Cenas do filme "Casamento Brasileiro", com Nivea Stelmann, produzido em 2007 e que teve as contas recusadas pelo TCU

O Tribunal de Contas da União (TCU) condenou o espólio do cineasta Fauzi Mansur a devolver, atualizados, R$ 1,8 milhão utilizados há cerca de 15 anos (em 2007 e 2008) na produção da comédia romântica Casamento Brasileiro, da Virgínia Filmes. O filme, ironicamente, tem no elenco a ex-mulher de Mário Frias, secretário Especial de Cultura, a atriz Nivea Stelmann (mãe do seu filho, Miguel). Fauzi Mansur, um dos mais prolíficos diretores de cinema do País, com dezenas de filmes no currículo, morreu de infarto em 2019, aos 78 anos.

A decisão do TCU mostra que, além da censura burocrática, a insegurança jurídica é mesmo a tônica dessa era nas contas públicas. Fauzi Mansur prestou contas em 2007 e 2008. Em abril de 2020, por unanimidade, o Supremo Tribunal Federal (STF) tinha decidido que as ações de ressarcimento ao erário baseadas em decisões do TCU são prescritíveis. O caso que ensejou a decisão definitiva do STF  foi o de Vanda Maria Menezes Barbosa, ex-presidente da Associação Cultural Zumbi, de Alagoas, que deixou de prestar contas de recursos recebidos do antigo Ministério da Cultura para aplicação no projeto Educar Quilombo. Na ocasião, o TCU ordenou a restituição aos cofres públicos dos valores recebidos, mas Vanda acabou ganhando no STF.

Segundo o relator do recurso, ministro Alexandre de Moraes, o STF concluiu, no julgamento, que somente são imprescritíveis as ações de ressarcimento ao erário com base na prática de ato de improbidade administrativa doloso tipificado na Lei de Improbidade Administrativa (Lei 8.429/1992). De acordo com o ministro Moraes, no caso, deveria ser aplicado o disposto no artigo 174 do Código Tributário Nacional (CTN), que fixa em cinco anos o prazo para a cobrança do crédito fiscal e para a declaração da prescrição intercorrente.

Fauzi Abdalla Mansur foi uma lenda da produção independente nacional. Descendente de árabes, fez filmes populares de grandes bilheterias, gêneros como erótico, terror, cangaço, melodrama romântico, comédias caipiras e outros. Dois dos seus filmes atingiram mais de um milhão de espectadores: A Ilha dos Paqueras, de 1970, e Sinal Vermelho: as Fêmeas, de 1972. Trabalhou também com pseudônimos, como Vitor Triunfo (referências às ruas da Boca do Lixo do cinema paulista, Vitória e Triunfo) e Hizat Surman (combinações de seu próprio nome real). Sempre foi considerado um produtor correto, discreto e responsável, e teve uma longuíssima folha corrida de serviços prestados ao cinema brasileiro.

Com base nessa disposição do TCU, que segue ignorando sobejamente a decisão do STF, a Agência Nacional de Cinema (Ancine), submetida ao jugo bolsonarista, tem fustigado produtores e diretores de cinema críticos ao regime e ameaçando recusar suas contas e instaurar Tomadas de Contas Especiais. Como encontra guarida na própria instituição da Justiça, a atual gestão acaba tendo respaldo para semear a insegurança jurídica.

 

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