O cantor e compositor Chico César. Foto: Ana Lefaux. Divulgação
O cantor e compositor Chico César. Foto: Ana Lefaux. Divulgação

Em “Aos vivos” (Velas, 1995), seu disco de estreia, Chico César cantava, em “À primeira vista”, de sua autoria: “quando ouvi Salif Keita, dancei”. Mais de 25 anos depois, um dos mais conhecidos e respeitados artistas da música brasileira, o paraibano tem, em “SobreHumano”, faixa de “Vestido de amor” (2022), seu novo disco, a participação especial do malinês, seu parceiro na faixa.

“Não é mais sobre poder/ é sobre-humano/ sem prazo nem prazer/ só esperar/ sem tempo pra perder”, começa a letra, que aborda a um só tempo humanidade, civilização, exploração, dominação e ganância.

Vestido de amor. Capa. Reprodução
Vestido de amor. Capa. Reprodução

A expressão “Vestido de amor”, que batiza o disco, é literalmente a forma como Chico César encara a vida, a arte, a política, nele e para ele dimensões indissociáveis. “Eu vou vestido de amor/ para o amor encontrar/ o corpo leve em voo/ e a alma flutuar/ o sol e a lua que sou/ e as estrelas quiçá/ a luz profunda do amor/ que junta o céu e o mar”, versa sobre a leveza do amor, por cujas lentes o artista enxerga o mundo, mesmo em tempos tão tenebrosos. Ornam a faixa os vocais do quarteto Aestesis (Abel Zamora, Céleste Lejeune, Camille Chopin e Jonas Mordzinski).

“A liberdade é meu melhor abrigo/ a liberdade é sempre o meu lugar”, reivindica já na faixa de abertura, “Flor de figo”.

Bolsominions” é a faixa mais explicitamente política do disco, um reggae punk em que ele coloca definitivamente os pingos nos ii – seus posicionamentos políticos são por demais conhecidos já há bastante tempo: longe de ofender os verdadeiros cristãos que veem suas religiões chafurdadas na vala comum da politicagem de pessoas vis, homens públicos de controversas vidas privadas, o que o cantor e compositor faz é fustigar os falsos cristãos, vendilhões do templo que se valem da fé alheia para galgar alguns degraus e faturar alguns cobres.

“Nem a Globo faz/ uma novela como a que a vida fez/ eu tô amando e sou amado outra vez/ esse enredo, esse novelo é bom demais/ eu nem quero paz/ no reboliço é que eu me sinto feliz/ cada capítulo vem o destino e diz/ a sua sina é com você e ninguém mais”, canta no carimbó “Reboliço”, com pinta de hit caliente – “cenas de novela mexicana/ e nós dois na nossa cama/ se acabando de beijar”, finaliza a letra. Para ouvir ou dançar a dois.

“Amorinha” evoca o Cabo Verde de Cesária Évora e Mayra Andrade, pontuada pelo piano de Leonardo Montana. Na faixa, Chico César (violão e voz) é acompanhado ainda por Zé Luis Nascimento (bateria e percussão), Natalino Neto (baixo) e Jean-Baptiste Soulard (guitarra). Ao disco, comparecem ainda Albin de la Simone (teclados), Sekou Kouyaté (corá), Jean Lamoot (programação), Dharil Esso (bateria), Etienne Mbappe (baixo), Clément Petit (violoncelo) e Rodriguez Vangama (guitarra), além das backing vocals Isabel Gonzalez e Valérie Belinga.

Congolês radicado na França, o pianista, guitarrista, cantor e compositor Ray Lema divide com Chico César “Xangô, forró e ai”, coco de Catolé [do Rocha], como ele anuncia ao chamar o parceiro convidado no início da faixa, construindo pontes, como de costume, orgulhoso de suas raízes, idem. O reggae “Corra linda” lhe faz belo par, ao também homenagear o Nordeste, brincando com a maneira de falar de parte da população da região. “Te amo, amor” narra um romance também de sabores nordestinos, conexão que não se perde: o disco foi gravado em Paris, França.

Antítese ao tédio, orfandade e viuvez, o amor volta à baila em “Pausa”: “Nas almas dos humanos tédios/ orfandade, viuvez/ e a nossa sede era de ser/ e era amor”. E também “Na balaustrada”, faixa que encerra o disco. “Amar é um sentimento incrível/ menina, tô passando aí”, canta o narrador, pilotando uma moto 50 cilindradas.

O amor é certamente o tema mais cantado no universo da música popular. Ainda assim Chico César consegue soar original em “Vestido de amor”. Resta aos ouvintes despi-lo com os ouvidos.

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Ouça “Vestido de amor”:

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