Conjunto de ideogramas que tem como objetivo a valorização e preservação do legado e tradições africanas, os Adinkras intitulam um ciclo de palestras, oficinas e apresentações musicais que acontece mensalmente a partir deste sábado (1º. de abril) até agosto no Centro Cultural São Paulo (CCSP).
“Adinkras – Africanidades e Sabedoria Ancestral nos Tempos Atuais”, idealizado pela publicitária e ativista Cida Gonçalves, estabelece um rico diálogo entre diferentes linguagens, artistas e pesquisadores das culturas afro-brasileira e africana. O evento acontece na Sala Adoniran Barbosa, com todas as atividades gratuitas e acesso livre.
Cida Gonçalves conversou com exclusividade com FAROFAFÁ.
ZEMA RIBEIRO: Segundo Elisa Larkin Nascimento, uma das organizadoras de “Adinkra: Sabedoria em Símbolos Africanos” [Editora Cobogó, 2022], Adinkra é um “conjunto ideográfico estampado em tecido, esculpido em pesos de ouro, talhado em peças de madeira anunciadoras de soberania”, e “significa adeus”. Como se deu a escolha do nome do ciclo de palestras, oficinas e apresentações musicais “Adinkras – Africanidades e sabedoria ancestral nos tempos atuais”?
CIDA GONÇALVES: Os símbolos Adinkras traduzem pensamentos e legados universais. O Adinkra Sankofa (um pássaro que anda pra frente, olhando para trás) por exemplo, que é um dos Adinkras mais populares, significa que devemos adquirir o conhecimento do passado (ancestralidade) para construirmos o presente – foi principalmente pensando nesse significado que o projeto foi nomeado. Muitos Adinkras fazem parte do nosso cotidiano estampados em tecidos africanos ou esculpidos em objetos arquitetônicos e muitas pessoas não imaginam seus significados. O projeto propõe trazer luz e identificar a importância desse legado através de debates, música e oficinas de artes.
ZR: Como os ideogramas Adinkra conduzirão as atividades?
CG: O objetivo do projeto é promover quatro encontros, cada um com um Adinkra de referência. A cada encontro um convidado apresentará a representação do Adinkra indicado em sua obra e um(a) músico realizará um show a partir da proposição do símbolo do dia [veja a programação ao fim da entrevista]. A cada edição haverá uma releitura artística das esculturas representando os símbolos Adinkras. Essas peças serão apresentadas ao público na cenografia dos eventos – e comporão o conjunto de ações que se ampliarão em oficinas de encadernação e cartonagem orientadas pelo artista plástico Luiz Masse. Teremos um show também gratuito, de encerramento do projeto, com o grupo Samba de Roda Nega Duda e participação mais que especial da cantora Lia de Itamaracá, representando o Adinkra Gye Nyame, que significa a supremacia e a imortalidade de Deus.
ZR: “Adinkras” tem início neste sábado, 1º. de abril, e terá atividades mensais até agosto. Quais as expectativas e resultados esperados por parte da produção/organização?
CG: Quando escrevi o projeto, pensei em primeiro lugar no meu irmão Carlos Gonçalves que faleceu no ano de 2006 aos 51 anos. Ele era jornalista e ativista do movimento negro. Colocar à luz temas ligados à nossa origem é para mim sempre uma forma de contribuir para a valorização do meu povo e continuar o trabalho que meu irmão iniciou. A proposta deste projeto dialoga com a importância de reconhecermos a contribuição da cultura negra para a formação de nossa sociedade, em especial para a formação do patrimônio afro-brasileiro. A cultura está no cotidiano, nos pequenos fazeres, nos hábitos e nas práticas diárias. Trazer à tona e visibilizar a cultura negra como protagonista na sociedade é resgatar, reconhecer e fomentar práticas culturais positivas para a sociedade. Identificar esses corpos negros e sua importância na representatividade com as artes, principalmente a música que aqui será retratada por excelentes artistas é primordial para a reexistência simbólica das africanidades presentes no nosso cotidiano.
ZR: O que foi mais fácil e difícil para a curadoria ao montar esta programação? Que nomes você destacaria?
