Foto Chris Calvet

Sábado, 14 de maio de 2011, 18 horas. Começa a anoitecer entre a avenida Angélica e a rua Sergipe, no cruzamento tomado por centenas e centenas de cidadãos a pé, churrascos de coração de frango & suas fumaças, varais de roupa suja pendurados nos semáforos, gente alegre à esquerda, à direita, ao centro e adiante.

A performer baiana movimenta a massa feliz com uma aparelhagem tipo paraense, improvisada com microfone ao qual qualquer um pode ter acesso. “Beat It”, sucesso de Michael Jackson, e “I Can See Clearly Now”, de Johnny Nash, embalam a roda de break, a roda de samba, a roda de funk, a roda de pop, a batucada dos nossos tantãs.
Os policiais perguntam pelos líderes da manifestação. Querem saber: que hora o evento vai acabar?, é preciso encerrar o evento.
Ninguém sabe que hora o evento vai acabar. Não há líderes nessa manifestação.
Noite já escura, sob a observação do repórter à paisana, o manifestante oferece ao policial fardado o abaixo-assinado que pede a construção do metrô Angélica ali naquele cruzamento. O polícia (quem precisa de polícia?) se recusa a assinar.
Policial fardado: Não posso, se a imprensa vê eu assinando, danou-se. A imprensa deturpa tudo que a gente fala ou faz.
Manifestante: Se pudesse você assinava?
Policial fardado: Assinava, claro! Se estivesse à paisana, eu assinava agora!
Repórter à paisana: Só a intenção já tá valendo.
Policial fardado: Esse seu cachorro é boxer?
Repórter à paisana: É, chama Alcione. Você gosta?
Policial fardado: Adoro boxer. Você gosta de pitbull?
Repórter à paisana: Tenho medo, mas quando perco o medo eu gosto.
Policial fardado: Eles são legais. Tenho três: Tomahawk, Adolf e Saddam. Eles têm fama de bravos, mas são medrosos.
Repórter à paisana (assustado com o nome dos pitbulls): A gente tem medo de pitbull, igual tem medo da polícia.
Policial fardado: (Ri.) A polícia também tem medo. A gente sempre se afasta das pessoas, mas é por medo.
Repórter à paisana: No fim das contas, todo mundo tem medo de todo mundo…
Policial fardado: A polícia tem medo. Principalmente da imprensa. A imprensa é perigosa, deturpa tudo.
Dia de sonho, o 14 de maio de 2011. Ao longo de uma tarde e um pedaço de noite, a avenida Angélica é do “povo”, de graça e paratodos. Paraquasetodos, melhor dizendo, porque a manifestação pró-metrô é típico fogo amigo: é classe-média-pra-cima que quer metrô em Higienópolis combatendo classe-média-pra-cima que não quer metrô em Higienópolis.
Policiais podem tratar mal seus próprios filhos, mas os filhos da classe média pra baixo, jamais.
Como seria o diálogo entre policial fardado e cidadão paisano se a manifestação pró-metrô não fosse classe-média-pra-cima, em Higienópolis, mas sim em Heliópolis, classe-média-pra-baixo, rumo ao “povão”?

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2 COMENTÁRIOS

  1. Acho que nem amor nem ódio, querido Marcos.. Mais pra fogo amigo, que é tipo soro caseiro, um punhado de ódio pra cada dois de amor…

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