Sant’Ana Mestra, pertencente à Capela de Sant’Ana_Aleijadinho, arte revelada_ o legado de um restauro na Casa Fiat de Cultura_crédito Studio Cerri
Sant’Ana Mestra é uma das obras em restauro na Casa Fiat de Cultura. Foto: Studio Cerri

Como em um reality show, restauradores atuam diante do público, exibindo suas habilidades que, no caso, são preciosas. É que por  meio de suas mãos se dará, até dezembro deste ano, a recuperação de três obras do mestre Aleijadinho. Tudo ao vivo. Trabalho que costuma ocorrer nos bastidores, longe dos olhares curiosos, a restauração agora virou atração na Casa Fiat de Cultura, em Belo Horizonte, que retoma suas atividades presenciais.

As obras são Sant’Ana Mestra, que pertence à Capela de Sant’Ana, da comunidade de Chapada de Ouro Preto; São Joaquim, da Paróquia de Nossa Senhora da Conceição, em Raposos; e São Manuel, do acervo da Paróquia de Nossa Senhora do Bonsucesso, em Caeté. Esculpidas em madeira, as peças foram atribuídas a Aleijadinho. Há 60 anos, Jair Afonso Inácio, conservador-restaurador do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), atribuiu a escultura Sant’Ana Mestra a Aleijadinho. Como em outras obras do escultor mineiro, a quase totalidade das atribuições feitas a ele são fruto de estudos estilísticos e da tradição.

Montagem sobre três imagens de obras de Aleijadinho
Montagem sobre três imagens de obras de Aleijadinho – Foto: Studio Cerri

Há um eterno debate no meio artístico sobre a atribuição das obras. Embora haja documentação dos livros de despesas, com recibos redigidos e assinados pelo artista mineiro, a maioria desses papéis guardados nas igrejas onde ele trabalhou, não existem estudos ou pesquisas sobre as obras que foram criadas dentro de seu ateliê. “Oficiais” do ateliê produziam com ele algumas obras e até mesmo confeccionavam peças inteiras.

Escultor, entalhador, carpinteiro e arquiteto do Brasil colonial, Antônio Francisco Lisboa nasceu em ouro Preto em algum ano da década de 1730 e veio a falecer em 1814. Aleijadinho, apelido originário de uma doença que lhe deformava o corpo, era filho de um carpinteiro português e uma escrava. As três peças que agora integram a mostra Aleijadinho, arte revelada: o legado de um restauro, na Casa Fiat de Cultura, foram produzidas na virada do século 18 para o 19 e lembram as imagens de Congonhas. Como em outras obras barrocas, chamam a atenção por seus grafismos presentes em todas as peças, desde o entalhamento dos cabelos, do rosto, com sobrancelhas arqueadas, narizes retilíneos e estreitos, das vestimentas.

Até mesmo São Manuel, que é um santo oriental, e tem um corpo e uma cabeça atravessados por lanças, essas características estão presentes, embora os historiadores a identifiquem mais como uma referência da fase rococó do artista. São Joaquim, o avô de Jesus, é um senhor de idade avançada, usa um cajado e um manto amarelo, com um olhar disperso para o horizonte. Sant’Ana Mestra, a mais elaborada das três peças em restauração, mostra a santa sentada, com um livro na mão e tendo ao seu lado uma criança ajoelhada a seus pés, numa clara representação maternal.

O Grupo Oficina de Restauro, com acompanhamento de equipes do Iphan, realizará o restauro das esculturas de São Joaquim e São Manuel até 2 de dezembro, quando serão expostas na Casa Fiat de Cultura. Nesse momento, será possível acompanhar ainda a finalização da restauração de Sant’Ana Mestra, que deverá ser concluída em 2022. Na aparência, o restauro das três obras poderia parecer simples. Mas por se tratar de peças do século 18 ou 19, elas foram sofrendo não só o desgaste do tempo como outros processos anteriores de restauro. Fotos científicas ajudaram a equipe a identificar essas camadas de pintura sobrepostas e também, com o raio-X, buscar por microfissuras que precisam ser reparadas. Haverá ainda tratamento para que a madeira não sofra ataques de cupins ou não se deteriorem com o tempo.

As três peças na Casa Fiat de Cultura foram preservadas pelo tempo e salvo das intempéries. Ao contrário das monumentais esculturas de Congonhas, feitas em pedra-sabão e que compõem o Santuário de Bom Jesus de Matosinho. Tomadas de líquens e fungos, elas estão escurecidas depois de permanecer por quase dez anos sem uma limpeza. A última ocorreu em 2012, quando era esperada para ocorrer de cinco em cinco anos. Patrimônio mundial pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco), desde 1985, o conjunto escultórico é tido como uma das obras-primas do barroco mundial e foi tombado pelo Iphan em 1939. A prefeitura de Congonhas promete fazer o restauro até o fim deste ano, segundo noticiou o jornal Estado de Minas.

A Casa Fiat de Cultura também produziu uma webserie em oito episódios para mostrar o processo de restauro, que irão ao ar de 8 de novembro até 27 de dezembro. Os episódios contarão também o legado de Aleijadinho para a cultura brasileira.

Aleijadinho, arte revelada: o legado de um restauro. Na Casa Fiat de Cultura, em Belo Horizonte. Ateliê-vitrine de restauro ao vivo até 30 de novembro (agendamento gratuito pelo Sympla), de quarta-feira a sábado.

 

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