Jair Rodrigues em carne, osso, música e alegria

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“Jair Rodrigues – Deixa Que Digam”. Frame. Reprodução
“Jair Rodrigues – Deixa Que Digam”. Frame. Reprodução

“Jair Rodrigues – Deixa Que Digam”, de Rubens Rewald, é um filme honesto ao captar a essência de seu protagonista: a alegria. Mesmo nas cenas “ficcionais” do documentário, em que o cantor é interpretado por Jair Oliveira, seu filho e colega de profissão, que chegou também a produzi-lo, é possível perceber a verdade e a intensidade que caracterizaram a trajetória do artista.

O roteiro de Rubens Rewald e Rodolfo C. Moreno costura histórias que mostram a grandeza de Jair Rodrigues (1939-2014) para além do rótulo de sambista, ele que foi uma espécie de precursor do rap, quando cantou/falou o samba “Deixa Isso Pra Lá” (Edson Menezes/ Alberto Paz), com trejeitos considerados imorais para o início dos anos 1960, cujos comentários nas cenas iniciais garantem deliciosas gargalhadas para o espectador.

Imagens de arquivo recuperam bastidores e duetos inusitados, como o de Jair Rodrigues com Pelé (1940-2022) e com o “espírito” de Elis Regina (1945-1982), além de cenas de O Fino da Bossa, programa televisivo dividido por ambos em 1965 na TV Record, e a consagração com “Disparada” (Geraldo Vandré/ Théo de Barros [1943-2023]), no II Festival da Música Popular Brasileira.

A estas se unem a depoimentos emocionados e emocionantes de familiares (o irmão Jairo Oliveira, a viúva Claudine Rodrigues e os filhos Jair Oliveira e Luciana Mello), artistas que conviveram com e/ou foram por ele influenciados (Hermeto Pascoal, Théo de Barros, Roberta Miranda, Wilson Simoninha, Rappin’ Hood), críticos (Zuza Homem de Mello [1933-2020]), músicos que tocaram com ele (Giba Favery, Marcelo Maita, Paulo Dáfilin, Carlinhos Creck), figurões da indústria fonográfica (Armando Pittigliani), do rádio (Moisés da Rocha, radialista devotado ao samba) e da televisão (Raul Gil), entre outros.

Da origem humilde – nasceu literalmente em um colchão de palha de cana e trabalhou na lavoura na infância – ao estrelato, o filme acompanha os passos de Jair Rodrigues com a dose certa de bom humor; em uma cena, vemos o próprio Rubens Rewald dirigindo Jair Oliveira interpretando o pai. A cena em que Roberta Miranda diz dever muito a Jair Rodrigues revela sua versatilidade e curiosidade e sintetiza seu interesse pelo repertório artistas surgidos nas camadas mais populares da sociedade. Do mesmo modo que recebeu incentivo de familiares para seguir a carreira artística, Jair Rodrigues também incentivou seus filhos a adentrarem este universo.

O filme também consegue situar, em Jair Rodrigues, a questão da negritude: alguns o achavam alienado por não participar de debates, não fazer discursos ou não ser um artista militante contra o racismo e a desigualdade social. Mas a bem da verdade, este conteúdo de afirmação do negro perpassa toda sua vasta discografia, antes, depois e muito além de “Festa Para Um Rei Negro” (Zuzuca), do refrão-subtítulo “Pega No Ganzê”, samba-enredo da escola de samba carioca Acadêmicos do Salgueiro em 1971, para ficarmos em um único exemplo.

A entrega no palco, com seu vigor, e as traquinagens de bastidores, incluindo plantar bananeira quando já não era mais um garotinho, me trazem à memória o jovial Jair Rodrigues que vi no palco do Teatro Arthur Azevedo em 2006, por ocasião do Prêmio Universidade FM (quando ele também “invocou” Elis): ele já tinha 67 anos, mas pulou do palco para uma frisa a convite de um fã, tornando ao palco para fechar o show com “Majestade O Sabiá” (Roberta Miranda), após um desfile de clássicos de seu repertório e da era dos festivais, tema da premiação àquele ano.

Cinebiografia à altura do personagem, “Jair Rodrigues – Deixa Que Digam” foi exibido no festival É Tudo Verdade em 2020 e ano passado venceu a categoria de melhor filme pelo júri popular no XIII Brazilian Film Festival, de Chicago.

“Jair Rodrigues – Deixa Que Digam”. Cartaz. Reprodução

Serviço: “Jair Rodrigues – Deixa Que Digam” (Brasil, 2020, documentário, 96 minutos). Direção: Rubens Rewald. Distribuição: Elo Studios. Estreia nos cinemas nesta quinta-feira (27).

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Veja o trailer:

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