Cena de Proibido nascer no paraíso
No documentário "Proibido nascer no paraíso", Joana Nin traduz indignação em denúncia - Foto Divulgação

O documentário Proibido Nascer no Paraíso, da cineasta Joana Nin, é perturbador. E não é preciso esperar os seus 78 minutos para descobrir que a história de três gestantes moradoras de Fernando de Noronha oculta algo mais sórdido. Se esses filhos nascessem na paradisíaca ilha pernambucana, eles poderiam pleitear um naco de terra, mas isso está fora de cogitação para as autoridades. Resta às mamães serem escorraçadas do arquipélago para darem à luz em Recife.

Joana visitou Noronha, como é mais conhecida entre os habitués, e ficou estarrecida ao descobrir essa história. Há um hospital na ilha, mas ele deixou de prestar atendimento a grávidas 20 anos atrás. E quando elas procuram o local, até para acompanhar a evolução da gravidez, começam a ser aconselhadas, senão coagidas, pela equipe de saúde a se preparar para viajar para a capital de Pernambuco. E tudo com a desculpa de que isso seria melhor para o bebê. O cerco é tão grande que próximo das 12 semanas que antecedem o parto, prazo máximo para elas viajarem em segurança, o assédio se torna quase diário.

Três gestantes, Ione, Harlen e Babalu, foram acompanhadas por Joana entre 2017 e 2019. Elas se alternam entre o conformismo com a situação e a revolta de não poder parir no local. A documentarista as acompanha até no hotel em que são obrigadas a ficar na capital. São bem-assistidas, importante frisar, mas perderam o direito de ter seus filhos onde elas e seus familiares vivem. Tudo para não receberem o benefício reservado aos moradores permanentes, aqueles que vivem há mais de dez anos no arquipélago, de poder reivindicar o recebimento de um terreno ou de uma casa. Quem é proibido de nascer no paraíso perde esse direito.

Fernando de Noronha é um distrito de Pernambuco e é administrado por um cidadão local. Não há compra e venda de imóveis na ilha, o que torna cobiçadíssimo cada centímetro de suas terras. E, como sujeito oculto do documentário (em streaming na Globoplay), há a pressão imobiliária, que não é das menores. Nos últimos anos, pousadas chiques têm invadido o paraíso, e então se faz necessário reduzir a pressão dos nativos pelos seus direitos. Não ter a concorrência das futuras gerações se tornou extremamente conveniente para os interesses dos novos “empreendedores”.

A cineasta teve coragem de trazer à tona essa questão, direcionando a narrativa para um ponto ainda mais importante. Há décadas, a gestação foi incorporada pela indústria capitalista, capaz de cobrar por tudo e definir até a forma de parir. Médicos decidem a hora e o local dos partos, em cesáreas desnecessárias, e são cobrados como procedimentos médicos. Proibido Nascer no Paraíso não deixa de ser o extremo de uma situação distorcida, e não é de hoje.

Proibido Nascer no Paraíso. De Joana Nin. Na Globoplay, Brasil, 2021, 78 min.

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