O Museu Nacional no dia em que pegou fogo, em setembro de 2018; recuperado, virou alvo da cobiça de monarquistas negacionistas

A Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) informou em nota oficial na tarde deste sábado, 27, que não pretende nem sequer encaminhar aos seus órgãos colegiados uma eventual proposta “obscura” do governo federal transformando o Museu Nacional da Quinta da Boa Vista, no Rio de Janeiro, em Palácio Imperial, segundo manifestação do ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo.

A universidade repudia a intenção do governo, revelada na sexta, 26, por reportagem da Folha de S.Paulo, que considera estapafúrdia e fantasiosa. Ernesto Araújo, cuja cabeça está a prêmio no Congresso por sua atuação em desfavor da saúde pública, tem pendores monarquistas e é ligado à extrema direita negacionista representada pelo Luiz Philippe de Orleans e Bragança (PSL), que se arvora descendente da família real brasileira. O Museu Nacional do Rio foi queimado em um incêndio em 2 de setembro de 2018. Na época, o então candidato a presidente Jair Bolsonaro declarou, ao ser interpelado sobre o acidente: “Já está feito, já pegou fogo, quer que eu faça o quê?”.

A comunidade científica, entretanto, não desistiu do museu, que está em plena reconstrução com esforços pluripartidários e ajuda do governo alemão e pode voltar a funcionar como a joia das festividades do ano do bicentenário da Independência do Brasil, no ano que vem – o prédio central do museu é o Palácio de São Cristóvão, antiga residência dos imperadores Pedro 1º e Pedro 2º.

O trabalho de restauração do museu está sendo capitaneado pelo consórcio H + F Arquitetos e Atelier de Arquitetura e Desenho Urbano (o mesmo do Museu do Ipiranga, em São Paulo). Um novo prédio administrativo foi construído para abrigar a parte acadêmica da instituição, assim como uma nova biblioteca. Diversos investidores e apoiadores, como o BNDES, a Alerj, o Instituto Cultural Vale, o Bradesco, fizeram aportes na restauração, e o BioParque da Quinta da Boa Vista já foi reaberto (com restrições) na semana passada.

“A grosseira intenção presumida configuraria não só ato descabido, mas também tirânico contra a autonomia universitária, garantida pela Constituição Federal, contra a comunidade científica brasileira e internacional, contra a sociedade”, diz a nota, assinada pela reitoria da UFRJ e pela direção do Museu Nacional. A reportagem da Folha afirma que o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, manietado pelo Ministério do Turismo, estaria de acordo com essa conspiração.

 

 

LEIA A ÍNTEGRA DA NOTA DA UFRJ:

 

A respeito de informações veiculadas pelo jornal Folha de S. Paulo, que expõem um suposto interesse de grupos ideológicos aninhados no governo federal na transformação do Museu Nacional (MN) em palácio imperial com intenções dúbias, desprezo do acervo e consequente desvinculação entre o Museu e a Universidade Federal do Rio de Janeiro, a UFRJ vem a público repudiar quaisquer movimentos que tentem alterar o papel e a configuração do mais antigo instituto científico do Brasil.

Lembramos que todas as áreas do Museu Nacional pertencem tão somente à UFRJ, que detém autonomia didática, científica e de administração financeira garantida pelo artigo 207 da Constituição Federal. Assim sendo, qualquer deliberação patrimonial demandaria aprovação colegiada em diversas instâncias superiores da Universidade, como o Conselho de Curadores e o Conselho Universitário (Consuni − órgão máximo da UFRJ), estruturas que, certamente, rejeitariam a proposta obscura. A atual Reitoria reafirma que não há motivação para que tal pedido, sem fundamento, seja encaminhado aos colegiados superiores.

A grosseira intenção presumida configuraria não só ato descabido, mas também tirânico contra a autonomia universitária, garantida pela Constituição Federal, contra a comunidade científica brasileira e internacional, contra a sociedade.

É importante destacar, ainda, que o Museu Nacional não é entidade dedicada apenas à guarda de acervos. Além de ser casa da memória e do louvor à cultura e história do país e do mundo, ele é casa de produção de saberes, de ciência de ponta. Por exemplo, os estudos arqueológicos lá desenvolvidos representam o Brasil nos mais diversos rankings universitários internacionais que, ano após ano, colocam o Museu sempre em posição de vanguarda no país e na América Latina. Rejeitar seu histórico e potencial para o Brasil é denegar a própria história.

Por fim, frisamos que o Museu Nacional é uma unidade da UFRJ de ensino, pesquisa e extensão, cuja indissociabilidade é prevista na Constituição Federal e na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB). O corpo social, que, diga-se de passagem, é altamente qualificado − composto por professores, pesquisadores, estudantes, servidores técnico-administrativos em educação e terceirizados −, jamais se dobraria a invenções estapafúrdias e fantasiosas como essa sobre a transformação do MN em palácio imperial.

27/3/2021
Reitoria da UFRJ e Direção do Museu Nacional

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