperamento, essa linha de condução ideológica fascista, ataca primeiramente a arte, a cultura e a educação. São os eixos que ele primeiro vai atacar, como todo fascista fez na história da humanidade, primeiro ataca aí. Por que o fascismo é estruturado basicamente num tripé, a gente inclusive pode ter certeza de que ele vai estar fundamentando toda a comunicação do Bolsonaro nessa próxima eleição. Sob o ponto de vista comunicacional ele sempre escolhe fazer a defesa da moral e da família, fazer o discurso do combate à corrupção e incentivar o nacionalismo. Não é isso? O fascismo, ele se estrutura nessas três frentes, quando ele se comunica com a população e é assim que ele conquista corações e mentes, por que ele dá a impressão de que está fazendo o bem para a nação, cuidando da moral e dos bons costumes e da família e combatendo esse mal tremendo, que é a corrupção. É assim que eles organizam o discurso deles. E como é que eles sustentam isso? Se eles esmagam, se eles destroem exatamente os pilares da crítica, que são a cultura, a arte e a educação. Não por acaso o Bolsonaro é o presidente que mais fez cortes na universidade pública brasileira, na ciência e tecnologia, na educação de modo geral, inclusive no nível técnico, é uma coisa horrorosa e extraordinária o ataque que ele fez à educação. Não por acaso, como você diz, esse governo é o primeiro governo desde a redemocratização que literalmente cancelou as verbas públicas para o cinema e para as artes em geral. No meu caso eu posso falar com mais proficiência sobre cinema por que a Ancine está parada desde 2018, desde o governo Temer. De lá pra cá a Ancine parou tudo, vários companheiros nossos que estavam com filmes em andamento não conseguiram inclusive receber verbas que já estavam aprovadas e não bastando isso, eles construíram uma política de perseguição dos cineastas que tinham feito filmes anteriormente. Eu tenho vários, não é o meu caso, mas eu tenho vários companheiros que estão tendo que rever contas de filmes que foram encerrados há 12 anos, tiveram suas contas aprovadas e que esse governo abriu as contas de novo e faz a exigência completamente estúpida de pedir aos companheiros que eles recuperem notas fiscais e recibos de 12 anos atrás, de algo que foi aprovado, como tendo sido realizado dentro da lei. E vários dos meus companheiros e companheiras estão pagando multas astronômicas pra Ancine por que muitas vezes não têm mais esse material impresso pra provar aquelas despesas. Isso está acontecendo, isso não é só um privilégio do cinema, a gente sabe que o teatro está sofrendo muito, a música está sofrendo muito, especialmente na pandemia, por que além deste governo, a gente sabe que os dados internacionais mostram que depois do turismo o segundo setor que mais sofreu com a pandemia foi exatamente o setor da economia criativa, que envolve toda a área de arte e cultura e o país mal teve condições de dar sustentação pra essa área. Localmente, aqui e acolá, a gente conseguiu alguma coisa, mas o governo federal não teve nenhuma política pra isso. Então o quadro é esse, eu acho que a gente pode esperar, para esse ano agora, de eleição, a repetição desse mesmo modelo. Então os seus ouvintes fiquem atentos para esse tripé: vocês vão observar que o discurso do Bolsonaro será novamente esse mesmo: combate à corrupção, a luta pela moral e os bons costumes da família, e o sentimento nacionalista de que nós temos que proteger o Brasil, por exemplo, do comunismo ou de qualquer inimigo que ele invente. Então, esse é o raciocínio que ele vai fazer e, se reeleito, se essa tragédia acontecer, eu não tenho nem ideia do que vai acontecer com a nossa educação, com a nossa cultura, por que ele só vai acirrar ainda mais essa destruição sistemática que ele já vem fazendo desde o início do governo dele.

