Alex Braga Muniz
Alex Braga Muniz, novo diretor presidente da Ancine

Alegando risco de “grave ofensa à ordem pública”, a Agência Nacional de Cinema (Ancine) entrou com um recurso na sexta-feira, 4, junto ao Tribunal Regional Federal da 2ª Região, tentando neutralizar de uma só vez todos os mandados de segurança e as sentenças judiciais desfavoráveis dos quais tem sido alvo desde o final do ano passado.

Segundo dados da Procuradoria Federal junto à Ancine, foram contadas 197 ações judiciais contra a agência até a quarta-feira, dia 2, e os juízes federais deferiram liminares em 121 ações, cerca de 63% do total. Apenas 17 foram suspensas pelo tribunal (14% do total), e outras 59 (30,57%) aguardam decisão. Após ter passado alguns meses enrolando o judiciário, empurrando o cumprimento de decisões judiciais com a barriga, a agência tenta uma nova cartada agora, acusando o setor de tentar impedir “o regular prosseguimento da política setorial do audiovisual brasileiro” – política essa que, a rigor, não existe há dois anos.

A Ancine entra no tribunal atirando para todos os lados. Acusa, na ação, imprensa, produtoras de cinema, pandemia de Covid-19 e até gestões passadas como motivadoras ou más intérpretes de sua inação proposital, que é investigada pelo TCU, pelo Congresso, pela Advocacia Geral da União e pelo Ministério Público Federal. “Infelizmente, tem havido desinformação, inclusive por alguns meios de comunicação, o que levou à desorganização do mercado”. A agência acusa as produtoras de cinema de terem feito uma “corrida” ao judiciário a partir de junho, quando foi divulgada “a grave situação” do Fundo Setorial do Audiovisual (FSA).

Toda a ação da Ancine junto ao TRF2 se apoia num caso específico, a liminar obtida por um longa-metragem, Paulércia, projeto da empresa Hildebrando Mauricio da C. Macedo Filho ME, a ser dirigido por Janaina Marques Ribeiro, de Quixadá (Ceará), fruto de um edital para estímulos regionais e estaduais e estimado em R$ 1,2 milhão. A Ancine chama o recurso do projeto audiovisual de “anomalia” na ação judicial por supostamente ocupar o 284º lugar numa fila de 692 projetos para contratação.

A Ancine lança mão, na cara dura, da chantagem explícita para desestimular a busca aos direitos na esfera jurídica: “Dada a existência de quase duas centenas de ações judiciais em curso, pleiteando a mesma coisa (finalização de análise complementar de projeto e seu encaminhamento ao agente financeiro para contratatação do investimento), salta aos olhos a quantidade de liminares e sentenças que devam ser obrigatoriamente cumpridas, muitas em detrimento de outros projetos que, considerando que seus proponentes optarem não acessar ao judiciário, amargam a dura realidade de ver projetos muitas das vezes que não atendem aos critérios de priorização, serem contratados na frente dos seus, em situação de privilégio ou favorecimento”. Em sua relação, inclui até projetos já contratados e outros que não se tratam de análise complementar.

Outro dado é que a agência se dirige ao TRF2 como se estivesse em plena operação desde sempre – o argumento é sempre o de que tinha em caixa apenas R$ 700 milhões e devia R$ 900 milhões em projetos aprovados, mas nunca explica porque não pagou nenhum, achando melhor cancelar toda a sua operação do que cumprir seus compromissos (isso se considerar-se essa balela verdadeira, já que o FSA tem mais de R$ 3 bilhões à disposição no Tesouro Nacional para cumprir sua função legal).

O mandado de segurança que a Ancine pleiteia no TRF2 é talvez a mais extensa lista de desculpas esfarrapadas da História do audiovisual brasileiro – até a vacância de diretores substitutos no board da agência, entre outubro de 2019 e outubro de 2020 é usada no rol. “Existem 1.265 novos projetos à espera de contratação, que representam uma expectativa de investimentos de quase um bilhão de reais do Fundo Setorial do Audiovisual. Tais novos investimentos se somam a outros 4.494 projetos em curso na Agência, além dos cerca de 4.200 pendentes de análise de prestação de contas. Portanto, o atual desafio institucional da Ancine é aprovar, acompanhar e fiscalizar a execução de quase 10 mil projetos, além de garantir a preservação e a continuidade da política pública, por meio da entrada de novos projetos, atendendo às determinações dos órgãos de controle interno”.

 

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