Loro Bardot e Ayomi Domenica em "Levante"

O 31º Festival Mix Brasil de Cultura da Diversidade fez sua sessão inaugural na quarta-feira, 8, com um filme brasileiro de grande impacto e de grande coragem: Levante, longa-metragem de estreia da diretora Lillah Halla. Embora luminoso no modo como aborda a diversidade sexual e racial, a partir de um time de vôlei jovem e periférico formado exclusivamente por garotas (cis e trans), Levante gira em torno de um tema espinhoso e raras vezes enfrentado pelo cinema nacional, o aborto. Não se trata de uma abordagem banal: o assunto é tratado a partir do ponto de vista feminino e do direito da mulher ao próprio corpo, sem meias conversas nem subterfúgios. Premiado pela Federação Internacional de Críticos de Cinema como melhor filme de estreia na Semana da Crítica do Festival de Cannes deste ano, Levante será exibido neste sábado, às 20h30, no CineSesc, e na próxima quinta, às 18h, no Spcine Olido.

Estrela do time, a protagonista Sofia (Ayomi Domenica), de 17 anos, está prestes a ganhar uma bolsa para treinar no Chile, quando descobre que engravidou numa transa casual. A trama se desenrola em torno do dilema de Sofia, entre abortar ou assumir o bebê e, portanto, abdicar de caminhos profissionais apenas esboçados. A escolha de Sofia tende evidentemente para o aborto, mas nem por isso o caminho é menos acidentado. A adolescente passa por uma clínica clandestina, cai nas garras de evangélicos hostis, tem de decidir se expõe a situação ao pai solteiro João (Rômulo Braga), à namorada Bel (Loro Bardot) e à treinadora Sol (Grace Passô, em participação espetacular), viaja para o Uruguai (o filme é uma co-produção brasileira-uruguaia-francesa) em busca do aborto legal, e assim por diante.

Lillah Halla filma com delicadeza e sensibilidade extremas, sem muitos romantismos e aproximando o drama ficcional da vida real de Sofia ou de qualquer menina na idade dela, ou antes ainda, de qualquer mulher. Diferente dos clichês habituais quando se trata desse tema (a briga ao dar a notícia ao pai do bebê, a clínica clandestina fantasmagórica), Levante esmiúça sentimentos, temores, pânicos, contradições e esperanças de uma jovem quando se depara com a decisão de ter ou não um filho. Mais que o dilema, o que protagoniza a história é o cotidiano banal (ou não) de Sofia, são os mínimos e cruciais detalhes de que a dramaturgia masculina nunca dá conta.

Luminosamente feminino, o filme mantém as figuras masculinas fora da jogada (com exceção do pai de Sofia), o que é um comentário sutil e espirituoso sobre como grande parte dos homens costuma realmente se comportar diante da paternidade não prevista (nem prevenida): simplesmente se ausentando, desaparecendo de vista. Neste caso, acontece porque Sofia preza por sua autonomia e não está nem aí para o co-responsável pela gravidez indesejada.

No front religioso, destaca-se a atriz Graça Vandevald, como Glória – como são loquazes os nomes dos personagens. Uma colmeia de abelhas faz participação especial (e mel) ao longo da história, enriquecendo-a com metáforas visuais poderosas.

Levante é, exatamente, um levante, uma tomada de posição de personagens femininas (não apenas de Sofia) em relação aos próprios corpos e à própria vida. O real dilema de Sofia não é exatamente o de abortar ou não abortar, mas antes o de dirigir sua vida ou delegar a tarefa a outros. Nem ela é a única personagem a se confrontar com necessidade de decisão – a treinadora de Grace Passô, por exemplo, se vê entre baixar a cabeça ou tomar posição quando os dirigentes do time decidem expulsar dele a estrela grávida do time. Há escolhas de Sofia por todos os lados, em personagens como a namorada Bel e até do único homem presente e atuante na trama, o pai João.

Como é fácil deduzir, o levante se alastra também pelos bastidores de Levante – ou, provavelmente, provém deles. O roteiro é assinado por Lillah com Maria Elena Morán, e nomes femininos figuram na produção, da direção de fotografia e de arte, na cenografia, no figurino e assim por diante. A trilha sonora original, luminosa como a trama, é assinada por Maria Beraldo, com participações de BadSista e Juçara Marçal e uma série de inspirados raps e funks femininos, que merece um olhar mais cuidadoso e aprofundado. Na frente das câmeras, brilha a protagonista Ayomi Domenica, que é filha de Mano Brown e de Eliane Dias, à frente de um elenco diverso e coeso que torna irresistível o time feminino de vôlei. O levante está por todos os lados.

Sol (Grace Passô) à frente do time de vôlei e de diversidade
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