pela segunda vez consecutiva, roberto jefferson foi o dono do final de semana no brasil. coalhou a “folha” com mais revelações acachapantes, e não teve para mais ninguém – ou melhor, teve, de longe, para uma entrevista de capa da “istoé dinheiro”, concedida por um ex-parceiro íntimo do suave jefferson: fernando collor de mello, que assim se alçou candidato ao posto de gestor credenciado a aconselhar luiz inácio lula da silva sobre que “erros” não cometer. jefferson e collor, os donos do brasil num fim de semana ensolarado de junho de 2005 – incrível, extraordinário, do arco da velha.
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enquanto isso, a “carta capital” veio com uma entrevista menos espalhafatosa, mas também estonteante (e que está causando comoção em ninhos tucanos), dada a maurício dias pelo cientista político wanderley guilherme dos santos. está aqui a entrevista, encarecidamente eu peço que prestemos atenção, que tomemos conhecimento desse viés do imbroglio, embora esse viés também seja, é claro, ideológico. wanderley contextualiza o cenário atual comentando os interesses da oposição tucana, mas também guarda trechos de análise essencial sobre a natureza dos interesses da mídia, da imprensa, da indústria jornalística, em casos como o de agora. relata como, historicamente, a imprensa atuou direta e ativamente para desestabilizar getúlio, juscelino, jânio, jango… recoloca essa peça – a da impresna politizada – de volta no tabuleiro do jogo, algo que temos o péssimo hábito de nunca fazer.
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então, o jefferson. algumas coisas lá nas novas três páginas de entrevista dele são de arrepiar (e, curiosamente, não estão anunciadas nos títulos e nas chamadas do jornal). a primeira delas é que o cara, que no resto todo do tempo se veste de revoltado contra a prática desonesta do mensalão, revela toda a dinâmica de transações entre um partido (o dele) e o governo em exercício. segundo seu depoimento, o pt teria lhe prometido r$ 20 milhões para custear as campanhas eleitorais do ptb (que país é este em que um partido custeia a competitividade de partidos “inimigos”????). diz que seu ptb recebeu duas parcelas desse acerto, num total de r$ 4 milhões, e que depois a fonte secou e o resto não veio mais. então eu poderia entender que o “suborno” miou depois de saldados 20% da “dívida”? eu poderia entender que o jefferson agora está gritando moralidades (ou, em outras palavras “chantageando”) em busca dos r$ 16 milhões que “faltam” para o ptb eleger (com o meu, o seu, o nosso voto) uma fornada novinha em folha de deputados, prefeitos, governadores etc.? é essa dupla dinâmica entre suborno e chantagem que estamos lendo bailarem em letras garrafais nos jornais?
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mais uma coisa que meus ouvidos despolitizados receberam com reverberações bombásticas: pelo mal e mal que estou entendendo, o jefferson ali está explicando por que é que o brasil de brasília resolveu fazer dele o bode expiatório favorito da temporada. diz que o governo teria prometido ao seu ptb um alto cargo em estatal (furnas), ocupado há 12 anos por um gestor ligado ao presidenciável tucano aécio neves. e dá a entender que a enxurrada de denúncias contra os correios (e em pessoa contra ele, presidente do ptb) nasceram da disputa de poder por este cargo, entre ptb e psdb. eu posso entender que, segundo jefferson, o escândalo dos correios germinou em solo tucano? e que seu atual destampatório ambiciona desmoronar, de uma tacada só, petistas e tucanos? posso entender, então, que se insinua daí uma guerra entre partidos graúdos e nanicos, entre políticos que têm se alternado no poder e políticos-capachos que aqueles costumam sempre pisotear com pés cheios de barro?
