Neste sábado, 4 de setembro, a partir das 10 horas da manhã, em São Paulo, na abertura da 34ª Bienal de São Paulo, no Ibirapuera, os brasileiros terão a oportunidade única de ver a última exposição do mago do dub e do reggae, o produtor, músico e artista visual Lee “Scratch” Perry, que morreu no último dia 29 de agosto na Jamaica, aos 85 anos. A mostra já estava em montagem (não era prevista a vinda do Miracle Man, como ele também era conhecido, para a exposição), com supervisão do próprio artista, quando ele foi internado.
“Ao longo dos últimos dois anos, tivemos o privilégio de estabelecer uma relação de trocas artísticas e curatoriais com ele que foi muito enriquecedora e importante para a 34ª Bienal. Ficamos sensibilizados pelo fato de podermos compartilhar parte de sua produção com o público agora que ele se foi”, afirmou Jacopo Crivelli Visconti, curador geral da 34ª Bienal de São Paulo.
No segundo andar, a exposição de Lee Perry é uma das últimas no fundo do pavilhão. A maior e a mais recente peça do artista é a instalação Nativity Painting (Natividade), de 2018, cujo subtítulo é “Jam de Reggae”. Ela é feita de páginas impressas, lata de spray vazia, pintura de ícones, pedras, teclado de computador velho, lata enferrujada, água de coco, livro de anatomia, bola dourada e duas colagens extras de papel.
Lee Perry não mixava somente sons. Os prints de textos digitados pelo mago do reggae que acompanham as instalações parecem construções visuais (ou letras digitadas aleatoriamente por algum gato que tenha sentado no teclado). No meio de tudo, emergem alguns significados de melhor apreensão. “OGOD SAVE FROM STRE$$ DISTRE$$” (“Oh, Deus, salve da fadiga e do sofrimento”). African Ark Stand Alone Muzik (Black Ark), de 2000; Perry Ark Rain (Black Ark), de 2008, e Jamaica Shape (Black Ark) e Untitled collage (Black Ark), de 2010, completam a mostra.
Quase toda a simbologia das obras de Lee Perry aponta para uma consagração dos signos do rastafarianismo e da ancestralidade. Um dos quadros mostra um brasão com a foto do imperador Hailé Selassié, da Etiópia, de farda (ele é a divindade do movimento rastafári), tendo uma figura egípcia por trás. Ao lado dessa imagem, Perry colou um recorte de revista antigo intitulado “A nova edição revisada do 6º e 7º Livros de Moisés e o Uso Místico dos Salmos”.
Outra colagem recicla um cartaz de um show de Perry em Portsmouth, com gotículas desenhadas com caneta, ao lado de um CD onde ele escreveu “Arco-íris”. Outra foto o mostra com coroa e manto majestáticos, com um símbolo do yin yang (conceito do taoísmo chinês) à frente. Ele também “veste” um monitor velho Thomson com quepe e écharpe. Há dois quadros com manuscritos do Miracle Man, cujos sentidos parecem mais visuais do que léxicos, mas de onde se pinçam brincadeiras com as palavras (“A dream in a bed hair”, ele escreve, usando a dubiedade de bad, ruim, e bed, cama).
A exposição permite ver que a ideia de colagem do dub, criado por Perry e que está na base do remix e do drum’n’bass, entre outras estratégias da moderna música eletrônica, não era um conceito apenas sonoro, mas todo um sistema de pensamento.
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