O último poeta

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O poeta, professor e ativista norte-americano Abiodun Oyewole, um dos avôs do hip-hop

Nos últimos 55 anos, sua poesia inspirou e suas declamações (as sessões de spoken words) gravadas foram sampleadas por astros como Snoop Dogg, Dr. Dre, Biggie, Digable Planets, Notorius BIG, NWA, Wu-Tang Clan, A Tribe Called Quest, Erykah Badu. “Foi como encontrar um mapa rodoviário verbal, quatro pessoas tentando entender o gueto nos quais elas viviam”, declarou Chuck D, do Public Enemy, sobre ter ouvido o disco dos Last Poets de 1971.  Sua consciência racial e de cidadania teve impacto na formação de gerações de artistas negros, de Marvin Gaye a Kanye West.

Fundador do coletivo The Last Poets, em 1968, cujo trabalho está na base da invenção do rap, o escritor professor e poeta norte-americano Abiodun Oyewole (nascido Charles Davis em 1948) foi um dos expoentes da geração de jovens negros que militou na primeira onda do movimento de direitos civis nos Estados Unidos e do Black Power. Aos 15 anos, escreveu seu primeiro poema e nunca mais parou. Está com 75 anos agora. Os amigos mais chegados o chamam de “Doon”. Ele e Umar bin Hassan são os remanescentes do núcleo original dos Last Poets que vem pela primeira vez ao Brasil para um show na Comedoria do Sesc Pompeia, nos próximos dias 18 (sábado, 21h30) e 19 de março (domingo, 18h30). A chegada iminente dos Last Poets agita o mundo artístico brasileiro, especialmente o da música negra. Nesta quarta-feira, por e-mail, Abiodun concedeu a seguinte entrevista exclusiva a FAROFAFÁ:

FAROFAFÁ: Abiodun é um nome iorubá que dizem significar “nascido durante uma guerra” ou “nascido durante uma festa”. Em ambos os casos, o significado diz respeito a nascer em época conflituosa. Após 75 anos nesse planeta, qual foi a época mais pacífica que o sr. lembra de ter vivido?

ABIODUN OYEWOLE: Meu primeiro nome, Abiodun, significa uma criança nascida durante uma ocasião festiva. Também significa que será uma criança que trará alegria à cidade. A época mais pacífica de minha vida foi quando eu tinha 20 anos e me dei conta de que poderia tomar minhas próprias decisões. Eu detinha as chaves para meus êxitos ou meus fracassos.

O sr. foi influenciado pela poesia de Langston Hughes?

AO: Langston Hughes sempre foi uma grande influência porque ele era o poeta do povo, e isso é o que eu tenho tentado ser.

O sr. acredita que as questões do negro e seus desafios são os mesmos em todo lugar? Quero dizer: quais conexões o sr. vê entre os negros dos Estados Unidos e do Brasil, de Nova York e de Salvador?

AO: Preto é preto em todo lugar. A cor de sua pele assume um papel menor, sua negritude é medida pelo seu amor e preocupação pela humanidade. Isso é o que é Understand what Black Is (disco do coletivo The Last Poets de 2018).

O movimento dos direitos civis dos anos 1960 foi fortemente marcado pelo nacionalismo negro. Depois do que veio na Era Trump, qual é o significado de nacionalismo agora para os ativistas negros dos Estados Unidos?

AO: O nacionalismo negro é ainda um objetivo. Uma Nação onde o povo afro-americano viverá, que será grata por nossa cultura e onde controlaremos os bens e serviços que temos a oferecer.

E depois da Era Obama, o sr. ainda acredita que outro candidato negro terá chances de se tornar presidente? Ou os brancos se tornaram mais resistentes à ideia?

AO: Obama foi uma decoração de vitrine. Ele não tinha uma agenda black. Foi selecionado para manter o sistema que continua a fazer pessoas mais ricas ao manter os pobres em seu lugar. Ele foi, na verdade, um campeão do nacionalismo branco.

No passado, The Last Poets fizeram parcerias com jazzistas como Don Cherry. Jazz era a base de sua improvisação e ritmo. Hoje, vocês são mais orientados pelo funk e reggae.  O sr. vê uma estagnação no jazz?

AO: Jazz é a única música clássica que a América pode reivindicar como sua. Deveria ser mais usada porque provoca o pensamento e acaricia a alma.

Qual o papel de um poeta em um mundo com mudanças climáticas, a emergência de novos vírus, crise energética, guerras? O sr. vê o poeta como parte das soluções?

AO: O poeta deve ser o primeiro a se manifestar quando a tragédia eclode. Poetas são os curandeiros, ao exporem a doença e oferecerem uma solução. O poeta deve ser como um cobertor que manterá aquecido nas noites frias e a luz que vem para clarear os dias.

Depois da pandemia, o que mudou em sua visão da vida coletiva e do jeito como vivemos nas cidades?

AO: Ao constatarmos que o planeta está vivendo uma mudança climática, concluímos que somos membros da família humana. Tenho fé no futuro. O Inferno já teve seu dia. O Paraíso está no horizonte.

O assassinato de George Floyd, em 2020, por um policial branco, trouxe um novo debate sobre a violência policial e o racismo nos Estados Unidos. Mas, em janeiro, presenciamos mais um assassinato de um jovem negro, Tyre Nichols, em Memphis, e os policiais que o executaram eram todos negros. O que o sr. pensa a respeito desse caso?

AO: O racismo deixou cicatrizes indeléveis nos corações e mentes de muitas pessoas. Aqueles cinco “Brown officers” (os policiais que executaram Nichols) eram agentes do racismo, o que é basicamente a descrição do trabalho de um policial norte-americano. Pretos são alvos e o auto-ódio é um produto do racismo.

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