O cantor, ator e compositor Rodger Rogério em foto de Rômulo Santos

Lançado há 47 anos, o LP Chão Sagrado (RCA, 1975) tornou-se uma espécie de manifesto do chamado Pessoal do Ceará, uma das mais importantes comunidades musicais da MPB. Sua consistência conceitual, a diversidade de temas e gêneros (blues, baião, soul, uma ária de ópera), certo sabor psicodélico e a feliz simetria das vozes dos artistas (os cearenses Rodger Rogério e sua então mulher, a cantora Téti), tudo isso conspirou para tornar o disco um mito da música nordestina. Hoje, é uma relíquia – custa em média R$ 500 na internet.

Aos 78 anos, destaque como ator em filmes simbólicos da atualidade, como Bacurau e Pacarrete, o “Velho Menino” Rodger Rogério é uma espécie de lenda da noite fortalezense. Onde seu chapéu chega, tem festa. Como compositor, já deixou sua marca em todos os quadrantes da MPB – “Ponta do Lápis” foi gravada por Ney Matogrosso, “Cavalo Ferro” foi lançada por Fagner, “Falando da Vida” é parceria com Ednardo.

No sábado, 5, em Fortaleza, as canções seminais do disco Chão Sagrado começaram a ressurgir para as novas gerações em torno de um belo projeto, Chão Sagrado Revivido, que consiste em um “show-documentário” sobre o disco e suas circunstâncias, o que incluiu no dia 5 novas gravações das canções (em estúdio) por Rodger Rogério, além de lives, debate e um registro audiovisual das sessões de estúdio para um filme.

Os arranjos originais das músicas do disco foram transcritos e adaptados pelo maestro Luciano Franco, que tocou contrabaixo (e dividiu a direção musical com o violonista Rogério Franco). Robson Gomes (teclado e acordeon) e Jefferson Portela (percussão) completaram o grupo. O projeto é apoiado pela Lei Aldir Blanc e pela Secretaria de Cultura de Fortaleza.

A canção-tema daquele álbum, “Chão Sagrado”, é uma pedra filosofal de Belchior e Rodger, composta a partir de um mote proposto (involuntariamente) pelo compositor e cientista paulista Paulo Vanzolini, o autor do clássico Ronda. Segundo o cineasta e pesquisador Nirton Venâncio, a história de como essa triângulação (Rodger-Paulo Vanzolini-Belchior) aconteceu foi por acaso, em 1973. Após terem se conhecido nos bastidores do programa Proposta, na TV Record, os colegas cientistas Vanzolini, zoólogo, e Rodger, físico (em 1972 foi professor da Universidade de São Paulo), colegas de universidade, passaram a dividir copos cheios e longas conversas sobre temas diversos.

Uma noite, Rodger e Paulo Vanzolini estavam em um dos seus papos e, após uma longa digressão de Vanzolini sobre o Pantanal e suas riquezas, Rodger perguntou ao colega se ele conhecia o Nordeste. “Meu filho, eu palmilhei aquele chão sagrado!”, respondeu-lhe prontamente o zoólogo. Rodger, por sua vez, era um homem da cidade, rato de Fortaleza, mal tinha se abalado algumas vezes para Quixadá, no interior. “Pois de Quixadá, eu conheço até os bodegueiros”, lhe confidenciou Vanzolini, para surpresa e alegria do interlocutor.

Da conversa, nasceu a ideia de Rodger de compor uma música com aquela alavanca existencial (“eu palmilhei aquele chão sagrado”). Ele procurou Belchior, então em plena ascensão após ganhar o Festival Universitário e se preparando para gravar a própria estreia em disco, o seminal Mote & Glosa (1974), e lhe contou a história da conversa com Vanzolini. Gravada com a voz de Téti e backing de Rodger, a letra da canção é uma joia concêntrica a resumir secamente nordestinidade e a universal condição humana:

“Você conhece o Nordeste
Palmilhou seu chão sagrado
Viu cascavel e coluna
Sol quente pra todo lado”

Rodger Rogério e Téti já tinham participado, àquela altura, do disco-veículo do Pessoal do Ceará, o álbum Meu Corpo Minha Embalagem Todo Gasto na Viagem (1973), que na verdade não contava com o pessoal do Ceará, mas somente Ednardo, Rodger e Téti (naquele momento, Fagner cortejava um contrato com a Philips, Cirino com a RGE e Belchior com a Continental, e não tinham mais tanta disponibilidade).