ZR – Infelizmente é verdade. Max, as eleições de 2018 foram duplamente fraudadas: com o impedimento ilegal da candidatura de Lula, que era líder em todas as pesquisas de opinião, e com a enxurrada de mentiras, modus operandi da máquina bolsonarista, as mentiras apelidadas de fake news, que acabaram influenciando o voto de parte da população brasileira. O teu filme, teu documentário, acaba sendo uma ferramenta importante no combate à desinformação. Tem alguma pretensão de massificar o acesso da população a essa obra audiovisual? Como é que está sendo pensado o circuito de lançamentos e exibições de “O povo pode?”
MA – Vamos lá! Esse filme, além de ele carregar no próprio conteúdo a nossa contribuição para fazer uma leitura do quê que aconteceu com o país e de como se arquitetou esse golpe contra o país e de como isso, de forma organizada, se estabeleceu, ele também é, em sua forma de distribuição, um ato político, e vou explicar por quê. Diferente de outras obras cinematográficas, nós tomamos uma decisão, de início, de não comercializar o filme. Explicando em outras palavras, nós vamos distribuir o filme em todo o território nacional de forma gratuita. E tem vários motivos pra isso. O primeiro deles, é que a gente interpreta que é preciso fazer uma intervenção na nossa reflexão nacional sobre o acesso à cultura e especialmente o acesso ao audiovisual. É uma pequeníssima parcela da população que tem condição de ir ao cinema, pagar um bilhete e ir ao cinema. Então a gente interpreta que esse modo de distribuição precisa ser um pouco revisto. Eu não tenho os dados atualizados, mas você citou “Marighella”, o “Marighella” até recentemente pelo menos era o líder nacional em bilheteria. E na ocasião, o último dado que eu tinha tido acesso, falava em cerca de 120 a 130 mil pagantes. Então você imagina, um filme de alguns milhões de reais, um filme importantíssimo pra se entender a história brasileira, e especialmente a história da ditadura, só foi assistido por cento e poucas mil pessoas pagantes dentro das salas de cinema. É muito pouco, se a gente for parar para raciocinar é muito pouco, perto dos blockbusters norte-americanos, que fazem milhões de ingressos, os nossos filmes fazem muito pouco. Pra você ter outro dado importante, um documentário nacional, tem geralmente como média de pagantes em bilheterias de cinema, cerca de 3 mil pessoas apenas. É a média de um documentário. Então o nosso raciocínio foi o seguinte: vamos sair dessa lógica e vamos construir uma nova lógica de distribuição. Então nós montamos toda uma estrutura para distribuir inicialmente o filme agora em maio em pelo menos 15 capitais brasileiras, de forma gratuita, para a população, com ênfase na população mais carente, na população mais vulnerável, que não tem condição de pagar 20, 30 reais às vezes num ingresso de cinema. E isso se dará através de uma ação sistemática que a gente está montando, que começa agora no dia 4 no lançamento aqui em São Paulo e na sequência segue para o Nordeste. Então, a gente vai estar dia 7 de maio agora, em Recife, na comunidade de Brasília Teimosa, fazendo por exemplo uma sessão open air, ao ar livre com um mega-telão pra cerca de 1.000, 2.000 pessoas, dentro da comunidade, no dia 7; a princípio no dia 11 aí em São Luís estaremos, ainda sem a definição do espaço [será às 18h, na quadra de esportes do Instituto Iziane Castro, Av. Mário Andreaza, Liberdade, próximo ao Viva Liberdade], por que houve um pequeno incidente e o espaço que estava reservado infelizmente não vai poder nos acolher, nós estamos em busca de um novo espaço, mas a data prevista para São Luís é dia 11, também uma sessão pública.

