O escritor, pintor, poeta, ensaísta, crítico de arte e de literatura, sociólogo e tradutor Sérgio Milliet

É pouco provável que haja um documento tão importante para marcar as reflexões sobre a Semana de Arte Moderna de 1922 do que as próprias reflexões que foram difundidas durante aquela semana, há um século. E esse conjunto de ideias (filosóficas, estéticas, visuais, poéticas, musicais, sociais, sonoras) está pela primeira vez inteiramente disponível ao público dos dias de hoje em uma única caixa, editada pelo Selo Sesc, contendo as músicas e parte dos textos apresentados nos três dias do já lendário festival no Teatro Municipal de São Paulo.

Idealizado por Claudia Toni, Flávia Camargo Toni e Camila Fresca, com direção musical do maestro e violinista Cláudio Cruz, o projeto Toda Semana: Música e Literatura na Semana de Arte Moderna se torna manuseável essa semana com o lançamento de um box com um livreto e 4 CDs. A caixa contém, pela primeira vez na história, a íntegra das músicas tocadas durante a Semana de Arte Moderna de 1922, além de uma seleção de poemas, conferências (entre elas, a famosa abertura do diplomata Graça Aranha, A emoção estética na arte moderna, um míssil estético de ressonância secular) e até trechos do romance Os Condenados, de Oswald.

O trabalho de pesquisa tem seu principal foco na sequência de acontecimentos sonoros ocorridos nos dias 13, 15 e 17 de fevereiro de 1922, dentro da grande sala do Theatro Municipal de São Paulo. “Foram de Villa-Lobos a quase totalidade das obras executadas na Semana de Arte Moderna. São peças de câmara para diferentes formações: piano solo, canto e piano, violino e piano, violoncelo e piano, trio com piano e quarteto de cordas. Há, ainda, duas formações que fogem do padrão: um quarteto com flauta, sax alto, harpa e celesta; e um octeto com três violinos, violoncelo, contrabaixo, flauta, clarino e piano. Dos demais autores há apenas peças para piano solo”, contou a jornalista Camila Fresca, especializada em música erudita e uma das idealizadoras e organizadoras do megaprojeto.

As organizadoras não evitam o debate sobre a presumível “pouca modernidade” das obras de Villa apresentadas na semana, ainda muito ligadas à estética francesa, mas atribuem isso à necessidade de o maestro manter-se conectado ao ambiente musical oficial da época para manter sua própria subsistência. Os três primeiros discos trazem as execuções sonoras daquele repertório, que são refeitas hoje por músicos como o violoncelista Antonio Meneses, o pianista Cristian Budu, o saxofonista Douglas Braga, a flautista Claudia Nascimento, a cantora Monica Salmaso, o Quarteto Carlos Gomes, a harpista russa Liuba Klevtsova, o violoncelista Raiff Dantas, o pianista Ricardo Ballestero, entre outros notáveis.

Além dos 4 CDs, o livreto que norteia a caixa traz trechos de conferências e poemas lidos durante e a semana e que não obtiveram ampla divulgação. Esses textos, tanto o de Graça Aranha quanto o seminal Arte Moderna, de Menotti Del Picchia, são recitados pelo ator e pesquisador Antonio Salvador. Já os poemas, em separado, no último dos quatro CDs, trazem as inovações poéticas preconizadas por Sérgio Milliet, Luís Aranha e Mário de Andrade.

Entre os poemas, impressiona o visionarismo de Sergio Milliet (o admirável tradutor da Viagem Pitoresca de Rugendas) em Olho de Boi (“senegalês com faca vermelha entre os dentes”), uma saraivada de flashes e visões realizadas do futuro: “Homem-sanduíche dos arranha-céus iluminados/Olhares loucos sobre mundo simultâneo/klaxons roucos dos temperamentos modernos/eis que chega o homem com asas de aço/o homem-máquina/o homem-sanduíche/Klaxons roucos dos temperamentos modernos/e a vida embaixo é fervilhante/Entre os grandes expressos internacionais/os automóveis/os metrôs/A VIDA A VIDA A VIDA”. Uma pulsão de Ginsberg ou Piva, um tipo de fagulha anterior à urbanidade veloz dos beatniks.

“Localizar na história da cultura brasileira que Emiliano Di Cavalcanti, Anita Malfatti, Oswald de Andrade, Graça Aranha, Mário de Andrade, Heitor Villa‑Lobos, Paulo Prado ou Menotti del Picchia participaram das ‘três festas de arte’ de 1922, como as designou o autor da Pauliceia Desvairada, hoje é lugar-comum para quem revisita as linhas mestras do modernismo. Mas reunir os estudos elaborados ao longo de 100 anos para um balanço crítico ou, no outro extremo das análises, para finalidades didáticas, ainda não é fácil”, afirmou Claudia Toni, uma das coordenadoras da pesquisa.

