Estão todos na internet, para ver e ouvir

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Se o caso é acreditar no discurso habitual da titular de plantão no Ministério da Cultura do Brasil, a música (realmente) popular brasileira vai mal à beça – e o rap está entre os principais responsáveis pela tragédia.

Ana Buarque de Hollanda ficaria horrorizada diante da nova lavoura cultural do hip-hop brasileiro. Tentaria convencer Rael da Rima a não conceber um álbum denominado MP3, ainda que seu “mp3” significasse Música Popular do 3º Mundo, e não a sigla-formato de distribuição (oficial ou pirata) de música via internet.

A ministra consideraria ilegítimos os trabalhos discográficos atuais de BNegão & Seletores de Frequência (Sintoniza Lá), Projota (Não Há Lugar Melhor no Mundo Que o… Nosso Lugar), Ogi (Crônicas da Cidade Cinza) e Rashid (Que Assim Seja) – todos estão disponíveis para download livre, gratuito e autorizado pelos próprios artistas, em sites de compartilhamento de arquivos como o Mediafire, perseguidos com aparato policial de força por Hollywood e pela indústria fonográfica transnacional. (Em cada título acima, esconde-se um link para download direto dos discos.)

Rashid - foto Serjão Carvalho/divulgação

 
Ironia: por incrível que pareça à ministra, nenhum desses rappers lança mp3 ou MP3 para provocá-la, contrariá-la ou afrontá-la. Como BNegão insinua no título de “Essa É pra Tocar no Baile”, as novas gerações sabem que CD deixou de ser fonte primordial de lucro para trabalhadores da música, queiram ou não os partidários do Ecad (Escritório Central de Arrecadação e Distribuição).

Todos que cultuam o “todo artista tem que ir aonde o povo está” de Milton Nascimento sabem o valor insetimável de presentear um fã com um CD grátis no disco rígido do computador ou numa embalagem feita artesanalmente e distribuída à saída do show: espectador que se sente bem tratado pelo artista cria um vínculo real com ele, rodando uma geringonça que os acomodados do samba, da MPB, do rock e/ou do Ecad se cansaram há décadas de movimentar.

Lula e Gilberto Gil recebem comitiva de rappers no Planalto - Foto J. Freitas/Agência Brasil - 25.mar.2004

 
Mas não é rebeldia contra a sra. ministra, nem mesmo contra Dilma Rousseff, que, ao contrário do que fez seu antecessor em 2004, ainda não emitiu qualquer sinal de querer receber uma comitiva de rappers no Palácio do Planalto. É necessidade vital. Lançar-se sem paraquedas e sem padrinhos ao mundo da música virtual é a alternativa que melhor cabe aos rappers (e a artistas de muitos outros gêneros), já que as indústrias comerciais não têm o interesse de absorvê-los – ou se têm, eventualmente, fazem-no sem saber como lidar com eles e com os públicos deles).

A julgar por afirmações e atos passados da ministra Ana, ela tentaria também forçar a plataforma YouTube a remunerar o Ecad dupla, quiçá triplamente, pelos videoclipes de rap que esses artistas desaguam com velocidade de gremlins naquele site. Defensores da política cultural elitista e verticalizada tal qual praticada pela gestão de Ana de Hollanda (como, por exemplo, o filósofo Vladimir Safatle) certamente viriam em socorro da ministra, afirmando que funk carioca – logo, tecnobrega, forró, maracatu, carimbó, lambada, lambadão, axé, tchê music E HIP HOP – não é cultura e não merece ser apreciado, aplaudido, muito menos contemplado pelos governos.

Em protesto contra o elitismo preconceituoso (não raro francamente racista) praticado por essas instâncias de governo, mídia e intelectualidade, FAROFAFÁ faz a seguir, com auxílio das assessorias dos artistas, uma compilação acachapante de vídeos musicais com o que há de novo na música (realmente) popular praticada a partir das periferias, quebradas, estações centrais de metrô e bairros elitistas da cidade mais nordestina do Sudeste, a “Cidade com Nome de Santo” de que fala o rap do álbum Crônicas da Cidade Cinza, de Ogi.
 
 
 
1. Para começar, um clipe do grupo Mão de Oito, que não é propriamente de rap, mas conta com as participações dos rappers Emicida, Kamau e DJ Nyack e tem produção do nipopaulista Daniel Ganjaman, responsável pelo estouro de Criolo com Nó na Orelha.
 

 
2. De Ogi, o novíssimo “Noite Fria”, com introdução declamada por Plínio Marcos, e “Profissão Perigo”, a tocante homenagem poético-musical aos motoboys.
 

 

 
3. Dryca Ryzzo em “Não Me Diga Bye Bye”, com participação do parceiro Rinea BV e muito orgulho black, multirracial e multicolorido.
 

 
4. “Pode Se Envolver”, de Projota, “sem panela e sem jabá”.
 

 
5. De Kamau, “Por Onde Andei” (gravado num parque do Ibirapuera ainda não interditado para skatistas e outras tribos de cultura de rua) e “21/12”.
 

 

 
6. Na linha amorosa-sexual, “Ela Me Faz” (2011), rap com levadas de reggae de Rael da Rima.
 

 
7. Com referências à ultraviolência de Laranja Mecânica (1971), de Stanley Kubrick, “Quero Ver Segurar”, com Rashid.
 

 
8. Para terminar, já em compasso de reprise e de memória, “Dedo na Ferida” (2012), de Emicida (inspirada na ocupação violenta da comunidade do Pinheirinho pela polícia paulista), e a célebre “Não Existe Amor em SP” (2011), de Criolo, cujo mote provocador inspiraria as respostas e reações a cada dia mais amorosas dos mais novos porta-vozes da cultura hip-hop nacional.
 

 

 
 
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2 COMENTÁRIOS

  1. Li o que o tal filósofo(?) disse, de um ranço preconceituoso do kct.
    Tem que abrir os espaços para os artistas brasileiros de todas as classes e expressões artísticas manifestarem-se e mostrarem suas criações; não transformar o país num sertanejo universitário(nada contra o gênero), como se não houvesse uma uma multipluridiversidade artística .O Governo tem sim que contemplar com recursos os fora do eixo, os outsider, os undergrounds, assim como faz com aqueles que o mesmo elege para o mainstream. É o povo quem produz arte e delineia o seu perfil cultural.Viva a nossa diversidade musical, viva a nossa mistura negra,india,cabocla e européia.

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