Editora das favelas cresce e se firma em plena pandemia

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A Editora Periferias surgiu no Rio de Janeiro em setembro de 2019, pouco menos de 6 meses antes de eclodir a pandemia do Coronavírus, que baqueou toda a produção cultural do País. Mas, contrariamente às expectativas de encolhimento, já editou 12 livros no período e se fortaleceu como uma agradável e bem-vinda alternativa aos catálogos tradicionais.

A Periferias já publicou desde portentos como a coletânea Mestre das Periferias (que reúne Conceição Evaristo, Ailton Krenak, Nêgo Bispo e Anielle Franco) até uma coletânea de contos internacional, Ejo, da ruandense Beata Umubyiei Mairesse, passando por volumes de ensaios sobre urbanismo e favelas (A Favela Reinventa a Cidade, de Jailson de Souza, Jorge Luiz Barbosa e Mário Pires Simão), uma introdução ao universo do candomblé (Eu, você e os Orixás, pelo babalorixá Joaquim Azevedo), entre outros títulos. O mais vendido é Mestre das Periferias, idealizado a partir de uma cerimônia no Galpão Bela Maré, no Rio, em agosto de 2018 – reúne entrevistas individuais com Krenak e Conceição, uma aula de Nêgo Bispo no curso Significações da Periferia e um tributo a Marielle Franco.

Compreendendo a favela como um ponto de resistência aos discursos dominantes de toda natureza (do trabalho ao mercado, da arte à afirmação de gênero, da educação pública ao feminismo), assim como propulsora de novas sensibilidades e processos de transformação, os editores buscam imprimir uma dinâmica de produção intensa e inovadora. Os livros evidenciam essa busca por “atores da resistência, confluência, afirmação dos direitos e da reinvenção das identidades negras, indígenas e quilombola de favela, aldeia e quilombo”.

Além das obras (que têm tradução para o inglês, espanhol e francês), o Instituto Maria e João Aleixo (IMJA), que abriga a iniciativa, publica a Revista Periferias, que trata dos mesmos assuntos. Também organiza e apoia a realização de saraus, slams, eventos literários, colóquios e seminários, em parceria com organizações culturais diversas. No ano passado, o IMJA lançou o curta-animação A História da Migração, produzido em colaboração com o Centro de Migração, Desigualdade e Desenvolvimento do Sul-Sul (MIDEQ) e a produtora PositiveNegatives. O curta busca contar a complexa história da relação entre a migração e as desigualdades globais.

O geógrafo Jailson Souza e Silva, doutor em Sociologia da Educação e fundador do Observatório das Favelas, é um dos coordenadores da editora, além de ser o diretor geral do Instituto Maria e João Aleixo (IMJA), que abriga as iniciativas todas. Jailson falou à reportagem do FAROFAFÁ.

FAROFAFÁ: Por que é importante manter uma editora voltada a tratar dos assuntos exclusivamente dedicados à favela e às periferias?

Jailson Souza e Silva: Na verdade, a gente criou o Instituto Maria e João Aleixo em tempos muito difíceis. Ele nasce em 2017, num contexto de crise constitucional, com o golpe contra a presidente Dilma, num quadro de crise econômica muito forte, de avanço do neoliberalismo, e de muita fragilidade na sociedade civil. Mas a gente tava com muito clareza do que queria fazer, de onde queria chegar, e a gente conseguiu avançar bem. E a editora se inseria dentro dessa estratégia. A gente tem um processo cada vez mais colocado na sociedade brasileira e outras que é a disputa das narrativas. A gente trabalha com o pressuposto que o simbólico situa o real. Então, a superação das representações tradicionais sobre as periferias, favelas e seus sujeitos, é fundamental e isso só vai se transformar e pautar uma agenda democrática a partir do protagonismo desses sujeitos. Então, a editora, assim como a revista, os livros, busca justamente encontrar os meios para que esses sujeitos se expressem. Então, acima de tudo, a gente tem muita clareza de que buscamos um sujeito efetivamente da periferia e que tenha a capacidade de ampliar essa interlocução com a sociedade. Não só ficar entre os seus, mas falar também com outros setores. Essa foi a questão fundamental. E a gente foi construindo. Temos uma longa história de militância, de atuação, isso ajudou muito no processo de construção de parcerias que nos permitiram criar as condições para firmar a revista e depois a editora. Claro que foi uma prioridade, os recursos que fomos captando fomos direcionando para esse processo.

O momento era difícil, mas ainda assim houve um esforço de diversificar e publicar 12 livros de autores distintos. Quais os principais obstáculos encontrados?

A busca de construir a interlocução com autores diversos no campo da ficção, acadêmico, institucional da sociedade civil foi uma forma de ampliar o público com o qual estávamos dialogando e com os parceiros que queríamos. E isso é o que nos fez caminhar. Nosso mais grave problema é a distribuição, não foi a produção nem a seleção dos autores. A distribuição. Mas os livros estão ativos, eles estão lá, e a gente segue melhorando e acreditando que em três, quatro anos, vamos ter um grau de consolidação de credibilidade, de reputação, com um catálogo com autores efetivamente engajados e que a gente possa então impactar cada vez mais pessoas com nossas produções. Essa é a nossa aspiração.

Como é decidida a publicação? Existe um conselho editorial que garanta pluralidade?

Sendo bem honesto com você, nós temos um conselho mas, basicamente, a gente tem os pressupostos da instituição. Não são os indivíduos que definam a partir dos seus critérios a nossa produção. A filosofia da instituição define, e as pessoas envolvidas, seis pessoas diretamente envolvidas na produção dos livros, atentam para esse processo. E a gente abre, cada vez mais, na perspectiva de fazer editais. Agora mesmo vamos fazer um edital sobre um livro de contos haitianos. Estamos mapeando autores de diversas partes do Brasil, foi assim que chegamos ao Aiala, de Belém (Aiala Colares, professor e especialista na cultura quilombola), à Diva, de Minas, a Macaé Evaristo, também de Minas (a autora é irmã de Conceição Evaristo). Tem a galera de São Paulo. A gente está buscando ter interlocuções variadas. Tem o Krenak, o Nêgo Bispo. É isso que está orientando a seleção de nossos autores, no momento. A gente está trabalhando a estratégia de, cada vez, destacar a capacidade de construir interlocução com diferentes autores, com diferentes territórios periféricos. Depois que entrarmos num momento de maior capacidade de produção, certamente construiremos um mecanismo mais profissional.

Os livros da Editora Periferias podem ser encontrados no site https://revistaperiferias.org/editora/, e os debates e videos produzidos pelo Instituto Maria e João Aleixo são transmitidos no canal da Uniperiferias, no YouTube.
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