no trânsito, quando dirige, dá para saber de longe quem é ele: sempre usa a faixa do meio e sua velocidade é sempre contínua, na faixa dos 40 km por hora (seja na descida ou na subida, na 23 de maio ou na 13 de maio).
fala os RRs com mais precisão, saboreia os SSs no final da frase.
puxa conversa com a caixa do banco emburrada (o que deixa exasperado o office boy na fila).
sorri para o feirante que corta a manga com uma faca adocicada, dá conselho ao batedor de carteiras, faz gargalhar o sonolento porteiro do prédio (que varou a noite no turno do cearense que deu cano).
levanta da sala para buscar água quando vê que a discussão sobre futebol ficou quente demais (e é capaz que nem volte).
evita falar sobre política. evita xingar político corrupto.
adora coletâneas de música italiana – cantarola os versos de pepino di capri sozinho na sala, enquanto espera sair a beringela al forno (“… per brindare a un incontro con te, che già eri di un altro…”)
entra no ônibus de um jeito altivo, como se estivesse entrando na carruagem da rainha da inglaterra.
no restaurante, tenta ajudar o garçom a recolher os pratos depois da refeição.
a mão enrugou até endurecer, até criar uma crosta, mas quando faz carinho na cabeça da gente dá vontade instantânea de fazer a siesta.

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Jotabê Medeiros, paraibano de Sumé, é repórter de jornalismo cultural desde 1986 e escritor, autor de Belchior - Apenas um Rapaz Latino-Americano (Todavia, 2017), Raul Seixas - Não diga que a canção está perdida (Todavia, 2019) e Roberto Carlos - Por isso essa voz tamanha (Todavia, 2021)

3 COMENTÁRIOS

  1. Puxa, será que serei assim?
    Será que me tornarei uma corôa gente boa ou uma velha ranheta.
    Acho que vou policiar minhas manias (e quantas manias)vou fugir dos preconceitos,apagar o que não gosto de lembrar.
    Talvez, quem sabe….

  2. Conhece aquele disco do Jards Macalé, de 87, 4 batutas e um coringa, no qual ele homenageia Paulinho da Viola, Lupicínio, Nélson Cavaquinho e outro sambistão que eu não sei quem é (a merda de baixar discos é essa, a gente perde informações as vezes preciosas)?! Pois então, enquanto li esse post lembrei direto de Vela no breu, do Paulinho, que o Jards gravou nesse disco. Conhece?

    É assim:
    "Ama e lança chamas
    Assovia quando bebe
    Canta quando espanta
    Mau-olhado, azar e febre
    Sonha colorido
    Adivinha em preto-e-branco
    Anda bem vestido
    De cartola e de tamanco

    Dorme com um cachorro
    Com um gato e um cavaquinho
    Dizem lá no morro
    Que fala com passarinho
    Desde pequenino
    Chora rindo, olha pra nada
    Diz que o céu é lindo
    Na boca da madrugada

    Sabe medicina
    Aprendeu com sua avó
    Analfabetina
    Que domina como só
    Plantas e outros ramos
    Da flora medicinal
    Com cento e oito anos
    Nunca entrou num hospital..

    Joga capoeira
    Nunca brigou com ninguém
    Xepa lá na feira
    Divide com quem não tem…
    Faz tudo o que sente
    Nada do que tem é seu
    Vive do presente
    Acende a vela no breu."

    Abraço, Jotabê. Meu nome é Roberto, sou jornalista, trabalhei durante bom tempo na editoria de Cultura, onde me senti melhor, sou fâ do teu trabalho e assíduo leitor do blog. A Manu é minha filha.

    PS: continua postando o livro. tô achando, como diz teu amigo Mário Bortolotto, du caralho.

  3. Roberto, maravilha pura essa música do Paulinho!
    De fato, tem tudo a ver, é simplesmente fantástica!
    Vou postar hoje um capítulo novo (mas tô colocando as coisas embaralhadas, de forma a que os textos tenham alguma nova vida isoladamente)

    Eliane, você será uma doce velhinha (mas, de vez em quando, teremos de tirar as pilhas…).

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