Se a peça Babilônia Tropical incomoda muita gente, o racismo persistente no País deveria incomodar muito mais. Essa questão secular permeia o espetáculo em cartaz no Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB) e impacta o público de diferentes formas. Mesmo quem se vê como antirracista vai começar a pensar duas vezes antes de se proclamar assim – porque, na prática, o mundo mudou muito pouco desde o fim da escravidão moderna.

A montagem, idealizada, concebida e dirigida por Marcos Damigo, gira em torno da personagem Anna Paes (interpretada por Carol Duarte), uma dona de engenho filha de portugueses que decide paparicar o holandês Maurício de Nassau, quando de sua chegada ao Brasil, em 1637. Os livros de História pouco falam dela, mas há um bilhete manuscrito com pistas de quem era essa herdeira. A peça, contudo, é bem mais sofisticada do que o recontar historiográfico de um personagem obscuro.

Um grupo de quatro atores decide fazer uma peça (dentro da peça) em torno da senhora de engenho. Dois deles são brancos (Carol e Leonardo Ventura) e outros dois, negros (Jamile Cazumbá e Ermi Panzo). O que parecia ser apenas uma investigação cênica sobre Anna Paes logo se torna um repensar sobre a naturalização das violências de um país racista. É o momento em que o elenco questiona a si mesmo e projeta, para o público, que papel cada um de nós deve ocupar nessa luta? Já não basta mais ser apenas antirracista – embora seja o primeiro e decisivo passo.

Embora Babilônia Tropical tenha como pano de fundo uma personagem do século 17, a peça questiona como seguir adiante enquanto sociedade se o ideário do romantismo colonial insiste em ser perpetuado. Do entregador de iFood às empregadas domésticas, das instituições de ensino brancas e comandadas por homens aos papéis secundários de negros nas produções artísticas, o racismo se faz presente por uma naturalização herdada e pouco questionada. Por que idolatrar Anna Paes, ainda que ela tenha sido considerada uma mulher à frente do seu tempo?

A montagem Babilônia Tropical, que estreou em Belo Horizonte e já circulou pelas outras unidades do CCBB, tem a participação de Adriano Salhab, músico pernambucano assina a direção musical. A execução da trilha sonora ao vivo adensa o palco com uma dramaticidade necessária. O silêncio seria tão ruim quanto a omissão da sociedade brasileira frente a essa questão.

Jamile, artista baiana, e Ermi, escritor e poeta angolano radicado no Brasil, vão por o dedo na ferida diversas vezes. Discutir o racismo é sempre a pauta adiada em um País que tem dificuldade de enxergar a si mesmo, o que dizer então da reparação histórica. As diversas violências que o trabalho na contemporaneidade são lançadas contra todos, pretos, brancos, amarelos e miscigenados, é fruto das distorções da escravidão.

Babilônia Tropical. Direção de Marcos Damigo. No CCBB-SP, de quintas a sextas-feiras (19 horas) e sábados e domingo (17), até 19 de novembro. Ingressos a 30 reais.

PUBLICIDADE

DEIXE UMA REPOSTA

Por favor, deixe seu comentário
Por favor, entre seu nome