Fazendo mais uma vez o que as gravadoras ditas “grandes” (ou ex-grandes) não ousariam fazer, o selo carioca Discobertas, de Marcelo Fróes, tira do ineditismo no formato CD seis títulos originais do organista e pianista cearense (radicado carioca desde 1951) Ed Lincoln, lançados entre 1960 e 1966, pelo extinto selo Musidisc, do ex-cantor Nilo Sérgio.
No início dos anos 1960, Nilo centralizava na Musidisc um núcleo de que participavam, além de Ed (também diretor musical da gravadora), nomes como Orlandivo, Silvio Cesar e Durval Ferreira, moços influenciados pela bossa nova, mas talvez suburbanos demais para adentrar pelas portas da frente os apartamentos da turma do amor, do sorriso e da flor.
No mesmo formato disco-para-baile que a notabilizou, a Musidisc chegou a lançar, mais adiante, um LP do então muito jovem (e hoje injustamente subvalorizado) Lincoln Olivetti, aprendiz de feiticeiro dos teclados black-inspirados da MPB dos anos 1980. Em territórios mais puristas, de samba dito de raiz, foi a Musidisc a responsável pelo lançamento, em 1965, do Conjunto A Voz do Morro, de onde despontaria o então adolescente Paulinho da Viola.
Mas samba de raiz era exceção às regras da Musidisc e, em especial, de Ed Lincoln. Estamos, aqui, no terreno do samba-jazz, do sambalanço, dos grooves, das levadas, do samba-rock (quando esse nome ainda nem existia), da música brasileira que não tem medo de se misturar (nem à música internacional nem a si mesma), da bossa nova não-confinada à zona sul carioca ao próprio umbigo. Estamos, aqui, no mundão que Ed passou a habitar desde que abandonou um passado de músico da noite e de contrabaixista do conjunto do cantor pré-bossanovista Dick Farney.
Vão abaixo comentários ligeiros sobre os seis títulos incluídos no pacote Discobertas.

Ed Lincoln – Seu Piano e Seu Órgão Espetacular (1961) – Aqui, a maioria das faixas é cantada, e creditada a Pedrinho Rodrigues. Os temas brasileiros predominam, em pique de samba impuro que profana Dorival Caymmi (“Eu Não Tenho Onde Morar”), Ataulfo Alves e Mário Lago (“Atire a Primeira Pedra”). “Nunca Mais”, composição própria em dupla com Silvio Cesar, é destaque entre as canções inéditas. E há, por fim, uma versão de letra incompleta da engraçadíssima mistureba franco-nordestina “Leçon de Baion”, de Jadir de Castro, que saiu do anonimato sete anos atrás quando regravada por Adriana Calcanhotto em seu álbum infantil Adriana Partimpin. A linda capa de motivo concretista, veja bem, surgiu dois anos antes das primeiras capas do selo bossanovista Elenco, e até hoje festejadas como revolucionárias.
Álbum Nº 2 – Ed Lincoln e Seu Órgão Espetacular – O “número 2” é na verdade o quarto álbum de Ed; o primeiro, Ao Teu Ouvido (1958), do selo Helium, não foi incluído no pacote, e o disco de 1960 saiu originalmente por um subselo da Musicdisc, chamado Masterpiece. A fórmula se consolida, e seu ícone maior aqui é o tema “Es Peligroso”, instrumental e latinizado, mas composto (que José Ramos Tinhorão não nos ouça) por um cearense de nome norte-americanizado, Ed Lincoln. A faixa-simpatia é “Onde Anda o Meu Amor”, sambalanço primo de Jorge Ben, assinado por Orlandivo, também artista da Musidisc e futuro autor do genial samba-rock “Vô Batê pa Tu” (1974), lançado pelo cearense Chico Anysio e pelo pernambucano Arnaud Rodrigues, ou melhor, por Baiano & Os Novos Caetanos.