Luana Muniz
Luana Muniz, protagonista do documentário "Filha da Lua" - foto Guilherme Correa

“Tá achando que travesti é bagunça?” O bordão se disseminou pelo Brasil a partir de 2010, quando um programa jornalístico da Rede Globo transmitiu imagens nas quais uma travesti carioca estapeava, furiosa, um cliente potencial numa rua da Lapa. Em outra cena a travesti, Luana Muniz, aparecia intimidando um homem que havia acabado de fotografá-la sem autorização, numa rua noturna do Rio de Janeiro. Os clichês de violência e humor a celebrizaram a partir daí, mas são desafiados no documentário Luan Muniz – Filha da Lua, de Leonardo Menezes e Rian Córdova, que traça um perfil mais completo e mais complexo de uma personagem cheia de surpresas a revelar.

Ela é apresentada primeiro como a performer de meia idade que alegra as noites do cabaré Turma Ok, também na Lapa. Começam os depoimentos engraçados de companheiras de cena, como Claudette Colbert, que conta conhecer Luana desde os 5 anos de idade, quando ela crescia numa família carioca de classe média alta. A protagonista conta que viveu em conflito, primeiro consigo mesma, depois com a família, depois com a sociedade nas ruas em que passou a se prostituir, desde os 11 anos de idade até o tempo presente do filme.

Irreverência e acidez marcam as declarações de Luana. “Eu toda tenho o valor de um apartamento na Vieira Souto”, diz, em referência às muitas transformações corporais. “Cirurgia modificadora é comigo mesmo.” Se fosse santa, seria Nossa Senhora das Bichas, ela gargalha em outro momento. O ator Luís Lobianco fala de Luana como admirador e como vizinho na Lapa, relacionando-a com outra figura mítica dessa região boêmia do Rio, a travesti Madame Satã (1900-1976). O misto de transgressão, irreverência e violência se descortina como uma tradição daqueles redutos de marginalizados. Para Lobianco, Luana atua como uma espécie de “guardiã da Lapa”.

O outro lado da lua começa a aparecer quando entra em cena o casarão histórico (também na Lapa) onde Luana mora, acolhe e abriga migrantes, travestis, transexuais, prostitutas, portadores de HIV, pessoas em situação de rua etc. A cantora Alcione atesta a face generosa da amiga e conta um episódio ocorrido na Mangueira, quando a apresentou ao padre católico Fábio de Melo. O próprio surge vestido em uma camiseta de Superman e relata o temor/preconceito que sentiu ao ser fotografado publicamente ao lado da travesti, de quem se tornaria amigo. A vocação pop de Luana se confirma pela variedade de personagens que cruzam sua vida, entre cantoras, agentes de saúde, atores globais, padres etc. O lado sombrio desponta aos poucos, entre as pistas de prostituição na Itália e os Arcos da Lapa, e ajuda a entender o comportamento violento expresso na frase que faz o Brasil gargalhar sem parar para pensar no que há por trás dela.

Luana Muniz – Filha da Lua. De Leonardo Menezes e Rian Córdova. Brasil, 2021, 78 min. Nos cinemas, a partir de 12 de agosto.

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