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mais lama no destampatório de bob jeff: josé dirceu seria o cerne do mal, e da boca de dirceu escapariam avaliações que enlameiam também setores da imprensa – de que a “veja” (a primeira a detonar as denúncias sobre os correios) é tucana, de que as globos são manipuláveis pelo governo federal. ai, ai, ai, quer dizer que, como defende o cientista político wanderley, a imprensa e a mídia são mesmo peças ativas e detonadoras de toda essa disputa homicida/suicida de poder? quem está aí para nos defender (a nós, os miúdos)? e quem atende a interesses de bastidor, que não passam nem perto dos nanicos do lado de fora de brasília, de são paulo, da tela da tevê? quem enxerga direitinho os ilusionismos da novela das oito da globo saberá estender seu raio de visão e também enxergar, por sobre um milhão de sinais de fumaça, os ilusionismos do poder, da política, da imprensa, da mídia, do governo, da oposição, do eleitor, do eleitorado, do reflexo no espelho?
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então, pois é. tudo isso quem está falando é o roberto jefferson, do ptb, ex-defensor ferrenho da permanência de collor no poder, ex-aliado de fernando henrique cardoso, atual-quase-ex-parceiro político de lula, josé dirceu & cia. de dez dias para cá, a “folha” publicou nada menos que cinco páginas de entrevistas com esse ilibado cidadão. ok, não sejamos ingênuos, o que ele diz é de relevância irrefreável, embora nunca fundamentada em provas, nunca comprovada (alô, escola base!). ainda assim eu me sinto aflito, incomodado, desassossegado com esse noticiário. só dá roberto jefferson, só dá collor de mello, um pouquinho de daslu, só dá gente da mais fina categoria, se é que você me entende. serão esses os protagonistas oficiais do brasil de 2005?
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e como ficam nossos sentimentos maltratados quando um jornal como a “folha” elege roberto jefferson como seu interlocutor privilegiado e exclusivo? até outro dia não se condenava e linchava moralmente o lula por ele ter afirmado que jefferson era seu amigo, que para jefferson ele assinaria tranqüilamente um cheque em branco (mais um dos formosos atos falhos de lulinha paz e amor?)? mas não é justamente isso que está fazendo agora a “folha” – e, atrás dela, toda a indústria jornalística brasileira? então somos todos iguais nesta noite?
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enfim. este exercício de raciocínio não quer julgar moralmente nem lula nem “folha”, nem fhc nem jefferson (saudades de antonio carlos magalhães? por onde anda acm?), nem globo nem severino cavalcanti. o que me assusta, e me empolga, e me parece inédito, é que olho para tudo ao redor e não consigo encontrar santos e heróis em canto algum, nem olhando para mim mesmo, nem olhando para você que está lendo este texto. sem messianismos nem heroísmos (alô, glauber rocha), fica mais fácil perceber o quão sistêmica e disseminada é essa nova rodada de escândalos no brasil. deste modo, dá para pescar em que grau de atoleiro estamos envolvidos nela eu e você, euzinho e vocezinho que votamos e assistimos ao “jornal nacional” e lemos jornais progressistas e buscamos a felicidade e nos indignamos com as grandes trapaças que são irmãs graúdas e poderosas dos nossos humilhados/humilhantes cambalachos do dia-a-dia.
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dito tudo isso, e tentando ainda aspergir gotículas de entusiasmo e otimismo, fico com o depoimento do bruno na caixa de diálogo do tópico anterior: pra frente, brasil!, acredita, brasil! e, acrescento eu, lembrando duma música de marina lima em 1985: muda, brasil! também não acho, diferentemente do nando, que tudo acabou. sintomas de fim de ciclo nós estamos vivendo, sem dúvida, há vários anos (é aquele século xx, que, medroso, tarda a se encerrar?). mas a novidade de agora não é o término de uma época – é o começo de outra época. mas isso vai depender de nós, de cada um de nós, das rédeas tomadas por cada um de nós.
[* título-sample do bob dylan de 1989, aquele que sempre se aborreceu com o ilusionismo vigente na relação astro-fã (político-eleitor?) e resolvia então, mais uma vez, se desconstruir, se reinventar, mudar, se reconstruir.]