A (nova) série mais cara do cinema brasileiro

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Itamar Vieira Junior, autor do bestseller 'Torto Arado', o livro mais vendido do País em décadas

Com um orçamento estimado em 60 milhões de reais, a série (a ser rodada) Torto Arado, baseada no bestseller de Itamar Vieira Junior, deve se tornar a mais cara já produzida pelo cinema brasileiro. A empresa que o produzirá, a Paranoid Filmes, de São Paulo, ultrapassa assim o próprio recorde anterior registrado em um filme de longa-metragem em pré-produção: Capitão Adriano, sobre o miliciano bolsonarista executado na Bahia, que custará 35 milhões de reais. A Paranoid é gerida pelo diretor Heitor Dhalia. Torto Arado, a série, teve 20 milhões autorizados pelo Fundo Setorial do Audiovisual (FSA, fundo federal de investimento) na sua produção, e outros 8 milhões para serem captados via renúncia fiscal (Lei do Audiovisual), pela Agência Nacional de Cinema (Ancine). Os 30 milhões faltantes, pelo projeto, virão de outras fontes.

Esses números apontam para um novo momento do cinema brasileiro. Até 2023, a produção mais cara já feita no Brasil estava sendo Corrida dos Bichos (Animal Race), da produtora O2 Filmes, com direção de Fernando Meirelles, e que teve o orçamento estimado em 25 milhões. Suas filmagens terminaram em setembro e não há estreia ainda definida.

As novas produções, devido a bons ventos circunstanciais, encontram terreno favorável na picada aberta pelo êxito de Ainda Estou Aqui, filme de Walter Salles, que já ultrapassou 2 milhões de espectadores somente no Brasil. A produção brasileira, inclusive, ultrapassou o blockbuster estrangeiro Wicked, se tornando o filme mais visto da última semana no Brasil. Segundo estimativas, a produção arrecadou R$ 8,9 milhões e atraiu cerca de 400 mil espectadores às salas de cinema somente no período.

A elevação dos orçamentos para filmes brasileiros é um dado novo na conjuntura, ao mesmo tempo que o setor audiovisual vive uma crise de poucos antecedentes similares. Há problemas estruturais gravíssimos. A Agência Nacional de Cinema tem uma vaga aberta para sua diretoria desde 30 de setembro, e o governo ainda não indicou um profissional para o cargo, enredado em interesses políticos e sem conseguir debater democraticamente com o setor.

As pequenas produtoras não conseguem trabalhar, e as grandes reclamam de engessamento. Na semana passada, o Sindicato Interestadual da Indústria Audiovisual (Sicav) alertou para uma queda de 44% no volume de trabalho da cadeia produtiva do audiovisual em 2024, assim como queda acentuada na renda dos profissionais da área. O Sicav acredita que é um dos efeitos da desindustrialização, fruto da ausência de uma política efetiva do governo Lula para o setor.

O fechamento de salas de cinema, sobretudo no Rio de Janeiro e em São Paulo, foi outro ponto para o qual o Sicav chamou a atenção. Essa situação reforça a instabilidade do setor e coloca o Brasil em desvantagem em relação a outros mercados. O eixo Rio-São Paulo concentra 90% das salas de exibição, 62% das empresas e 72% das produções certificadas do país.

Outro diagnóstico é que a ênfase nas cotas regionais, estabelecida como prioridade da gestão, não atende a um princípio básico de racionalidade. Em 2024, dos R$ 800 milhões anunciados para investimento pelo FSA, o valor disponível nessa modalidade cresceu 50%. Para empresas de MG, ES e estado do Sul, a verba dobrou; para as do Norte, Nordeste e Centro Oeste, cresceu 33%; para as produtoras do Rio e São Paulo, onde a indústria se encontra mais consolidada, houve corte de 35%.

No momento em que o governo federal anuncia corte de gastos públicos e reconhece a necessidade de manter altos os níveis de emprego, diz o presidente do Sicav, é um equívoco ceifar os recursos destinados ao eixo Rio-São Paulo. O Sicav considera um erro estratégico discutir o financiamento do setor pela “ótica ideológica”, conforme nota da entidade. “O que o setor tem tentado discutir com o governo Lula 3 é que o fortalecimento da indústria audiovisual em outras regiões não deve ocorrer às custas da destruição do que já está consolidado”.

O presidente do Sicav, Leo Edde, afirmou que é preciso dar uma melhor utilização aos recursos públicos destinados pelo FSA, seja em relação à transparência da sua aplicação ou aos diferentes retornos do investimento. “Somos a favor de planejamento, acompanhamento e monitoramento para o desenvolvimento das empresas e realizadores do Brasil todo. Mas a verba pública aplicada precisa resultar em produtos que sejam realmente produzidos e assistidos, além de gerar um retorno social, econômico e estruturante”, afirmou Edde.

Em cinco anos desde sua publicação, Torto Arado, o livro da Todavia Livros, levou o autor a vencer os prêmios Leya, Oceanos e Jabuti e vendeu mais de um milhão de exemplares. Itamar Vieira Junior é baiano de Salvador e tem 45 anos. É geógrafo e doutor em estudos étnicos e africanos pela Universidade Federal da Bahia. Seu livro Salvar o Fogo (2023) lhe valeu o segundo prêmio Jabuti há alguns dias, e compõe, com Torto Arado e outro romance ainda a ser publicado, uma trilogia sobre a terra. Essa terra foi saudada em uma chamada entre o escritor e o presidente Lula na semana passada. “Ontem, assinei o decreto de interesse social de 15 comunidades quilombolas, incluindo o quilombo de Lençóis, no interior da Bahia, que inspirou sua grande obra Torto Arado“, declarou Lula. Vieira Junior é também autor de Doramar ou a Odisséia (2021) e o infanto-juvenil Chupim (Baião, 2024).

REPORTAGEM ATUALIZADA E CORRIGIDA ÀS 12h48: Pelo projeto registrado na Ancine, tratar-se-á de uma produção seriada, e não de um longa-metragem. Ainda assim, persiste o ineditismo do investimento.

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