t’esconjuro, semaninha do capeta! não dá para usar meias palavras: é assunto suficiente para deixar a gente desnorteado, desassossegado, desanimado, desesperançado… é hora, então, de reunir os frangalhos que ficaram espalhados pelo caminho, tentar fazer do ovo uma gemada.
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há um primeiro movimento que considero indispensável, e que faço aqui repetindo o que desabafei lá no blog do idelber avelar (onde a discussão política vai à fervura). é o seguinte: até hoje, nesta vida, eu só elegi um presidente da república. elegi luiz inácio lula da silva, após três tentativas frustradas de elegê-lo (e após uma geração inteira sem eleições). isso, aconteça o que acontecer, faz toda a diferença. não dá mais para ter a postura de antigamente e sair denunciando dum lugar fora, à parte, idealizado, a corrupção geral da nação: desta vez, pela primeira vez, sou diretamente co-responsável, e não vou me eximir em momento algum da minha responsabilidade. se o brasil de hoje é corrupto, sou co-responsável pela corrupção do brasil de hoje.
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não suporto mais aquele papo-ameaça eterno de “o brasil é um chiqueiro, na próxima eleição responderei com meu voto” – o cara que fala isso vota num outro amanhã e daqui a quatro anos está falando a mesma frase, outra vez, na trilha eterna do círculo vicioso. para esse cara, o sistema político está sempre podre, e ele próprio – o cara – está sempre puro, impoluto, impávido, colosso. não dá mais essa ladainha, e por esse lado é uma grande e dolorosa experiência a gente (que votou no lula) se ver do lado de dentro do espelho, pela primeira vez.
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já que falei em voto, esta também é velha: quem aqui lembra em quem votou para senador, deputado federal, deputado estadual, vereador? não lembro direito em quem votei, mas adotando um discurso de responsabilidade eu devo admitir que, por inclusão ou exclusão (tanto faz), eu sou co-responsável pela constituição do parlamento que mais uma vez está enchendo o brasil de vergonha. lá no isolado planalto central está empoleirada uma amostragem do brasil, uma amostragem de gente que a gente conhece de muito perto – inclusive porque talvez sejamos nós mesmos essa gente que é igualzinha, sempre a mesma, seja na favela, na daslu, na escola, no parlamento, na cadeia, dentro de casa, num asilo de velhinhos.
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minha impressão atual, por ter votado em quem eu acredito e por ainda continuar acreditando em quem acreditava, é de que não dá mais, é de que é preciso que todos nós tomemos de volta as rédeas das nossas próprias responsabilidades, de uma vez por todas (alô, nando, sim, “quando a gente muda, o mundo muda com a gente”, acredito totalmente nisso embora não lembre de quem é essa frase).
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é preciso reconvocar, por exemplo, as responsabilidades daqueles que, após décadas de espera para que seus maiores anseios chegassem ao poder, esperaram apenas algumas semanas de governo para desembarcar, para desembarcar atirando e denunciando a “traição” (lamuriei esse dado no antigo tópico elogios à “traição”: pra quê?, lembra?). essas pessoas precisam compreender que, desencapando feito viúvas volúveis o fio de um governo que apenas se formava, também se tornaram co-criadoras do cenário que está acontecendo agora – é fácil esfaquear moralmente a má qualidade dos atuais “amigos” do governo, mas quem foi que primeiro renunciou a entregar suas virtudes à coalizão que então (não) se formava? quem admitiria que o psdb, há 10 anos preferisse a “amizade” do pt à do pfl? quem admitiria que o pt, há 2 anos, preferisse a “companhia” do psdb às de pl, pp, ptb? alô, heloísa helena, alô, intelectuais de esquerda, alô, pt de esquerda, alô, psdb, alô, academia. alô, alô, responde…
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uma coisa que me agrada nesse rocambole é que, mais que qualquer outro, o pt passa agora pelo tardio traumatismo de virar mocinho(a) (não dá para não pensar em crianças nessa história em que corruptos são acusados de receber “mesadas” – ora, quem recebe mesada é quem ainda não está pronto para se sustentar sozinho. ora, ora, senhores deputados, quanto vexame, com essa idade e esses brancos bigodões?). até aqui, havia uma disputa fratricida de reserva moral entre o governo e o pt, duas forças que se confundem e vivem em contínua crise de identidade uma com a outra. as ditas esquerdas petistas se valeram, não foi uma nem duas vezes, do argumento de que o pt governamental “traiu”, “desonrou”, virou direita. pois agora, numa queda-de-braço com lula, os ex-reivindicadores da reserva moral deslizaram em socorro do tesoureiro delúbio soares – ora, mas até aqui não era só o governo que estava “traindo” antigas convicções? quem aqui é a corda, quem aqui é a caçamba?