Todo o material já foi disponibilizado, gratuitamente, em dezembro passado, no link https://sesc.digital/colecao/todasemana e já está nas principais plataformas de streaming (para ouvir, acesse o link Toda Semana: Música e Literatura na Semana de Arte Moderna (ffm.to). Esta versão física está à venda nas Lojas Sesc, presentes nas unidades da capital paulista, interior e litoral, e também na Loja Sesc virtual (preço de 100 reais).

“Ao realizar o Box Semana de 22, concebido e organizado por Flávia Camargo Toni, Camila Fresca e Claudia Toni, o Sesc coloca em funcionamento e circulação uma nova ‘caixa de ressonância’ das ideias, experimentações e invenções aglutinadas e disseminadas pela Semana. Mais do que isso, condensa nas mídias que integram o presente box o espírito de novidade e transformação dos modernistas brasileiros de primeira onda, ao menos dos sudestinos, em suas expressões verbais, sonoras e musicas, audíveis depois de um século”, afirmou Danilo Santos de Miranda, diretor do Sesc São Paulo.

 

O CONTEÚDO

1. Poemas e Conferências 
A caixa contém leituras de poemas de Guilherme de Almeida (As galeras), Luís Aranha (Drogaria de éter e de sombra) e Mário de Andrade (Domingo), entre outros, em interpretações de Homero Velho, Lígia Ferreira e Mônica Salmaso. Antonio Salvador ainda lê um trecho do romance Os condenados, de Oswald Andrade, no disco 3; no disco 4, um trecho da conferência intitulada Arte Moderna, de Menotti del Picchia.
2. A Música
Repertório de Toda Semana: Música e Literatura na Semana de Arte Moderna 
DISCO 1  
1. Graça Aranha – A emoção estética na arte moderna (Trecho da Conferência) 4’31”
— Antonio Salvador
2. Erik Satie – Edriophtalma (Embryons Desséchés), piano solo (1913) 2’27”
3. Francis Poulenc – Valse, piano solo (1919) 1’49”
— Cristian Budu, piano
Heitor Villa‑Lobos – Sonata no2 para violoncelo e piano (1916)
4. I – Allegro moderato 7’24”
5. II – Allegro cantabile 6’31”
6. III – Scherzo (Allegro scherzante) 5’30”
7. IV – Allegro vivace sostenuto 7’33”
— Robson Fonseca, violoncelo; Cristian Budu, piano11
Heitor Villa‑Lobos – Trio no 2 para violino, violoncelo e piano (1915)
8. I – Allegro moderato 10’35”
9. II – Berceuse -Barcarolla (Andantino calmo) 8’46”
10. III – Scherzo (Allegro vivace spiritoso) 6’18”
11. IV – Final (Molto allegro) 9’27”
— Cláudio Cruz, violino; Antonio Meneses, violoncelo; Ricardo Castro, piano
DISCO 2  
1. Mário de Andrade – A Escrava que não é Isaura (Trecho da Conferência) 3’25”
— Antonio Salvador
2. Heitor Villa‑Lobos – Valsa mística (Simples coletânea -Peça nº1), piano solo (1917) 1’44”
3. Heitor Villa‑Lobos – Rodante (Simples coletânea -Peça nº3), piano solo (1919) 2’00”
4. Heitor Villa‑Lobos – A Fiandeira, piano solo (1921) 2’49” — Cristian Budu, piano
Heitor Villa‑Lobos – Danças Características Africanas (octeto) para três violinos, violoncelo, contrabaixo, flauta, clarinete e piano (1914-16)
5. I – Farrapós 3’46”
6. II – Kankukus 4’53”
7. III – Kankikis 2’50”
— Cláudio Cruz, Amanda Martins e Soraya Landim, violinos; Raiff Dantas Barreto, violoncelo; Ana Valéria Poles, contrabaixo; Claudia Nascimento, flauta; Luca Raele, clarinete; Leandro Roverso, piano
— Cláudio Cruz, regente
8. Émile-Robert Blanchet – Au Jardin du Vieux Sérail (Andrinople), piano solo (1913) 3’23”
9. Heitor Villa‑Lobos – O ginete do Pierrozinho (Carnaval das crianças -Peça nº 1), piano solo (1919-20) 1’13”
10. Claude Debussy – La Soirée dans Grenade, piano solo (1903) 5’23”
11. Claude Debussy – Minstrels, piano solo (1910) 2’33”12
12. Henri Stierlin-Vallon – Arlequin (Figurines Carnavalesques), piano solo (c. 1916) 1’18”
— Cristian Budu, piano
13. Heitor Villa‑Lobos – Festim Pagão, voz e piano (1919) (poema: Ronald de Carvalho) 3’12”
