Depois de Wagner Moura (“Marighella”) e Lázaro Ramos (“Medida provisória”), o ator Caio Blat também estreia na direção cinematográfica: “O debate” é um romance que tem como pano de fundo o último debate presidencial antes de uma eleição decisiva para o povo brasileiro – a primeira advertência que lemos na tela é a tradicional “esta é uma obra de ficção, qualquer semelhança com a realidade é mera coincidência”.
Os jornalistas Marcos (Paulo Betti) e Paula (Debora Bloch) vivem o dilema de como conduzir a análise do debate, no telejornal na TV Nacional, onde cumprem as funções de, respectivamente, editor e apresentadora. Até pouco tempo antes, eles eram também um casal e a trama se desenrola entre muitos cigarros fumados nos intervalos da preparação da edição do dia e lembranças do relacionamento e do Brasil nos últimos dois anos e meio.
O roteiro de Guel Arraes (“Lisbela e o prisioneiro”) e Jorge Furtado (“Meu tio matou um cara”) joga bem com o uso do flashback: o filme perpassa episódios trágicos da história recente do país, entre a condução da pandemia de covid-19 pela gestão pública federal, até o absurdo de uma juíza abusar da autoridade e forçar uma criança de 10 anos de idade a levar adiante uma gravidez resultante de um estupro.
O filme leva o espectador a diversas reflexões e é, ele mesmo, reflexo de seu tempo. “Em tempo de seco fascismo”, como diz o poeta Paulo Henriques Britto (em “Geração Paissandu”) a ficção tem dificuldade em concorrer com a realidade; não por acaso a “memeria”, vez por outra, diz coisas como “o roteirista da temporada 2022 do Brasil está de parabéns” e que tais. No que convém lembrar também de André Dahmer (Malvados): “um país bom para cartunistas trabalharem não é um país bom para você viver”.
O compromisso com a verdade e o interesse público, a quimera da imparcialidade jornalística, o peso do quarto poder perante a opinião pública (como afirmou Winston Churchill, “não existe opinião pública; existe opinião publicada”) estão entre os temas abordados na longa DR (discussão da relação) que é “O debate”, isto para ficarmos apenas nos temas afeitos à prática profissional dos protagonistas.
Paula é mais incisiva que Marcos em suas opções diante do perigo iminente da manutenção do fascismo diante de uma brecha da própria democracia: antidemocratas também podem ser eleitos pelo voto popular, o que demonstra ser a educação, também política, fundamental para que se evitem tragédias, embora o filme passe longe de didatismos e moralismos baratos (as pautas de costumes também estão presentes).
Para além destes, a disputa entre monogamia e relacionamento aberto, a adoção responsável de animais (o gato do casal promove uma das cenas mais comoventes do filme), o debate entre ter filhos ou não – e também sobre adoção –, respeito, carinho e amizade após o fim de um relacionamento, demonstrados em preocupações e gestos também estão presentes no enredo da estreia de hoje (25) nos cinemas brasileiros.
Caio Blat repete o feito de seus pares de geração ao estrear como diretor: já nasce grande! Espero que o público não se afaste das salas de cinema por puro preconceito, aquele “saco cheio” de já ser bombardeado por política o tempo inteiro nos noticiários e redes sociais: perderia a trama emocionante de um dos grandes lançamentos cinematográficos do ano.
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