ZR – Você estará presente?
MA – Estarei presente em todos esses lançamentos, inclusive aí em São Luís. Dia 13 de maio vamos estar em João Pessoa, no Teatro Paulo Pontes, um teatro da secretaria de cultura, um teatro grande, 600 e tantos lugares. Dia 14 em Maceió, também no Teatro Deodoro, outro teatro de 700 lugares, vai inclusive ter um telão pra fora, pra quem não conseguir entrar assistir do lado de fora, e assim a gente está seguindo; dia 16 em Porto Alegre, no teatro da Assembleia Legislativa, um teatro de 680 lugares e a gente vai seguir até o final do mês cumprindo as principais, principais é uma péssima expressão, algumas das principais capitais brasileiras, não por que a gente não queira ir em todas as capitais, mas por que a gente não tem perna pra isso nesse primeiro instante. E qual foi o raciocínio? Foi primeiro lançá-lo presencialmente, por que a gente entende que é uma oportunidade de as pessoas se encontrarem e de debaterem o quê que tá acontecendo com o país e como elas podem se mobilizar e se organizar pra fazer civilização, pra fazer de verdade um país crítico e capaz de lidar com as adversidades que a gente está passando por aí. Nesse sentido a gente entendeu que o filme pode ser um ótimo disparador de um bom debate; então, em todas essas localidades a gente vai exibir o filme, e na sequência eu subo no palco e medeio com lideranças locais um debate sobre a realidade local. Esse é o raciocínio que a gente vai seguir em todas as capitais nesse primeiro instante. Num segundo instante, nós fizemos parcerias com muitos movimentos, com movimentos populares, com movimentos sindicais, com quilombolas, com indígenas, enfim, com representantes os mais variados da sociedade civil. Nessas parcerias nossas, com a CUT Brasil, nessas parcerias nossas, nós negociamos o seguinte: nós vamos entregar o filme para esses movimentos e eles vão carregar o filme pra outras salas nas capitais e para o interior dos estados. Então, vou te dar um exemplo: em Pernambuco, por exemplo, a CUT, através de um ônibus que eles têm, com telão e projeção e tudo mais, eles vão sair logo depois do dia 7 de maio, quando a gente lançar em Recife, eles vão sair com esse ônibus pelo interior de Pernambuco exibindo o filme em praças públicas. A mesma coisa vai acontecer na Paraíba, por exemplo, de outro modo, não vai ser através de um ônibus, mas vai ser através de equipamentos culturais que eles têm, e assim sucessivamente.

ZR – Maravilha! Está de parabéns, Max, por essa visão. Realmente um filme como esse precisa chegar a mais e mais olhos, mentes e corações. Max, por falar em parceria, a gente sabe que por mais que um filme sempre traga a expressão “um filme de” acompanhada pelo nome do diretor, cinema é uma arte coletiva. Sei que você na feitura de “O povo pode?” envolveu profissionais de várias áreas e regiões do Brasil e eu quero aproveitar inclusive para mandar um abraço para a produtora Juliana Hadad, que trabalhou no licenciamento musical do filme e está nos assistindo. Vamos falar um pouco da equipe que está contigo para tornar possível a realização do documentário.
MA – É, como você disse, é isso mesmo: cinema é uma arte coletiva, embora o diretor carregue essa personificação do grupo, o diretor não faz nada sozinho. O conjunto de companheiros e companheiras que foi necessário para realizar esse filme é muito grande, seria difícil de citar todo mundo, mas eu acho importante aqui, talvez destacar, na produção musical, na construção das trilhas originais do filme, o filme tem muitas músicas originais, que foram compostas especificamente para ele; dois monstros, o Arismar do Espírito Santo, que é um dos maiores baixistas brasileiros, um multi-instrumentista espetacular, internacionalmente reconhecido, e o Lívio Tragtenberg, que é outro monstro, também multi-instrumentista, um baita dum intelectual, assina também as músicas. Acho importante destacar, sem sombra de dúvidas, a gentileza de vários músicos que cederam músicas pro filme, você abriu com “Pesadelo” [de Paulo César Pinheiro e Maurício Tapajós], só que a gente usou outra versão, que foi a versão do Luca Argel, que muito generosamente nos ajudou. O pessoal do [grupo] Faces do Subúrbio, com a música “Faces do aboio”, o Jonathan Silva, com o “Samba da utopia”, interpretado pelo Mateus Sartori, acho que também é importantíssimo. Nós usamos também uma música linda do Gonzaguinha, que é “De volta ao começo” e que também está licenciada pro filme, e por fim o “Magistrado ladrão”, interpretada pelo [grupo] Cabruêra, do Fabiano Soares e do Zé Guilherme. Então, assim, só a parte musical já poderia falar pelo que você está percebendo um tempão, isso sem falar na Juliana que você já citou, e no Alessandro [Soares] também, que nos ajudou no início na produção musical e no licenciamento e tantas outras coisas. Mas o filme também tem todo um outro conjunto de profissionais, da parte de imagem, de finalização, de arte, a direção de arte é do Eurico Dias, um querido companheiro, enfim, eu teria que citar aqui uma multidão de gente que trabalhou nessa produção e que esse filme só foi possível graças a todos esses braços e essas mentes brilhantes que puderam contribuir.