14. Heitor Villa‑Lobos – Solidão (Historietas -Peça nº 1), voz e piano (1920) (poema: Ronald de Carvalho) 1’54”
15. Heitor Villa‑Lobos – A Cascavel, voz e piano (1917) (poema: Costa Rego Jr.) 2’29”
— Homero Velho, barítono; Ricardo Ballestero, piano
Heitor Villa‑Lobos – Quarteto de Cordas no 3, dois violinos, viola e violoncelo (1916)
16. I – Allegro non troppo 6’16”
17. II – Molto vivo 4’03”
18. III – Molto adagio 7’10”
19. IV – Allegro con fuoco 5’23”
— Quarteto Carlos Gomes: Cláudio Cruz e Adonhiran Reis, violinos; Gabriel Marin, viola; Alceu Reis, violoncelo
DISCO 3  
1. Oswald de Andrade – Os Condenados (Trecho do romance) 3’14”
— Antonio Salvador
Heitor Villa‑Lobos – Trio no 3 para violino, violoncelo e piano (1918)
2. I – Allegro con moto 12’13”
3. II – Assai moderato 11’45”
4. III – Allegretto spirituoso 7’10”
5. IV – Final (Allegro Animato) 9’30”
— Cláudio Cruz, violino; Antonio Meneses, violoncelo; Ricardo Castro, piano
6. Heitor Villa‑Lobos – Lune d’octobre (Historietas -Peça nº 2), voz e piano (1920) (poema: Ronald de Carvalho) 2’14”
7. Heitor Villa‑Lobos – Eis a vida (Voilá la vie) (Epigramas Irônicos e Sentimentais), voz e piano (1921) (poema: Ronald de Carvalho) 0’53”13
8. Heitor Villa‑Lobos – Jouis sans retard, car vite s’écoule la vie (Historietas -Peça nº 5), voz e piano (1920) (poema: Ronald de Carvalho) 2’18”
— Mônica Salmaso, canto; Ricardo Ballestero, piano
Heitor Villa‑Lobos – Sonata Fantasia no 2 para violino e piano (1914)
9. I – Allegro non tropo 6’27”
10. II – Largo – Moderato 9’24”
11. III – Allegro (Rondo – Allegro final) 7’00”
— Cláudio Cruz, violino; Cristian Budu, piano
DISCO 4  
1. Menotti del Picchia – Arte moderna (Trecho da Conferência) 6’06”
— Antonio Salvador
2. Heitor Villa‑Lobos – Uma camponesa cantadeira (Suíte Floral Opus 97 -Peça nº 3), piano solo (1916) 2’09”
3. Heitor Villa‑Lobos – Num berço encantado (Simples Coletânea), piano solo (1918) 3’22”
4. Heitor Villa‑Lobos – Bailado Infernal, piano solo (1920) 1’58”
— Cristian Budu, piano
Heitor Villa‑Lobos – Quarteto Simbólico (Impressões da Vida Mundana) para harpa, celesta, flauta, saxofone alto e vozes femininas (1921)
5. I – Allegro con moto 9’44”
6. II – Andantino (calmo) 8’36”
7. III – Allegro deciso – Final 4’22”
— Liuba Klevtsova, harpa; Leandro Roverso, celesta; Claudia Nascimento, flauta; Douglas Braga, saxofone
— coro feminino: sopranos 1: Rosemeire Moreira (solo), Aymée Wentz, Luciana Crepaldi, Ludmilla Thompson; sopranos 2: Andrezza Reis, Gabrielle Camacho, Narilane Camacho, Valquíria Gomes; contraltos 1: Camila Honorato, Clarissa Cabral, Cristiane Minczuk, Thaís Campos; contraltos 2: Bruno Costa, Nathalia Soares, Silvana Romani, Solange Ferreira; preparadora do coro: Maíra Ferreira
— Cláudio Cruz, regente
POEMAS:  
8. Guilherme de Almeida – As galeras 1’11”
— Homero Velho
9. Ronald de Carvalho – Interior (Epigramas Irônicos e Sentimentais) 1’09”
— Mônica Salmaso
10. Luís Aranha – Drogaria de éter e de sombra 4’16”
— Homero Velho
11. Sérgio Milliet – Oeil de boeuf 4’13”
— Ligia Ferreira
12. Tácito de Almeida – O túnel 1’13”
— Homero Velho
13. Ribeiro Couto – Os serões 0’44”
14. Mário de Andrade – Domingo 2’11”
15. Agenor Barbosa – Os pássaros de aço 2’58”
— Mônica Salmaso
Ficha técnica 
Idealização: Claudia Toni, Flávia Camargo Toni e Camila Fresca
Direção Musical: Cláudio Cruz
Direção Executiva e de Produção: Eduardo Toni Raele
Produção: Dugu Pós-Produção
Pesquisa: Flávia Camargo Toni e Camila Fresca
Pesquisa de Imagens e Repertório: Eduardo Toni Raele
Produção Musical, Edição, Mixagem e Masterização: Ulrich Schneider
Técnico de Gravação: Márcio de Jesus Torres
Projeto Gráfico: Alexandre Calderero
Tradução dos Textos, Letras e Poemas: Thomas Mathewson e Ligia Fonseca Ferreira
Revisão de Texto: Fabiana Pino
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