Em reunião realizada na última quinta-feira, 28, a Agência Nacional de Cinema (Ancine) decidiu aprovar a captação de recursos para o filme O Presidente Improvável, documentário da Giro Filmes que trata da vida e da carreira do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, de 90 anos. O projeto pleiteia R$ 3,3 milhões para sua realização.
Por unanimidade, 4 votos a favor, a Ancine revisou sua própria decisão anterior, de julho, de vetar o financiamento público do filme por considerar que fazia o elogio de uma figura política. O despacho salienta que o projeto leva em conta o seguinte: “1) a falta de evidências de violação a valores constitucionalmente tutelados; e 2) a característica biográfica do projeto, de tipologia documental, prestigiando-se a ampla divulgação de informações de interesse público”.
No veto ao filme, em agosto, o voto que prevaleceu, com a justificativa do uso político de natureza propagandística pela produtora, foi o do ex-presidente interino Mauro Gonçalves de Souza. Souza, que chegara à presidência da Ancine com as credenciais de ter sido assessor do deputado Philippe Poubel, do PSL do Rio, ligado às milícias cariocas. agora votou favoravelmente, mas eis o que escreveu anteriormente:
“Ora, se o Supremo Tribunal Federal já declarou a inconstitucionalidade de leis que autorizavam a mera denominação de logradouros públicos com nomes de pessoas vivas, por vulneração do princípio de impessoalidade, me parece, sim, muito mais grave, e pelas mesmas razões, aprovar projeto com conteúdo político na obra em que se homenageia político vivo e ainda em atividade”.
Mauro Gonçalves de Souza foi interino no período em que Alex Braga Muniz aguardava para assumir legalmente o posto de diretor-presidente da agência. Deveria ter saído no dia 20, após Braga assumir, mas foi reconduzido no dia 26 de outubro para o posto de diretor substituto na vaga de Mariana Ribas. Essa nomeação, assinada por Alex Braga, prossegue uma tradição consagrada no período bolsonarista, que é a de tornar a interinidade uma coisa permanente – com rodízio de vagas, a Ancine tem burlado a lei e mantido o poder na mão do grupo que agora controla a agência.
Essa estratégia se consolida até em postos de fiscalização pública, como o de Ouvidor-Geral – recentemente, foi nomeado um assessor de confiança do general Walter Braga Netto para o cargo, João Paulo Machado Gonçalves, como Ouvidor interino. Isso evita a necessidade de passar pela sabatina do Senado e, ao mesmo tempo, garante a lealdade interna do grupo que deve passar os próximos 5 anos dando as cartas no audiovisual brasileiro.
A queda do veto traz certo alívio ao meio audiovisual, embora a censura prossiga sustentando toda sorte de perseguição política na agência. A argumentação de Mauro Gonçalves abria um precedente que permitiria novos vetos de toda natureza. O diretor da Ancine chegou a mencionar em ata pública a participação de FHC no programa de Pedro Bial, em 18 de maio de 2021 (da qual disse que “sobeja conteúdo político”).