ZR – Maravilha, está bem cercado. Max, seu currículo inclui produções de programas especializados em música, já que a gente está falando em música também, com destaque para o Instrumental Sesc Brasil, que é transmitido pela TV Sesc e pelo youtube, e também o Passagem de Som. Como e quando a música e o cinema entram em tua vida e você decide seguir este caminho artístico?
MA – Ih, rapaz, aí nós precisamos de duas horas [risos]. É, o cinema entrou na minha vida muito cedo, por volta dos 18 anos, eu cursava na Universidade Federal de Uberlândia o curso de História e no primeiro semestre eu me meti a concorrer ao DCE, minha militância estudantil, e coube a mim, dentro da nossa chapa, a comunicação da campanha. E ali eu conheci parceiros, amigos que me levaram pra fotografia e pro cinema. E aí aquele vírus entrou no meu sangue, um ano depois eu tava largando a faculdade e já tava caindo no mundo, indo atrás da minha vida no cinema. Então o cinema tá lá desde trás, eu vou completar 40 anos de carreira daqui a dois anos, eu estou com 38 anos de carreira. Cinema e televisão estiveram sempre na minha vida. A música também começa lá no início, também nesse mesmo período eu comecei a produzir conjuntos musicais, bandas musicais lá da minha cidade, do interior, aquela coisa toda. Mas obviamente a minha carreira passou por muita coisa, eu felizmente pude estar em várias frentes dentro dessa profissão, de experimentar várias coisas. Especificamente o Instrumental Sesc Brasil, que não é o primeiro projeto que eu dirijo em música, nasce em 1999, portanto há 23 anos. Era um projeto já com mais de 10 anos dentro do Sesc São Paulo, na época ele se chamava Instrumental Paulista e coube a mim adaptá-lo para a televisão. Ele era um projeto presencial e nós adaptamos para a televisão. Mas eu dirijo o Instrumental pessoalmente, por que nesse início foram outros diretores que eu contratei, convidei para participar do projeto, mas eu dirijo pessoalmente desde 2007. Então nós estamos aí há cerca de 15 anos dirigindo o Instrumental. Nesse período foram mais de 600 shows musicais que eu dirigi e mais de 400 documentários sobre bandas e artistas brasileiros da música instrumental. Isso me deu, além de uma alegria tremenda, por que trabalhar com música é uma cachaça, como você bem sabe [risos], e aliás eu estava te ouvindo aqui no início do programa, que belíssima programação que você construiu, pelo menos o que eu estava ouvindo, e falei “nossa, que legal saber que tem uma rádio com esse apuro, com essa acuidade de qualidade sonora que você está escolhendo no seu repertório”. Então, trabalhar com música é uma delícia, a gente não quer parar. Eu brinco com o Sesc que se um dia eles pararem de me pagar eu vou querer ser voluntário, por que é uma delícia fazer isso. Eu tenho muitos amigos músicos. O Tom Zé, que você acabou de tocar antes do teu intervalo, é um querido amigo, talvez inclusive esteja com a gente lá, agora no dia 4, no lançamento. Então, assim, pra mim é um prazer trabalhar com essa área.

