A herança buarqueana

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O maestro e pianista Nelson Ayres e o cantor José Pedro Gil. Foto: Mariana Carvalhaes. Divulgação
O maestro e pianista Nelson Ayres e o cantor José Pedro Gil. Foto: Mariana Carvalhaes. Divulgação

“Todos nós herdamos no sangue lusitano uma boa dosagem de lirismo… além da sífilis (censurada), é claro”, diz Chico Buarque (e seu parceiro Ruy Guerra) na letra de “Fado Tropical” (1973), música que o português José Pedro Gil não gravou em “Trocando em Miúdos” (Biscoito Fino, 2023), seu inspirado tributo ao compositor carioca.

O transatlântico buarqueano de Gil estreita sua relação com a música brasileira – em 2017 ele lançou com Mônica Salmaso (que viria a dividir com Chico a turnê “Que Tal Um Samba?“), “Estrada Branca” (Biscoito Fino), em que se debruçam sobre criações do poeta (brasileiro) Vinícius de Moraes (1913-1980) e do poeta (português) José Afonso (1929-1987).

Do roteiro de 11 faixas, “João e Maria” (Chico Buarque/ Sivuca, 1978) é a única que consta do repertório do também inspirado “Até Pensei Que Fosse Minha” (Som Livre/MP,B Discos, 2016), que o conterrâneo António Zambujo dedicou à obra buarqueana.

“Com extremo bom gosto e grande cuidado, o canto de José Pedro Gil fala de maneira ampla sobre o amor e oferece a compreensão límpida deste leque de canções escolhidas cuidadosamente. Uma verdadeira declaração de amor (e sobre o amor em todas as suas formas) à obra de Chico Buarque, a partir da delicadeza”, anota a colega Mônica Salmaso sobre o álbum recém-lançado.

O próprio José Pedro Gil revela, no material de divulgação distribuído aos meios de comunicação: “Chico fala do amor como expressão maior da nossa existência. O amor pelo outro. O amor pela vida do outro. São temas que, de alguma forma, me foram preenchendo o imaginário ao longo de anos. Nas escolhas que fizemos, Nelson [Ayres, piano e direção musical; acordeom em “”As Minhas Meninas” (Chico Buarque, 1987)] e eu, percebemos que havia este elo do amor como algo constante”.

O amor é a linha com que José Pedro Gil costura o repertório escolhido para o álbum, que já vinha sendo planejado há 10 anos. “Trocando em Miúdos” foi gravado literalmente na ponte Brasil-Portugal, com visitas do cantor à São Paulo e de Nelson Ayres à Lisboa. Eles consideram as sessões de ensaios e gravações intensas e imersivas e o maestro brasileiro cumpriu a missão de revestir as palavras de Chico Buarque de um silêncio que as privilegiasse, tornando as regravações algo para além de meros covers.

Em “Trocando em Miúdos”, José Pedro Gil (voz) está acompanhado por Nelson Ayres, Gonçalo Naia (contrabaixo), Teco Cardoso (saxofone), Swami Jr. (guitarra), Sidiel Vieira (contrabaixo) e Bob Suetholz (violoncelo). Sofia Gil, filha de José Pedro, dueta com o pai em “Maninha” (Chico Buarque, 1977).

O repertório se completa com “Samba e Amor” (Chico Buarque, 1970), “Eu Te Amo” (Tom Jobim/ Chico Buarque, 1980), “Mar e Lua” (Chico Buarque, 1980), “Quem Te Viu, Quem Te Vê” (Chico Buarque, 1967), “Choro Bandido” (Edu Lobo/ Chico Buarque, 1985), “Tatuagem” (Chico Buarque/ Ruy Guerra, 1973) e a faixa-título (Francis Hime/ Chico Buarque, 1978), além de “Sem Compromisso” (Geraldo Pereira/ Nelson Trigueiro, 1974), única não composta por Chico Buarque, deliciosa exceção a confirmar a regra: a gravação de Chico Buarque para este clássico até hoje faz muitos ouvintes acreditarem que o tema bem humorado seja de sua lavra; mais uma escolha acertada de José Pedro Gil.

"Trocando em Miúdos". Capa. Reprodução
“Trocando em Miúdos”. Capa. Reprodução

Ouça “Trocando em Miúdos”:

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