Exposição online, em cartaz no site do Centro Cultural Vale Maranhão, reúne 80 imagens produzidas por Pierre Verger em visita ao Maranhão nos anos 1940
Um negro chupa uma barra de gelo no cais, talvez a aliviar o calor ou o cansaço com o carregamento do peso, as próprias grandes barras de gelo ou grandes sacas desembarcadas. As águas da baía de São Marcos batem nos alicerces da hoje Casa do Maranhão, antes do aterramento do Cais da Praia Grande. Um senhor trança palhas, fazendo cofos, esteiras e abanos. O festejo de São Raimundo dos Mulundus em seu local de origem, antes da mudança para a sede de Vargem Grande. Árvores dividiam a avenida Beira-Mar ao meio na altura do Palácio dos Leões. Meninos brincam na Fonte do Ribeirão. Outros interrompem a brincadeira para posar para o fotógrafo.
Estas são possíveis descrições para algumas das 80 imagens em cartaz na exposição online “O Maranhão por Pierre Verger”, em cartaz no site do Centro Cultural Vale Maranhão (CCVM). Um dos precursores da antropologia visual, o francês Pierre Verger (1902-1996) visitou o Maranhão entre 20 de agosto e 3 de setembro de 1948, tendo sido recepcionado por intelectuais como o folclorista Domingos Vieira Filho (hoje nome de importante Centro de Cultura Popular), a poeta Lucy Teixeira e Pires Saboya, este último, representante dos Diários Associados em São Luís do Maranhão.
Dois anos antes de sua passagem por terras timbiras, Verger havia conseguido um contrato de fotógrafo independente (o que equivaleria, hoje em dia, ao free lancer) com a revista O Cruzeiro, então a mais prestigiada da América latina. Sua fama certamente lhe ajudou a garantir um contrato do tipo, o que não era regra, à época, e as companhias ilustres lhe abriram portas: conheceu a Casa das Minas e a Casa de Nagô, até hoje dos mais prestigiados terreiros de culto afro não apenas de São Luís do Maranhão.
“Fui ver Mãe Andresa, que presidia as atividades da Casa das Minas, onde se praticava o culto dos vodus, cujos nomes me pareceram então muito misteriosos: Zomadonu, Naiadono, Aronovissava, Bepega, Sepazin, Maité, Agongono e outros tantos ainda. Não sabia o papel que aqueles nomes iriam representar alguns meses mais tarde para facilitar minhas pesquisas no Daomé [Benin]”, anotou o etnógrafo. Lá chegou a realizar uma investigação sobre as origens da Casa das Minas e, em um de seus artigos, apontou a presença do bumba meu boi numa comunidade de descendentes de brasileiros em Ouidah.
Sob a guarda da Fundação Pierre Verger, que empresta ao CCVM este rico acervo, somente entre 15 a 20 fotos entre o conjunto da exposição chegaram a ser publicadas em livros ou integraram exposições; algumas da série “A pesca do tubarão” saíram na edição de O Cruzeiro de 30 de outubro de 1948, sob o título “Tubarão”, com texto de Franklin de Oliveira. Uma que observa o movimento da Rua de Nazaré e a em que os garotos brincam na Fonte do Ribeirão ilustraram o livro-poema “Éguas!” (Pitomba!, 2017), do poeta maranhense Dyl Pires.
A exposição chama atenção pelo caráter inédito e pelo paralelo possível, traçado entre o Maranhão visitado por Verger e o de hoje. “De tudo que Verger fotografou no Maranhão, grande parte ainda está presente e viva. O que permanece, por que e como permanece? Essa indagação emerge ao passearmos pelas imagens aqui expostas (…). As 80 imagens aqui apresentadas dão conta dos temas que Verger explorou nessa viagem e constituem um conjunto de grande relevância, não apenas para os maranhenses”, afirma a curadora da exposição Paula Porta, ex-diretora do CCVM.
“Antes [de escrever] eu era fotógrafo. Nada de explicações. Nunca me interessaram explicações. O que eu queria era ver coisas e gostar da beleza das coisas”, anotou o etnógrafo, antes um fotógrafo-viajante movido apenas pelo desejo de interagir com diferentes pessoas e apreender outras culturas; o fotógrafo desinteressado, após se apaixonar pela cultura afro-brasileira, dá lugar ao pesquisador e escritor interessante e interessado. A viagem ao Maranhão está situada justamente entre esses dois momentos.
Num mundo absolutamente dominado por imagens, todos perdemos, em alguma medida, a capacidade de contemplação. O caráter inédito, a qualidade e o volume do conjunto de fotos reunidas na exposição “O Maranhão por Pierre Verger” nos devolve, por instantes essa capacidade algo perdida e seu inevitável impacto.
muito massa
Obrigado, Beto! Abraço!