Origem e destino: os elos de Sergio Krakowski em “Boca do tempo”

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O pandeirista e compositor Sergio Krakowski - foto: Lucca Mezzacappa/ divulgação
O pandeirista e compositor Sergio Krakowski - foto: Lucca Mezzacappa/ divulgação
"Boca do tempo" - capa/ reprodução
“Boca do tempo” – capa/ reprodução

“Boca do tempo” (Rocinante, 2025) é o resultado de um processo de maturação que vem ocorrendo desde o início do século. Sergio Krakowski (com quem conversei no Balaio Cultural de 5 de julho passado, na Rádio Timbira; assista aqui), o pandeirista, compositor e programador, o fez sozinho: compôs, arranjou, tocou e cantou em suas nove faixas, quase todas autorais — a exceção é a de abertura, “Elebara”, tema de domínio público.

Tendo integrado formações como o Tira Poeira — um dos grupos fundamentais na renovação do choro e da Lapa carioca como território fértil deste gênero musical na virada do milênio — e o Chorofunk — como o nome indica, um grupo que une duas pontas carioquíssimas —, além do trio que gravou com Jards Macalé “Mascarada” (Rocinante, 2024), dedicado ao repertório de Zé Keti (1921-1999), Krakowski concluiu um doutorado em computação musical que o permitiu ampliar as experimentações sonoras que conduz neste seu álbum solo.

A boca do tempo de que fala o título foi percebida pelo artista por ocasião da morte de seu pai, Osvaldo; Krakowski sentiu uma espécie de chamado a dar uma resposta musical, mas tinha consciência que era preciso ir além do campo instrumental onde já deitava e rolava. “Alga”, em homenagem ao progenitor, foi a primeira composição para o álbum. “Chica”, que abre o lado b (“Boca do tempo” está disponível em vinil e nas plataformas de streaming), é homenagem a Chiquinha Gonzaga (1847-1935) “e tantas outras mulheres criadoras do nosso nome”, como ele próprio anota na contracapa do elepê. Jovelina Pérola Negra (1944-1998), Hildegard Angel, Dona Ivona Lara (1921-2018), Carmen Miranda (1909-1955) e Frida Kahlo (1907-1954) são alguns dos nomes destas mulheres criadoras que comparecem à letra.

O outro lábio desta boca do tempo foi o nascimento do filho Caetano. O círculo se fechava. Sergio Krakowski (pandeiro, voz e programação eletrônica em todo o álbum) compõe de forma muito particular, a partir de descobertas (estudos): “a proposta era clara: criar uma narrativa improvisada que costurasse os elementos verbais. Era a forma de quebrar o fluxo sonoro de improvisação livre, criado com pandeiro e eletrônica, através da palavra, elemento de comunicação imediata”, continua n/o texto da contracapa do álbum, que tem produção musical de Pedro Durães e direção musical de Krakowski e artística dele e Sylvio Fraga.

“Quem não consegue o de comer/ como é que vai contar com a paz/ quem não consegue o de comer/ como é que vai cantar com amor/ quem não consegue o de comer/ claro que vai querer gritar/ como é que vai querer calar”, protesta em “Renegue não”, outra letra que cita “o colo do pai” — o que perdeu e o que é —, outro elo.

Composto e cantado em português e yorùbá (a onomatopaica “Dongueragan” traz ainda o inglês), “Boca do tempo” coloca no mesmo plano a música dos terreiros das religiões de matriz africana (de onde vem a faixa de abertura) e a das pistas. Uma conhecida frase de Beto Sem Braço (1940-1993) diz que o que espanta miséria é festa. Em “Pão e poesia”, Fausto Nilo e Moraes Moreira (1947-2020) afirmam fazer “arte com pandeiro, matemática e loucura”. Com elementos bem parecidos, Sergio Krakowski realiza um som sem precedentes nem paralelo na história da música brasileira.

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Ouça “Boca do tempo”:

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