O canto de despedida de Alceu Valença para Paulo Rafael

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Paulo Rafael e Alceu Valença - foto Antonio Melcop
Paulo Rafael e Alceu Valença - foto Antonio Melcop

A trilogia pandêmica de Alceu Valença, só de voz e violão, ganha um quarto volume com o acréscimo da guitarra e da viola de aço de Paulo Rafael, parceiro de mais de quatro décadas que morreu em agosto do ano passado, aos 66 anos, de câncer. Ex-integrante da lendária banda udigrúdi pernambucana Ave Sangria, Paulo simbolizou nessa longa e grande jornada a ponte  entre a tropicália pernambucana dos anos 1970, historicamente underground, e o sucesso pop de massa da obra solo de Alceu, iniciado em 1982 e perene até estes dias de reflorescimento dos hinos nacionais “Anunciação” (1983), “Girassol” (1986) e “La Belle de Your” (1992) no YouTube e nas plataformas digitais.

Paulo Rafael esteve ao lado de Alceu como músico de sua banda desde 1975 e como produtor a partir do primeiro grande momento de sucesso do cantor e compositor, com Cavalo de Pau, de 1982. Não à toa o período pós-1982 canta alto em Alceu Valença e Paulo Rafael, um álbum tão delicado (mesmo com as intervenções elétricas do guitarrista) quanto os álbuns da trilogia acústica, Sem Pensar no AmanhãSaudade Senhora Estrada, todos lançados em 2021. “La Belle de Jour” abriu o primeiro volume da trilogia, mas “Anunciação” e “Girassol” ficaram reservadas para este que fica sendo o último testemunho da parceria antes que a morte os separasse.

O frescor mantido por essas canções de quase 40 anos de idade se estende a todo o repertório, a começar por aquelas que foram originalmente produzidas por Paulo, “Cavalo de Pau” (1982), “Sino de Ouro” (1985) e o canto de despedida e de recomeço “Amor Que Vai” (1994). “Recomeçando das cinzas/ vou recompondo a paisagem/ lembro um flamboyant vermelho/ no desmantelo da tarde”, canta Alceu em “Sete Desejos” (1992), de um álbum do qual Paulo não participou. Imediatamente anterior à associação com Paulo Rafael (mas mais difundida a partir da versão de Maria Bethânia em 1984), “Na Primeira Manhã” (1980) também com tom de despedida: “Na primeira manhã que te perdi/ acordei mais cansado que sozinho/ como um conde falando aos passarinhos/ como uma bumba-meu-boi sem capitão”.

Duas canções são da fase udigrúdi de Alceu, quando o parceiro fazia rocks nordestinos com a Ave Sangria. “Molhado de Suor“, remonta ao álbum homônimo de 1974, que representou a estreia solo após a experiência psicodélica (jamais revisitada) com Geraldo Azevedo, no histórico Alceu Valença & Geraldo Azevedo (1972), sob arranjos do maestro tropicalista Rogério Duprat. A segunda é a imortal “Sabiá” (1951), de Luiz Gonzaga Humberto Teixeira, que Alceu gravou primeiro na trilha sonora da novela Saramandaia (1976), numa fusão com sua própria “Borboleta” (1974). Se a primeira versão pela voz agreste de Alceu já era delicada, a “Sabiá” de 2022 voa delicadíssima.

Alceu Valença e Paulo Rafael se completa pela faixa de abertura “Eu Vou Fazer Você Voar”, lançada apenas em single digital em 2019, e pela faixa inédita de encerramento “Fada Lusitana“, um fado, assim como o fundador “Borboleta”, pintado em tintas fortes de lirismo e melancolia: “Minha musa, minha lusa, minha fada/ não te esqueças que eu jamais te esquecerei/ o poeta quando encontra sua amada/ faz dos versos sua bíblia, sua lei”. Ficará como legado de Paulo Rafael, ao lado de poucos títulos próprios (como Caruá, de 1980, com Zé da Flauta) e da vigorosa trilha sonora do filme cangaceiro Baile Perfumado (1997), que marcou uma confluência histórica de gerações pernambucanas, com Chico Science & Nação Zumbi, Mundo Livre S/AMestre Ambrósio e Karina Buhr, todos sob direção musical de Paulo Rafael.

"Alceu Valença e Paulo Rafael" (2022)

Alceu Valença e Paulo Rafael. De Alceu Valença e Paulo Rafael. Deck.

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