Tod@s junt@s somos fortes (*)

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São quase 15h do domingo 24 de maio de 2015 e os portões da Praça das Artes, no centro da cidade de São Paulo, ainda não foram abertos. A Praça das Artes é uma praça pública, administrada pela prefeitura paulistana, mas possui portões, e eles estão fechados. Os chefes de segurança da instituição zelam pela preservação do patrimônio público e estão temerosos no quase-início da festa de apresentação d@s Jornalistas Livres ao público paulistano, paulista, brasileiro e terrestre (estaremos em transmissão ao vivo via internet até o fim da festa, já na madrugada da segunda-feira).

FLM
Fotos Jornalistas Livres

São quase 15h quando chega um grupo de homens vestindo a orgulhosa camiseta da FLM, a Frente de Luta por Moradia, e do MSTC, o Movimento Sem Teto do Centro. A jornalista Laura Capriglione, uma das forças motrizes d@s #JornalistasLivres, reúne os bravos militantes da FLM numa roda para conversar sobre a dinâmica do evento. Os seguranças da Praça das Artes, uma mulher e um homem negr@s, parecem sobressaltados. É o momento de cair a ficha (com o perdão da expressão de quando as fichas ainda caíam): quem fará a segurança da Praça das Artes no grande dia d@s Jornalistas Livres será o movimento social de luta por moradia. Alguma coisa está de ponta-cabeça nesta festa, nesta cidade, neste país, neste mundo.

Mal se abriram os portões da praça que tem portões e a praça agora sem portões já está lotada de gente, de gente que reluz uma diversidade humana estonteante, daquelas de arrancar lágrimas de participantes e de organizadores, to@s junt@s e misturad@s e de olhos molhados.

Festa

A compositora, cantora, ativista e deputada estadual Leci Brandão faz um discurso veemente, preciso e magoado, afirmativo de que a mídia tradicional jamais deu conta, atenção e muito menos demonstração de afeto à riqueza humana reunida nesta festa.

“Não dá pra gente ser comandado por seis famílias que acham que podem pautar o Brasil”, expressou-se Leci. “São seis famílias que não olham pra uma coisa chamada periferia, pro genocídio da juventude negra, pra quem é considerado fora do sistema deles, pra violência contra a mulher, que ficam tripudiando com o segmento LGBT. Eles têm preconceito contra tudo e todos.”

Leci conclui se identificando com a rede #JornalistasLivres e acarinhando nossos afetos: “Estes jornalistas são verdadeiramente jornalistas, não são pautados pelo chefe, pelo dono. Não. É a cabeça, é a independência, é a liberdade. Viva a liberdade da imprensa. Viva a liberdade do Brasil”.

A banda Satélite Musique dinamita fronteiras ao som latino, caribenho, africano da mistura de que é composta, com cidadãos-músicos haitianos e africanos, todos eles atualmente moradores do Brasil. “Haitimanos – Haiti-Brasil”, proclamam as camisetas azuis dos Satélite Musique: o Haiti é aqui.

Satélite

A valorosa Carmen da Silva Ferreira, líder-força da FLM, dança majestosamente ao som dos refugiados. Poucos minutos antes, Carmen e sua filha Preta correram em minha direção e me abraçaram juntas, com força, de um modo como só uma mãe e uma irmã me abraçariam — afinal, somos mesmo parentes (como diriam dois índígenas que se reconhecessem um ao outro na rua). Agora, a senhora-menina-mulher-da-pele-preta-baiana Carmen dança.

Ao microfone, o secretário municipal paulistano de Direitos Humanos Eduardo Suplicy canta “Blowin’ in the Wind”, secundado por animado coro popular.

A cartunista Laerte passeia livre, leve e loura pela nossa festa.

Laerte

Ao microfone, o secretário municipal de Direitos Humanos Eduardo Suplicy canta “Blowin’ in the Wind” secundado por coro popular.

Leo Moreira Sá, ator, dramaturgo, homem transexual, ex-integrante da banda de meninas punks Mercenárias, atual jornalista livre, me conta ao microfone da dor e da delícia de ser o que é, de ser quem é. Nossos olhos se umedecem juntos, e eu lembro da honra que tenho em ajudar a editar os textos jornalísticos que ele escreve.

As cineastas Tata Amaral (Antônia) e Caru Alves (De Menor) passeiam juntas pela festa — além de terem em comum a profissão, são mãe e filha e nossas parentes #CineastasLivres.

Jovens de cabelos coloridos e de cabelos afro e de cabelos moicanos dançam aos sons latinos da banda mexicana-e-paulista Francisco, el Hombre, ao samba paulistano de Yvison Pessoa, de São Mateus, ao rap feminino de Flora Matos e ao candomblé tropicalista do DJ Tutu Moraes.

Tutu

Garotas de penteados e visuais sensacionais transformam num front feminista a fila do gargarejo do show de rap-jazz da linda e ruiva Tássia Reis.

Converso de passagem com Gina Lobrista, a Índia Apaixonada, cantora paraense de sofrência tecnobrega, que se apresenta no Mercado Ver o Peso, em Belém, ao lado do namorado equatoriano, o DJ Ata Wallpa, também presente a esta festa de diversidades.

Meninas e meninos Jornalistas Livres trabalham sem um tostão no bolso (e, sim, prezad@ leitor@, isto é um baita problema), mas com sorrisões no rosto que só a felicidade podem proporcionar.

