Em O Real Resiste, o compositor paulistano Arnaldo Antunes se alterna entre o confronto com o Brasil de 2020, a tristeza e o idílio
Em 23 de novembro, a TV Brasil, operada pelo governo federal, cancelou de última hora a exibição de um programa sobre o cantor e compositor paulistano Arnaldo Antunes. Nele, seria exibido o videoclipe da canção inédita O Real Resiste, que se dedica a afirmar, pela negação, o Brasil real dos dias que correm. Diz a grave balada: Miliciano não existe/ torturador não existe/ fundamentalista não existe/ terraplanista não existe/ monstro, vampiro, assombração/ o real resiste/ é só pesadelo e depois passa/ múmia, zumbi, medo, depressão/ não, não, não, não. Censurada pelo Brasil bolsonarista, O Real Resiste volta agora como carro-chefe do álbum homônimo.
O tom geral não acompanha o confronto aberto da faixa-título. Trata-se de um disco em modo menor, composto por canções reflexivas, lentas e tristes, a começar pelo tema de abertura, João, em homenagem a João Gilberto, morto em 2019: São tantos e tão poucos têm noção/ de como se inaugura uma nação/ não é bem com monumentos/ ou com balas de canhão/ é quando uma brisa bate na respiração/ e entra no juízo de um João.
Outras canções tratam de pulsão de morte (Termo Morte), de idílio (Na Barriga do Vento, Luar Arder) e das origens indígenas do Brasil (Língua Índia, Dia de Oca).
O disco termina com um samba para cima em termos formais, mas de recado também melancólico, Onde É Que Foi Parar Meu Coração?: Se não está lá na cozinha/ na pia, nem no colchão/ onde é que foi parar meu coração? Há um nexo entre a perda d’alma exposta no tema-título e o humor tristonho da última faixa.