ZR – Você tem toda razão no que você diz sobre ser uma cachaça. A gente se vicia e não consegue realmente largar. Max, eu vejo o teu documentário, eu já falei isso de outros modos, em outros momentos, como uma grande reportagem sobre a realidade brasileira. A gente sabe que um dos responsáveis pela corrosão da democracia no Brasil é justamente o comportamento da mídia, que acabou naturalizando comportamentos execráveis como o elogio à tortura. Que conselhos o cineasta Max Alvim daria ao jovem que está começando sua trajetória no cinema ou no jornalismo?
MA – É uma pergunta complexa por que ela demanda muita responsabilidade. Eu acho, aqui de improviso eu te diria que dois aspectos precisam ser cuidados numa carreira: um é você se manter sempre atento à cultura do seu tempo para manter o seu espírito crítico; portanto, ler muito, ler de tudo, de várias correntes, inclusive ideológicas, ler de tudo, experimentar tudo o que você puder de cultura a teu lado, ouvir muita música, ir muito ao teatro, sabe?, se misturar na sua própria cultura pra que você tenha uma noção mais ampla possível do teu tempo pra poder ter espírito crítico suficiente pra cumprir com a tua profissão, com as necessidades e as demandas da tua profissão. Sem isso a sua tendência é ter uma visão muito parcial do seu tempo e a tendência nesse sentido é construir uma profissão empobrecida, vamos chamar assim. Então, acho que esse é um aspecto muito importante. E o segundo aspecto é ético. É perceber que mesmo quando a gente tá muito precisando do emprego ou precisando daquele salário, tem aspectos que não valem a pena, que não vale a pena às vezes você machucar certos conceitos, certos princípios éticos em nome da manutenção de um emprego. Em geral, eu tenho muitos amigos jornalistas e trabalhei muito com jornalismo na minha vida, aliás, trabalho com jornalismo ainda hoje, faço muitas parcerias com vários veículos progressistas aqui em São Paulo, e dirijo outros documentários ligados ao jornalismo, com grandes e queridos amigos jornalistas, mas em geral, eu acho que tem pouca pressão política nas redações. A pressão ela não é direta, ela é enviesada, ela funciona da seguinte maneira: o editor chefe do teu jornal, seja ele um telejornal, um radiojornal ou um jornal impresso ou eletrônico, ele tende muito mais a fritar certas pautas que não interessam politicamente àquele jornal do que a diretamente dizer “olha, não pode isso, pode aquilo”. Não é tão explícito assim, em geral; portanto não deve se esperar que seja essa o tipo de pressão sobre a tua ética. A pressão sobre a tua ética está em pequenas sutilezas, como me disse uma jornalista amiga, por exemplo, não vou citar aqui a emissora de televisão, mas que ela dizia “o meu editor, quando eu chegava com as matérias, dizia assim, “ah, mas tem muito preto nessa matéria, não dá pra gente, sabe, misturar um pouco mais?””; e ela dizia “mas eu não escolhi pretos ou brancos, eu fui lá e fiz a matéria na rua e era essa a realidade da rua quando eu fiz a matéria”; “ah, não, mas na próxima você escolhe um pouco mais de branco, por que preto não dá audiência””.

ZR – Que absurdo!
MA – Uma coisa como essa afeta diretamente a tua percepção de mundo. Nessa hora é a hora em que você tem que pensar: peraí, mas eu quero continuar aqui? Sabe? Isso vai me levar a algum lugar? Ou eu só estou colaborando pra manutenção dessa tragédia nacional que é o racismo, que é a misoginia, que é a homofobia, que é a desigualdade social e tudo mais. Então eu acho que a gente tem que estar um pouco mais atento a isso, de que ao longo de uma carreira você vai ser seduzido muitas vezes para se esquecer dos seus princípios. E meu grande conselho é: olha, pensa duas vezes nessa hora, por que é ali que desanda uma carreira, e eu vi muitos companheiros nossos, queridos, perderem a mão aí.

ZR – Bela reflexão, Max. Obrigado pelo conselho para essa juventude que nos ouve, nos vê no youtube, estagiários aqui da emissora, de outras empresas jornalísticas. Max, eu já percebi aqui no papo que você com essa produção, essa produtividade, é uma usina do fazer cinematográfico, o trabalho com o Sesc, muita coisa, você está sempre em movimento. Está começando agora o circuito de lançamento do “O povo pode? – Um país pelo olhar de brasileiros”, mas eu queria te perguntar o seguinte: o que você pode adiantar pra nossa audiência de novos projetos? O quê que Max Alvim tá aprontando aí na sequência desse documentário?
MA – Eu fui convidado para um projeto que está se iniciando agora, inclusive está sem nome, eu não posso nem anunciar o nome, pela TVT, que é uma série de 12 capítulos, 12 documentários de meia hora, que vão narrar experiências da sociedade civil no Brasil, experiências que tiveram forte impacto de transformação social. Então, nós estamos nesse exato instante fazendo uma pesquisa no Brasil inteiro, fazendo o levantamento dessas experiências, localizando cases mesmo, histórias coletivas, não histórias individuais, histórias coletivas, portanto histórias que carregam em si essa ideia de que juntos a gente consegue fazer mais e consegue, além de fazer mais, fazer uma transformação, na própria comunidade, importante, e a gente está nesse momento fazendo essa pesquisa para levantar essas histórias. Esse projeto vai ser rodado agora no segundo semestre e a TVT pretende colocá-lo no ar já no início do ano que vem. São 12 capítulos, como eu disse, e vai ser rodado, eu não me lembro de cabeça agora, mas pelo menos quatro estados nordestinos estão entre esses 12, e alguns outros estados de outras regiões do Brasil. Minas tá, Paraná tá, alguns mais voltados pro Sul, outros mais pro Nordeste, outros pro Norte, tentando cobrir um pouco as cinco regiões brasileiras, esses 12 capítulos vão estar [interrompe-se], estamos batalhando isso aí. Esse é um projeto, digamos, novo, que acabou de chegar no meu colo recentemente, mas eu estou com a expectativa esse ano, de, além de coisas que eu já realizo, no meu dia a dia, como é o caso do Instrumental e do Passagem de Som, há muitos anos eu gesto um trabalho de ficção e quero ver se esse ano eu começo a trabalhar nele mais seriamente para ver se eu rodo no ano que vem. Então também tem isso pra breve, é um projeto novo, mais artístico mesmo, verdadeiramente vocacionado pra arte, não tão preocupado com aquela política mais dura que o documentário acaba carregando.