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se a capa de chuva rasgou e o pt está nu sob o temporal, que tal agora admitir(mos) que a disputa por reserva moral é falaciosa, por qualquer lado que se olhe? que o pt é uma pequena amostra do brasil assim como são os outros partidos – até mesmo, santa luzia dos cegos nos proteja, aqueles partidos sempre onerados (muitas vezes por seus próprios políticos) com o monopólio enlameado da escória, do atraso, da podridão? alô, ptb, alô, pp, alô, pl, alô, pfl! alô, alô, responde…
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aí a sociedade se ergue escandalizada com o mensalão, com a mesada que huguinho, zezinho e luisinho recebem da vovó donalda, do tio patinhas, do pato donald. políticos ilibados (alô, psdb, alô, miro teixeira do pt, alô, eduardo suplicy. alô, alô, responde?…) se cobrem de pejo e de horror e afirmam que coisa assim nunca se viu, que corrupção desse tamanho é inédita. e nós, espectadores passivos consumidores de sangue e papel, acreditamos e, marias, vamos com as outras. ora, ora, alguém aí algum dia da vida já acreditou que sujeito vende a alma para ser deputado e senador e ganharpor mês míseros r$ 5 mil, avaros r$ 10 mil (qual mesmo é o salário nominal do lula, aquela merreca?)? se é para ganhar essa modéstia toda, mais fácil seria irem ser executivos nalguma área mais pacata e menos espalhafatosa, não?
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não entendo bulhufas dos mistérios da política, mas será que é por aí que se poderia explicar a moderação exemplar do psdb e do pfl neste exato momento? quem já foi governo está na moita, não é mesmo? não é hora de admitir que as mesadas de um país que mal saiu da adolescência são parte da própria história desse imaturo país? não é hora de parar com as mesadas, convocar o brasil a ir ganhar a vida por seus próprios braços e pernas???? alô, pt governista, alô, sofrido lula. alô, alô, responde… alô, alô, parem com a mesada, parem com isso, por favor, parem agora…
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não é só o termo “mesada” que me encaminha ao perfume infantil, ao perfume familiar. há dois termos que aparecem aqui e ali, mas que são a todo momento sufocados, enfiados de volta para dentro da toca. um é “suborno” – o governo “subornou”, isso é “imoral”, isso escandaliza. outro é “chantagem” – roberto jefferson “chantageou”, deputados “chantageiam” governantes, isso é bandidagem, isso horroriza. escolha seu vetor predileto, se quiser ficar do lado do governo ou se quiser ficar do lado do congresso (não adianta, ambos são você, ambos somos nós mesmos): a gosto do freguês, foi o governo que subornou, ou foi o congresso que chantageou. acuse, acue, repreenda, reprima, deprima: são todos uns celerados, de reputação irretocável, só nós mesmos, mesmo.
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mas, vem cá, também não nos são familiares demais esses termos? alguém aí já subornou irmão mais novo, amiguinho, avó, vizinha, primo, tia, avô, empregada doméstica? alguém aí já fez chantagem emocional com a mãe, com o pai, com o irmão, com os filhos? já chantageou a irmãzinha mais nova, o empregado, a patroa, a esposa, o esposo? ou esse troço vexatório é da natureza humana, e aqueles esquisitos entre nós que alcançaram o poder repetem tais vergonhas tal e qual, só trocando por “dinheiro” a moeda de troca que na nossa vidinha vil é “afeto”, “amor”, “desamor”, “disputa”, “ódio”, “inveja”, “ciúme”, “insegurança”, “instabilidade”?
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nesses termos, será que não estaríamos numa crise de amadurecimento? o que indica esse destampatório, esse confessionário, esse surto confessional que, das paradas de minorias à vocação tragicômica de roberto jefferson, tem nos acometido nestes novos dias? será que há algo de novo no front?