CG: Eu sou produtora cultural há 15 anos. A minha produtora (Casa do Batuque Produções) tem 90% do elenco artístico representado por artistas pretos e pretas; sendo assim, a curadoria musical foi a parte mais fácil do projeto. Tenho a felicidade de trabalhar com excelentes profissionais. Teremos shows do Samba de Roda Nega Duda com participação de Lia de Itamaracá, Nega Duda interpretando Clementina de Jesus (1901-1987), Luana Bayô cantando Elza Soares (1930-2022), participação de Ayô Tupinambá, além dos irmãos François Muleka e Marissol Mwaba, Banto Samba Club com participação de Renato Gama, enfim, acredito que todos os shows e seus convidados merecem destaque. Nas Giras de conversa teremos estudiosos relevantes da cultura negra, como o filósofo Antonio Filogênio Júnior, a Embaixadora Universal da Paz Mwewa Lumbwe, a socióloga e educadora Ednéia Gonçalves, a pós-doutoranda em linguística aplicada Ana Lúcia Silva Souza e Marcos Agostinho do Movimento Negro Unificado. O mais difícil talvez tenha sido escolher apenas cinco Adinkras, dentro de uma infinidade tão grande e valorosa.
ZR: O Brasil é um país em que os negros são a maioria da população, mas as chagas racistas e escravocratas seguem inabaladas, entre avanços e retrocessos. Em que medida “Adinkras” se insere em um contexto de enfrentamento e superação do racismo?
CG: Dar visibilidade e levar o debate afro-cultural presente no cotidiano para a maior quantidade possível de pessoas é um dos grandes desafios e objetivos do projeto. É fundamental considerarmos o legado negro para a formação das dezenas de manifestações culturais existentes no Brasil. Os debates pretendem trazer à tona nossa valiosa contribuição e potencializar aspectos positivos e fazer compreender de forma prática, a importância de preservarmos as heranças culturais criadas pelos nossos ancestrais.
ZR: Por falar em enfrentamento e superação do racismo, o novo governo federal promoveu uma virada de chave em órgãos estratégicos como o Ministério dos Direitos Humanos e a Fundação Palmares, esta, anteriormente ocupada ironicamente por um notório racista. Como você avalia as mudanças e quais as suas expectativas?
CG: A partir do momento em que o país tem representantes governamentais que me assemelham, me identifico espontaneamente. Quando o discurso colocou o ódio de lado e apresentou formas inteligíveis e necessárias à nossa sobrevivência, não somente econômica, mas também cultural, um sopro de vida me fez acreditar novamente, me fez esperançar. O respeito e a inclusão da cultura negra, principalmente nestes órgãos citados, serão assegurados, acredito muito nestes representantes. Algumas mudanças já são perceptíveis para a área cultural em que me incluo, mudanças positivas. Penso no futuro com entusiasmo.
PROGRAMAÇÃO
Centro Cultural São Paulo (Rua Vergueiro ,1.000)
ENCONTRO 1 – ADINKRA ESE NE TEKRENA: AMIZADE E INTERDEPENDÊNCIA
Dia 1º. de abril, às 19h
Tema: União
Convidada: Mwewa Lumbwe– Embaixadora Universal da Paz (desde 2016), Doutoranda em Estudos da Tradução na Universidade Federal de Santa Catarina
Música: François Muleka e Marissol Mwaba (filhos da convidada)
ENCONTRO 2 – ADINKRA AYA: RESISTÊNCIA, FORÇA E SUPERAÇÃO
14 de maio, 19h
Tema: Letramentos de Reexistência
Convidadas: Ana Lucia Silva Souza, Pós-Doutora em Linguística Aplicada, e Ednéia Gonçalves, Socióloga e Educadora
Música: Luana Bayô canta Elza Soares. Participação especial: Ayô Tupinambá
ENCONTRO 3 – ADINKRA SANKOFA: ADQUIRIR O CONHECIMENTO DO PASSADO PARA CONSTRUIR O FUTURO
3 de junho, 19h
Tema: Ancestralidade
Convidado: Antônio Filogenio Junior, Filósofo, escritor e pesquisador
Música: Nega Duda canta Clementina de Jesus
ENCONTRO 4 – ADINKRA AKOFEN: AÇÃO COLETIVA, LUTA E PRONTIDÃO
1º. de julho, 19h
Tema: Juventude e Movimento negro
Convidado: Marcos Agostinho Silva, Diretor do MAS Pesquisa de Mercado e integrante do Movimento Negro Unificado
Música: Banto Samba Club convida Renato Gama
As oficinas de cartonagem e encadernação serão realizadas no Centro Cultural Vila Itororó (R. Maestro Cardim, 60, Bela Vista, São Paulo/SP), dias 11, 14 e 15 de abril, 9, 12 e 13 de maio, 27 de junho, 11, 14 e 15 de julho, das 14h às 18h.
O show de encerramento acontece dia 26 de agosto, às 19h, no CCSP, com o Samba de Roda Nega Duda e a participação especial de Lia de Itamaracá.
Todas as atividades são gratuitas e abertas ao público.