Devolva o Neruda que você me tomou (e nunca leu)

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Após 40 anos, mundo descobre que a morte do poeta chileno ganhador do Nobel, Pablo Neruda, foi assassinato

O poeta chileno Pablo Neruda, agora sabemos, morreu envenenado.

Sua poesia foi considerada perigosa pelo sanguinário ditador Augusto Pinochet, que massacrou o Chile entre 1974 e 1990 após ascender ao poder por meio de um golpe de Estado.

Acreditava-se, até agora, que Neruda tinha morrido de câncer de próstata. Era mentira.

Com a revelação do seu sacríficio, Neruda junta-se a um grupo de poetas que confrontou o poder e a truculência com versos e tenacidade e foi vítima de acintosa covardia de Estado.

Federíco García Lorca (1898-1936) foi assassinado por ordem do ditador espanhol Francisco Franco (1892-1975). No dia 16 de agosto de 1936, Lorca foi retirado à força da casa de amigos, em Granada, e levado a um cárcere em Viznar. No dia 18 de agosto, às 4h45 da manhã, foi levado ao campo, fuzilado e em seguida sumiram com seu corpo.

Em 1964, quando tinha apenas 23 anos, o poeta russo Joseph Brodsky (1940-1996) foi preso e julgado em Leningrado por “parasitismo social”, uma forma de o governo soviético humilhar o artista, que foi finalmente expulso do bloco em 1972.

O poeta húngaro Miklós Radnóti (1909-1944) foi executado pelo regime com um tiro na cabeça em 1944 (há quem diga que foi executado a coronhadas por insistir em escrever em um caderninho enquanto era conduzido à morte) e jogado numa cova coletiva por soldados da ditadura húngara.

O poeta e dramaturgo nigeriano Wole Soyinka, hoje com 88 anos, foi mantido na prisão na Nigéria durante dois anos por tentar negociar a paz e escreveu no cárcere o livro Poems from Prison, em 1967. Safou-se por intervenção internacional, tornando-se o primeiro autor africano a ganhar o Prêmio Nobel de Literatura.

Não esqueçamos do poeta italiano Primo Levi (1919-1987), cuja literatura, produzida sob a égide do nazismo, como cativo de Hitler no infame campo de concentração de Auschwitz, iluminou as esperanças humanistas de gerações com livros como É Isto um Homem? (1947) e Os Afogados e os Sobreviventes (1986).

O poeta brasileiro Thiago de Mello (1926-2022) foi discípulo e depois amigo de Pablo Neruda. Por conta do posicionamento político do poeta amazonense, não tardou a chegar o dia em que soldados da ditadura brasileira entraram em sua casa e lhe apontaram uma arma na cabeça. “Mata aqui mesmo?”, perguntou um militar ao seu superior. “Fugaz e infinito. Esperei a bala, confiante de que eu estava do lado bom, do lado certo: o lado do amor”, ele contou, sobre aquele episódio. Levado, entrou na prisão sabendo que poderia nunca mais sair. Thiago então encontrou, na parede da pequena cela, seus próprios versos rabiscados por algum preso que o precedeu: “Faz escuro mas eu canto / porque a manhã vai chegar”.

Exilado, Thiago de Mello tornou-se então um companheiro de Neruda no Chile. “Pablo Neruda, o mais importante poeta do Chile, leu poemas meus no jornal Correio da Manhã. O que mais me chamava a atenção era o seu respeito e interesse pelos poetas moços que encontrava na América do Sul. Quando ele leu meus poemas, recebi uma carta dele”, contou o brasileiro. Com o golpe militar no Chile, em 1973, Thiago de Mello pediu asilo às Nações Unidas e tornou-se um refugiado político, sendo abrigado na pequena cidade alemã de Mainz, perto de Frankfurt.

Pablo Neruda morreu envenenado pelo ditador Pinochet há exatos 40 anos. Uma junta de 16 especialistas, após 7 anos pesquisando, concluiu essa semana que o poeta Pablo Neruda não morrera de câncer de próstata, como alegava a medicina legal da época. As desconfianças atravessaram as décadas. Em 2013, um juiz chileno ordenou a exumação do corpo do poeta, face às desconfianças relatadas pelo antigo chofer do poeta, Manuel Araya, a quem Neruda contou que tinha acordado uma noite na Clínica Santa Maria com homens injetando algo em seu estômago. Em 2017, uma junta de cientistas internacionais já tinha aventado a hipótese de que a causa da morte de Neruda decididamente não fora por câncer.

Neruda morreu aos 69 anos em Santiago, capital do Chile, em 23 de setembro de 1973. Sua família ficou dividida, no início, com a tese do envenenamento. Um sobrinho, Rodolfo Reyes, defendia essa tese; outro, Bernardo Reyes, dizia que era uma postura sensacionalista. Mas, em 2009, seis homens foram presos no Chile por envolvimento com a morte, em 1982, do ex-presidente do Chile Eduardo Frei Montalva. O ex-presidente tinha ficado no mesmo quarto de Neruda, no mesmo hospital colaboracionista, e era oposicionista do regime pinochetista. A causa oficial de sua morte era choque séptico após uma operação de hérnia de rotina. Mas a polícia descobriu que o paciente morreu após injeções consecutivas de tálio e gás mostarda.

Monstruosas estratégias foram usadas por esses ditadores para se livrar da boa poesia e da fibra dos poetas. Talvez resida um fundo de inveja em tudo isso. Em suas juventudes, o russo Joseph Stalin e o chinês Mao Tsé-Tung fizeram poesia de limitado alcance. O cambojano Pol Pot recitava Paul Verlaine. Mussolini era leitor e admirador do versejador decadentista Gabrielle D’Annunzio. Marimbondos de lava tornaram a exuberância da poesia livre & visionária algo insuportável para o nanismo existencial dos líderes autoritários.

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