As primeiras grandes obras que eu vi na minha vida foram faroestes. Django, Sartana, Trinity. De todos, “Irmãos Coragem” foi o que mais me marcou, um faroeste brasileiro que eu via como televizinho (não tivemos TV até minha quase adolescência). Até hoje lembro dos irmãos Jerônimo, Duda e João Coragem, mas também de Donana, Juca Cipó, Diogo Falcão.

Nessa novela, João Coragem era vivido por Tarcísio Meira. Havia algo de monumental na forma como ele ocupava toda a tela quando aparecia, com seu queixo de herói de quadrinhos, sua elegância quando pronunciava os erres, a facilidade com que assumia toda a indignação do mundo em sua inocência matuta, cabocla. João era um misto de Lampião e Clint Eastwood, de Cisco Kid com Shazam. Era o galã e era também a negação do galã.

Cresci querendo ser João Coragem. Depois, quis ser o Rodrigo de “Cavalo de Aço”, o Antonio Dias de “Escalada”, O Raul ou o Hugo de “O Semideus”, o Dom Pedro I de “Saramandaia”, um certo Capitão Rodrigo Cambará de “O Tempo e o Vento”, o Berdinazzi de “O Rei do Gado”.

Tarcísio foi o Cristo Militar de “A Idade da Terra”, de Glauber. Foi o Aprígio de “Beijo no Asfalto”. Foi o Boca de Ouro, foi o Caçador de Esmeraldas, foi Papai Noel, foi Lorde Williamson. Beijou na contramão atrapalhando o tráfego e as convicções machocêntricas. Era Nelson Rodrigues e era Guimarães Rosa, era Shakespeare e era Ariano Suassuna.

Quando a Globo o demitiu, e à Glória Menezes, a companheira de uma vida, eu pensei: rapaz, é como se uma pessoa arrancasse a própria pele para tentar viver de novo. Isso não vai dar certo. Ninguém em sã consciência pode extirpar de si o legado de quase 80 novelas, teleteatros, especiais e séries.

Tarcísio e Glória recriaram a mística do amor eterno para milhares de pessoas, talvez milhões – na Ilha Grande (RJ), na Enseada do Saco do Céu, eles passaram sua lua de mel numa casinha na Praia do Amor. Reza a lenda que o casal que nada junto nessa praia nunca mais se separa.

Ele foi espezinhado pela Vera Fischer quando já envelhecia em cena, por esquecer as falas. Isso só me fez gostar ainda mais dele, mas também não me fez detestar a Vera.

Tarcísio, morto de Covid-19 hoje em São Paulo, onde nasceu, aos 85 anos, deu à arte da interpretação um status de fato social, fez do trabalho do ator um item da cesta de alimentos orgânicos de uma Nação.

 

Peça O Camareiro, com Tarcisio Meira
Cena de O Camareiro, com Tarcisio Meira, no Teatro Faap – Foto Divulgação
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