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somos um país que está ficando adulto a duras penas, ou esse será apenas mais um ciclo que depois de amanhã se repetirá, com a diferença do maior ou menor grau de, er, malemolência do partido que estiver no poder em cada hora? quem ajudou a construir este país até aqui terá a leveza de consciência para dizer o que já se ouve muito por aí, que lula é igual a collor? ora, bolas, não me venham com (mais) leviandades nesta hora. lula não é nem nunca será um collor, só quem odeia este país poderá por um segundo acreditar nisso.
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por mais que a corrupção (essa irmã graúda das irregularidades e contravenções que testemunhamos e praticamos todos os dias, em casa, no emprego, no trânsito, na declaração do imposto de renda) doa em nossos nervos lanhados, é preciso aqui afirmar, e lembrar a cada comprido segundo destes dias tão longos: desde que collor foi deposto e itamar franco assumiu, e fhc se elegeu, e fhc passou num balé descoordenado (por ambas as partes) a faixa para lula, o brasil vem vivendo um avanço institucional notável, inédito, colossal. nosso senso autodestrutivo não pode nos vencer a ponto de apagar essa evidência, a mais linda que possuímos, mesmo que tudo pareça um cenário de pleno desalento.
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porque é tanto avanço, tanto avanço, tanto avanço. a maturidade que no brasil as minorias (ou seja, a maioria dos brasileiros) estão conquistando é monumental, maravilhosa. alô, negros, alô, favelados, alô, praticantes de todas as formas de sexo, alô, cultores das religiosidade afro-brasileiras, alô, evangélicos, alô, wando, alô, raul gil. alô, alô, a resposta já está dada…
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é com base no fragmento acima que me sinto profundamente ofendido, agredido e humilhado quando leio a primeira frase do principal editorial do “estado de são paulo” no epicentro da crise, na quarta-feira que passou. chamava-se, puritanaamente, “o grande culpado”, e principiava assim: “a começar do presidente lula, o governo parece acometido da síndrome da imunodeficiência: não só não consegue criar anticorpos para defender a administração direta e as estatais das investidas corruptoras de seus aliados, como não consegue reunir coragem para tomar as iniciativas sem as quais a crise política, na melhor das hipóteses, se tornará crônica, e, na pior, se transformará em crise institucional”.
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“sindrome de imunodeficiência”? adquirida? aids? o “estadão” está “xingando” o governo de “aidético”, repulsa fascista discriminatória por todos os lados? está assimilando o “trauma” de ter que assistir a uma parada política de 1,8 milhão de pessoas, para, então, jogar a “culpa” “moral” da crise numa doença que, há 20 anos, era tida como peste de homossexuais? é tolerável tamanha desfaçatez??? alô, “estado”, alô, “folha”, alô, “globo”, nós precisamos de suas responsabilidades, de suas maturidades (maturidade de adulto, não de pai repressor, censor, juiz, bastião da moral)… alô, alô, responde, ajuda a virar nossa canoa para outro rumo, para a bonança, não para o surfe nas ondas gigantescas do “quanto pior, melhor”… melhor para quem, páginas pálidas?
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a onipresente mídia, a propósito, iniciou a descida ao inferno babando ódio, babando fúria, babando fobia – “estado” e “folha” à frente, palmo a palmo, nariz a nariz. incrivelmente, o tom raivoso desceu vários decibéis conforme a semana correu, até culminar em dois incríveis editoriais lúcidos, circunspectos, sólidos e respeitosos na “folha” – e outro n’ “o globo”, que em horas como essas apresenta o aliviante diferencial de se mostrar propositivo, positivo – ali não se puxa orelha; antes, ali se formulam palavras no estilo “lula deveria fazer tal e tal coisa para desacelerar a crise, para retomar as rédeas, para preservar o país em estado mínimo de saúde” – dedos rijos ainda apontados para o outro, mas pelo menos propositivos.
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muitos, diante da postura positiva/propositiva, tendem a enxergar fraqueza, tibieza, leniência, pieguice. atenção, o nosso vício pelo pior é crônico, mas não é da nossa constituição (alô, paulo lins, alô, cidade de deus), mas sim um parasita que habita o organismo de todo e qualquer brasileiro desde que o primeiro português assassinou o primeiro índio. não é o vírus da imunodeficiência, é o vírus (violento) da autocomplacência, da covardia crônica, que não mata de uma vez, mas mata um pouquinho a cada dia, todos os dias da vida. é dogville.