Segundo contou o guitarrista e produtor Mimi Rocha em sua coluna de jornal, o lançamento do disco Chão Sagrado passou quase despercebido na época, devido à pífia divulgação. Mas, com os anos, sua influência só fez crescer, alcançando novos intérpretes como Nayra Costa e Daniel Groove. No começo dos anos 1970, Rodger Rogério e Téti chegaram a ser convidados pelo então produtor Osmar Zan, da RCA, para gravar um disco com versões de músicas de Diana Ross, Marvin Gaye e outros. Mas Rodger tinha regressado a Fortaleza para tratar de um problema de saúde e ele e Téti não gostaram muito da ideia. Foi então que a gravadora inventou a dupla Jane & Herondy.

Téti separou-se de Rodger há muitos anos, mas ambos mantêm uma feérica agenda conjunta de shows, e a cantora, ainda na ativa, contribuirá com depoimento sobre o disco e também estará presente em vídeos e gravações.

O show-documentário será exibido neste sábado, 12/2, às 20h, no YouTube da Radiadora (produtora cultural do compositor, poeta, dramaturgo e produtor Alan Mendonça. A direção é de Allan Diniz, produtor de videos). A produção executiva do projeto está a cargo de Alan Mendonça e dos compositores Rogério Franco e Dalwton Moura.

Antecipando a estreia do show-documentário, uma série de lives está sendo realizada, todos os dias desta semana, sempre às 21h. Alan Mendonça, Rogério Franco e Dalwton Moura recebem nas lives, também transmitidas no YouTube da Radiadora, convidados como a cantora, compositora e pesquisadora Jord Guedes, o DJ, pesquisador e colecionador de LPs Alan Morais e o cineasta, poeta e pesquisador Nirton Venâncio, além do próprio Rodger Rogério, que participa da live de sexta-feira, 11/2, às 21h.

Os arranjos originais das músicas do disco foram transcritos e adaptados pelo maestro Luciano Franco, que participa da gravação tocando contrabaixo e dividindo a direção musical com Rogério Franco (violão). Robson Gomes (teclado e acordeom) e Jefferson Portela (percussão) completam o grupo, com a voz de Rodger Rogério recriando as canções do disco de 1975.

Chão Sagrado traz composições de Rodger Rogério em parceria com Dedé Evangelista (“Bye-Bye Baião”), Brandão (“Rodoviária”), Pepe Capelo (“Beco da Noite”), do guru Augusto Pontes (“O Lago”) e Fausto Nilo (“Retrato Marrom”), além de um baião de Petrúcio Maia (“Risada do Diabo”) e uma guarânia de Luiz Assunção e Evenor Pontes (“Siá Mariquinha”). Os arranjos e a regência foram do maestro Háreton Salvanini e a produção, coordenação e direção de estúdio, de Walter Silva, o DJ e produtor cultural conhecido por Pica-Pau. As fotos do disco são do mesmo fotógrafo de O Romance do Pavão Mysteriozo (1974) de Ednardo, Gerardo Barbosa.

 

Lives Chão Sagrado Revivido. Segunda a sexta, 7 a 11 de fevereiro, sempre às 21h, no YouTube da Radiadora.
Show-documentário Chão Sagrado Revivido. Exibição sábado, 12 de fevereiro, às 20h, no YouTube da Radiadora. Com Rodger Rogério, Téti e convidados.
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