Jornalistas Livres de todas as idades nos fotografamos e filmamos e descrevemos e entrevistamos uns aos outros, cientes de que somos personagens da festa heterogênea, além de seus anfitriões.

MST

No amplo pátio-praça, a modesta barraquinha vende, por preços mais que camaradas, produtos da agricultura de assentamento, do Movimento Sem Terra, coisas de comer sem agrotóxico e sem ódio.

IMG_4924A militante negra, advogada e jornalista livre Eliane Dias, esposa de Mano Brown, assiste embevecida à apresentação-relâmpago do rapper gay Rico Dalasam, um dos MCs de nossa festa e um dos talentos explosivos do hip-hop brasileiro pós-Emicida e pós-Criolo. Eliane está com a filha já quase-adulta Domênica, irmã de Jorge — Jorge e Domênica foram batizados em honra e amor de Jorge Ben (Jor) e sua esposa Domingas. E hoje é domingo.P

Paul SingerCoincidentemente parado em pé ao lado de Eliane, um senhor de muita idade, já combalido pelo tempo, assiste a fragmentos das apresentações de noss@s parceir@s #ArtistasLivres. Trata-se de Paul Singer, um dos mais importantes intelectuais brasileiros, pai de gente que fez história na redação da Folha de São Paulo e na USP.

Um jornalista histórico, Dermi Azevedo, se emociona e embevece os corações machucados d@s Jornalistas Livres, afirmando em entrevista aos #JL Haroldo Ceravolo e Adriano Diogo que esta nossa é a maior manifestação pela democratização da mídia de que ele participou em toda a vida.

(Pausa para mais lágrimas.)

O amigo de Twitter Julio Cesar Amorim, @juliocesaramor, me dá um importante livro de presente e se encaminha para a barraca de doações. Um dos motivadores da festa é apresentar nosso projeto de financiamento cidadão junto ao site Catarse — nós não sobreviveremos sem o seu apoio direto, querida leitora, querido leitor.

No processo de democratização da informação de que fala Dermi, somos 200 milhões de #JornalistasLivres no Brasil, compreendendo por jornalistas livres to@s aquele@s que lemos, assistimos, escutamos, gravamos, filmamos, fotografamos, consumimos e ajudamos a financiar jornalismo livre.

Festa 2

O amigo tuiteiro Julio Cesar faz sua generosa doação e diz que vai para casa chorar — chorar, concluo por ver os sonhos de democratização dele (nossos) virando realidade aos poucos. O Julio sabe que, lá no Twitter e no e-mail dele, também é #JornalistaLivre — assim como você (você sabe?).

Nós, que estamos na rede #JL, assistimos junt@s e emocionado@s à projeção, na parede da prédio da Praça das Artes, do vídeo que fizemos para o Catarse. Agora só falta você (ou não falta?).

Também estão entre nós, para nosso espanto e contenteza, colegas da mídia tradicional, tanto operários cotidianamente torturados nas redações como gente com cargo “grande” de colunista,editor etc. Desconfiamos que, mesmo assim, nossa festa não será documentada pela chamada “grande” mídia (ou foi?). Alguma coisa está de ponta-cabeça neste mundo, neste país, nesta cidade, nesta festa e nas redações desta nossa machucada profissão chamada jornalismo.

Do mundo oficial, das autoridades, convidamos a galera toda, nos níveis municipal, estadual e federal, o Haddad e o Alckmin e a Rousseff. Temos representantes municipais (Suplicy, o secretário municipal de Promoção da Igualde Racial Antonio Pinto) e federais (o secretário nacional de Juventude Gabriel Medina, a secretária de Cidadania e Diversidade Cultural do Ministério da Cultura Ivana Bentes).

Suplicy

Do nível estadual, salvo engano meu, não há viv’alma, e nunca deixa de me causar espécie e desgosto o desinteresse, o apartheid, a ausência completa do aparato tucano (que é também o aparato midiático tradicional) em meio à nossa população de jornalistas, sem-teto, fora-do-eixo, índias, haitianos, senegaleses, congoleses, transexuais, adolescentes, idosos, jovens, sem-terra, gays, mato-grossenses, mineiros, baianas, sem-emprego, rappers, funkeiras, tecnobregas, moradoras de rua, professoras em greve, povo sem água etc. etc. etc.

Fotos Márcia Alves
Fotos Márcia Alves

No abismo entre os movimentos sociais e o mundo-cenário que a mídia tradicional se esforça diariamente por inventar, mora talvez o espanto d@s seguranças da Praça das Artes diante dos garbosos militantes da FLM que vieram nos ajudar a garantir a paz e a harmonia num evento aberto, gratuito, prolongado, alcoólico, festivo e hedonista.

Pois bem, a festa acaba lá pelas 2h de segunda-feira num congraçamento entre Jornalistas Livres, o DJ Tutu Moraes e moradores de rua do centro paulistano. Foram 11 horas de festa, durante as quais não houve nenhum incidente, nenhuma briga, nenhum bate-boca, nem uma gotícula respingada de ódio. Não foi porque sejamos realmente e/ou completamente livres (ainda estamos longe de realizar esse sonho) — é que viver em busca de igualdade, fraternidade e liberdade é algo que pacifica os ânimos e acalenta os corações.

Nós

Quer apostar comigo que você também sentiu alegria, emoção ou alguma outra sensação calorosa enquanto lia este texto?

 

(*) Acompanhe o noticiário d@s Jornalistas Livres, inclusive este texto,  no site da nossa rede. Ajude a financiar a construção da nossa rede no Catarse. Por favor. 🙂

 

 

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