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de volta à mídia, é estranhíssimo acompanhar a curva que vai da hidrofobia dos primeiros dias da semana à sisudez ponderada dos dias de agora. nesse meio tempo, ficou um exercício hediondo (mas atraente como ver um atropelado sangrando no meio da avenida) virar as páginas dos jornais de são paulo. a corrente elétrica partia do escândalo político e chegava à satanização branda do filho de pelé (os eternos bodes expiatórios da sociedade: negros, pobres, traficantes, criminosos miúdos).
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mas no meio do caminho entre brasília e a favela, havia uma pedra. dando curto-circuito, páginas e páginasde propaganda esbanjavam aquela modalidade grotesca de vulgaridade de elite que é a daslu, cuja inauguração foi freqüentada com algum constrangimento pelo governador tucano geraldo alckmin. os anúncios publicitários da daslu nos escracham e achincalham de modo dissimulado, oprimidos pelos escândalos graúdos da política. era à custa da daslu (e das carcaças dos favelados que moram atrás da daslu) que os jornais faziam a gorda receita publicitária que movimentava as edições lotadas até o pescoço da “imaculada” condenação moral aos escândalos políticos.
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quem parecia pagar o pato, melancolicamente, era o filho desgarrado, ovelha negra, do pelé. era o pedófilo gay preso por abusar sexualmente de crianças da mais tenra idade. eram o cobrador e o motorista que foram flagrados fraudando o bilhete único. eram os pobres de periferia que freqüentam os ceus petistas em governo tucano, o qual ameaça trocá-los por gastos publicitários (espera-se que não na daslu, ao menos).
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não sei se isso me alinha às facções da população que merecem a forca e o linchamento, mas eu vou dizer. entre a daslu e o filho do pelé, eu fico com o segundo, sem piscar o olho. alô, daslu, alô, elite econômica, alô, elite política, alô, elite intelectual. alô, máquinas fazedoras de bodes expiatórios. alô, alô, responde, alô, alô, acorda…
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se vier mais chumbo no fim de semana, será que o ciclo vai se repetir, como em síncopes de ataque epiléptico? ou será que, junto com os tucanos, o resto da elite econômica do país atentou (com atraso equivalente ao da apatia verminosa de lula) para o sinal de pisca-pisca que já avisava que essa crise pode ultrapassar partidos, ideologias, convicções e pragmatismos e pode virar sistêmica, epidêmica, disseminada?
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se ninguém está se entendendo, vamos mais uma vez bater no buraco do “salve-se quem puder”, dos ratos que abandonam o navio chamado brasil? se for assim, pule e enfrente o mar bravio. ou então fique e naufrague junto com o navio bravio brasil. ou então, terceira via, entenda de uma vez por todas o que é responsabilidade individual e o que é espírito coletivo e o quanto somos carentes dessa dupla do barulho. porque juntos, o mar revolto e o navio infestado de cupins são uma entidade só: nosso próprio organismo, nosso próprio sangue, nossa própria sobrevivência.
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por fim, gostaria de dizer o que eu espero do presidente lula, em quem continuo confiando, mesmo que nem mais em página de fábula ele se pareça com um herói inviolado e inviolável. espero que, mesmo que ele não possa se explicar a nós com todas as letras, palavras e (lindas) metáforas que devem estar cortando sua própria carne, ele não se sinta abandonado (abandonado ele já foi desde pequeno, abandonado sempre foi o brasil, abandonada quem se sente é criança que recebe mesada) nem deixe a impressão (ou a realidade factual) de paralisia dominar sua tez.
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de nós todos, brasileiros, eu espero que tenhamos a força e a fibra de, pela primeira vez, agirmos como adultos e desarmarmos o círculo vicioso – votando contra, a favor ou muito pelo contrário, nós elegemos e fomos eleitos e nos elegemos para mudar o brasil. para crescer juntos rumo à vida adulta. para parar para sempre com propinas, subornos, chantagens, picuinhas, birras, pirraças e criancices quetais. se, como diz alice ruiz (alô, itamar assumpção, você mora cada vez mais aqui!), “a cada mil lágrimas sai um milagre”, nós já choramos milágrimas. agora chega de mágoa, é vez do milagre. se o “rei” está nu, então viva o “rei”. agora é a hora da estrela.
milágrimas
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