“Não posso responder perguntas porque minhas mãos estão ocupadas com as dela”, escreveu a jornalista Cilmara Bedaque em 14 de julho de 2014. As mãos “dela” eram as da cantora, escritora, compositora, dramaturga, ativista feminista e lésbica Vange Leonel (com quem Cilmara era casada havia 28 anos), internada no Hospital Santa Isabel, na capital paulista. Tinha 20 dias que Vange descobrira um câncer no ovário, uma doença fulminante, e estava em seus últimos momentos de vida.
Passados 11 anos, Cilmara nunca soltou as mãos dela, assim como os inúmeros fãs e admiradores da obra da artista Vange Leonel. A frontwoman ousada que surgiu aos 27 anos em plena cena do rock macho de São Paulo como uma avis rara, uma voz e uma postura de insolência e contestação à frente da banda (“de meninos”) Nau, vive para além do seu tempo. Sua presença tornou-se uma contingência nacional a partir de 1991, quando uma de suas composições, a insurgente “Noite Preta”, virou tema da novela global Vamp: “Eu saio da cidade/ procuro só a escuridão/ a purificação/ na calada da noite/ a noite preta”. Falsamente tímida, francamente franca, Vange depois consolidaria seu coté de ativista nas colunas feministas que assinou no jornal Folha de S.Paulo, cruciais para toda uma geração em busca de respostas afirmativas.
Para celebrar um trabalho que segue forte e ecoa em diversidade e pioneirismo, é dada a largada, a partir deste final de semana, para a #InvasãoVangeLeonel, sequência de eventos para lembrar o sólido legado da artista em múltiplos formatos e linguagens. Com direção artística de Cilmara, o megaevento reúne debates, show coletivo, festas, projeções audiovisuais, lançamento de livro e outras surpresas.
Organizada em três eixos principais – música, teatro/literatura e ativismo –, a #invasaoVangeLeonel é um trabalho de infatigável curadoria e de recrutamento de identificações realizado por Cilmara Bedaque. A paulistana Maria Evangelina Leonel Gandolfo, o nome de batismo de Vange Leonel, cronista lésbica pioneira na grande imprensa, autora teatral feminista e agitadora cultural, radicalmente comprometida com as lutas feministas e LGBTQIAP+, foi grande influência para um leque amplo de artistas. Alguns deles, nomes como Nando Reis, Fernanda Takai, Catto, Ivam Cabral, Ju Motter, Santiago Nazarian e outros, participam da jornada.
Um show coletivo, gratuito (e já quase lotado) reúne artistas de novas gerações em releituras. Será lançado, pela Alameda Editorial, um livro inédito de Vange, Joana Evangelista, com texto da peça teatral encenada em 2005, além de um curta-metragem imagens raras, videoclipes e depoimentos. O escritor e jornalista Pedro Alexandre Sanches, editor de FAROFAFÁ e também coordenador-geral do projeto, encabeça ciclo de debates sobre a atuação de Vange na música, na literatura e no ativismo feminista e LGBTQIAP+. Isso sem falar nas festas de abertura e encerramento, que a organização promete evocar “a face hedonista de Vange Leonel” com a noite lésbica Chá com Bolachas e o carnaval engajado do irreverente Bloco Soviético.
“A #InvasaoVangeLeonel é um convite à memória, à justiça histórica e, principalmente, à ação. Voltada para o futuro, é uma oportunidade cintilante para evangelinas, evangelines e evangelinos de todas as idades revisitar o passado recente e se revisitar a partir da obra e das ideias de uma artista que foi, ao mesmo tempo, precursora e espelho da invasão pacífica e amorosa que hoje chamamos de revolução queer”, diz o texto de apresentação.
Para quem não conhece Vange Leonel, o “statement” do governo brasileiro editado somente um mês após sua morte dá conta de definir o que é fundamental: “Seu talento e determinação para combater os preconceitos e discriminações permanecerão como inspiração a todas e todos que almejam uma sociedade justa, alegre, com liberdade e igualdade de direitos”. Ainda em 2014, Vange foi contemplada com a medalha de “cavaleiro da ordem do mértito”, que Cilmara recebeu em solenidade liderada pela então presidenta Dilma Rousseff.
11/10: Chá com Bolachas, no Bar DAS
14, 15 e 16/10: Rodas de Conversa, na SP Escola de Teatro
22/10: Show-tributo a Vange Leonel, na Casa Rockambole (R. Belmiro Braga, 119) – com Fernanda Takai, Nando Reis e Catto, entre outros
24/10: Lançamento do livro Joana Evangelista (Alameda Editorial), com exibição de imagens raras, videoclipes e depoimentos, no Cine Bijou
26/10: Encerramento com o #BlocoSoviético nas ruas de Santa Cecília






Adoro ”Esse Mundo”,uma das minhas músicas favoritas.