ZR – Maravilha! A gente já fica então na expectativa. Max, querido, eu quero agradecer tua presença aqui no Balaio Cultural, a gentileza de ter aceitado nosso convite, essa disponibilidade, e te deixar à vontade para reforçar o convite ao ouvinte da Rádio Timbira, ao espectador do youtube que nos acompanha, para assistir ao teu documentário “O povo pode? – Um país pelo olhar de brasileiros”. Fica à vontade, o espaço é teu. Estarei, com certeza, na plateia do lançamento aqui em São Luís para prestigiar também o debate na sequência da sessão.
MA – Será um imenso prazer te receber lá. Eu que quero te agradecer. É uma gentileza muito grande ter me convidado, eu adoro São Luís, adoro o Nordeste como um todo, estou sempre viajando para aí de alguma maneira e te conhecer agora foi um prazer pra mim. Então, quero te agradecer, agradecer aos ouvintes da tua rádio, agradecer a tua produção, agradecer a minha produtora que fez a ponte, a Juliana, tão gentilmente fez a ponte contigo e convidar toda população para estar atenta ao lançamento do nosso filme aí em São Luís, através das nossas redes sociais, se vocês buscarem, tanto no instagram, quanto no facebook, quanto no youtube, quanto no twitter, pelo “O povo pode?” vocês vão localizar, são vários endereços com pequenas variações, mas vocês vão localizar a nossa rede social e lá nós estaremos permanentemente publicando posts, comunicando locais, horários, formas de acesso pro nosso filme. Além disso, gostaria de convocar todo mundo, pra ter nesse ano de 2022, uma especial atenção em relação às fake news. Pense 50 vezes antes de retuitar ou de republicar um post, seja crítico na análise dos posts, e eu falo isso em relação a qualquer post, vindo ele da esquerda ou da direita, faça uma investigação. “Ah, como investigar se aquela notícia é verdadeira?”, basta às vezes uma googlada, mas faça, tenha essa preocupação de investigar, pra gente não reproduzir novamente a tragédia de 2018, de ver uma população tomando decisões baseadas na mentira. Isso a gente tem que ter cuidado, muito cuidado. Por que se a gente estudar com calma, o quê que de verdade está acontecendo no país, eu tenho certeza que as nossas escolhas serão boas escolhas, por que o eleitor brasileiro não é burro; ele está sendo ou foi enganado. Então eu acho que essa é a minha última mensagem para todos vocês. Muito obrigado, querido!

ZR – Eu que agradeço, Max. Prazer conversar contigo. Tá aí então o Max Alvim, até lembrando o Chico Buarque: “ouça um bom conselho/ eu lhe dou de graça”. Sigam o conselho do Max que a gente pode ser feliz. Max, parabéns pelo trabalho, sucesso e até a ilha!
MA – Até já!

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Veja o trailer:

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Serviço: lançamento do documentário “O povo pode? – Um país pelo olhar de brasileiros”, do cineasta Max Alvim; exibição seguida de debate com a presença do diretor. Quarta-feira (11), às 18h, na quadra de esportes do Instituto Iziane Castro (Av. Mário Andreaza, próximo ao Viva Liberdade). Evento gratuito e aberto ao público.
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