Pessoas se esbarram num vai e vem para todos os lados. Dificulta, mas logo revela o Hip-Hop que se destaca na multidão.

__ Então, é aqui que tudo começou? – pergunta Samara adivinhando o propósito do local do encontro.

__ É o que dizem.

__ Mas não foi nesta estação que você desembarcou no Brasil?

__ Na verdade não. Aqui me apresentei e conheci muita gente, mas eu já andava pela Rua 24 de maio, nos bailes blacks, na Praça Roosevelt. Aqui Thaíde fortaleceu a parceria com DJ Hum, foi ele o cara que batizou sem saber dois irmãos que dançavam dizendo: “Dá hora os gêmeos dançando”. A partir daí Gustavo e Otávio se tornariam Os Gêmeos, os graffiteiros brasileiros mais consagrados em todo o mundo. Foi nessa época que os amigos Edivaldo e Kleber conheceram os primos Paulo Eduardo e Pedro Paulo.

__ Parece que está falando de uma passagem bíblica.

__ E estou.

Quem são esses?

__ Estou falando de Edi Rock, KL Jay, Ice Blue e Mano Brown, que formaram o grupo Racionais MC’s. Aqui ganhei força, cresci, mas eu já era um embrião, estava presente em cada fio de cabelo do Nelsão.

__ Quem é Nelsão?

__ Meu parceiro Nelson Gonçalves Campos Filho, o Nelson Triunfo. Um cara sangue bom que estimo muito, otimista, trabalhador, muito autêntico e com grande coração.

__ Esse Nelsão deve ser uma pessoa muito especial.

__ É sim. Tem simplicidade na forma de agir, de falar, não tem a marra da maioria de nós.

__ É isso que você chama de Hip-Hop verde-amarelo?

__ Exatamente. É o Hip-Hop de sotaque carregado, chinelo no pé e cabeça ligeira.

__ Por que não existem mais encontros aqui?

__ Está vendo aquele jardim no centro da praça?

__ O que tem ele?

__ É justamente ali onde ouvíamos música e fazíamos rodas gigantes de break com gente de toda parte. Como Marcelinho Back Spin, Banks, Ronneyoyo, Pex, Jackson, Neguinho, Da Antiga, Nitro, Nino Brown, Marcão e outros tantos daquela época.

__ Devia ser muito divertido.

__ Os lojistas e os agentes do Metrô não achavam não. Punham a gente pra correr debaixo de cacetadas e jogavam creolina no chão pra gente não ficar aqui. Nelson Triunfo chegou a dormir aí na rua junto aos mendigos para descobrir quem jogava creolina. Quando o dono da loja chegou pela manhã e foi empestear a área, levou o maior susto com aquele homenzarrão de mais de dois metros com aquele cabelão vindo tirar satisfação com ele.

__ É por isso que Nelson Triunfo é tão admirado mesmo ao lado de tantas personalidades?

__ Nelsão é a personificação do Hip-Hop brasileiro. Rappin Hood era ainda o Júnior, mais um menino se divertindo com o programa do Bozo, quando o palhaço chamou ao palco pra dançar Nelsão & Funk Cia. Thaíde, um dos pioneiros do Rap nacional, ainda era um jovem anônimo quando assistia na parte de cima do beliche a uma reportagem e viu pela primeira vez Nelsão. Muitos desses que me conheceram naquela época, hoje me apresentam pra muita gente.

Hip-Hop também falou da praça do Edifício JK em Belo Horizonte, do Parque Moscoso em Vitória, da Esquina Democrática em Porto Alegre e muitos outros lugares como se cada capital tivesse sua própria São Bento.

__ Quero ver de perto essa dança.

__ Próximo daqui está acontecendo uma batalha de break, vamos até lá?

__ Vamos sim, Hip-Hop.

 

Fotos Marcio Salata

* Capítulo 3 do livro “O Hip-Hop está morto, a História do Hip-Hop no Brasil”, romance de estreia de Toni C., artista multimídia (faz-tudo) que gentilmente autorizou a publicação desse trecho em FAROFAFÁ. O personagem principal Hip-Hop conduz a história do movimento, sempre numa linguagem informal, mas com alta carga informativa. A galera do hip-hop inteira foi citada (e homenageada). Leitura obrigatória para quem gosta da parada.


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