“Meu trabalho é uma coisa que está mais ligado a um conceito do que ao material em si. O material é apenas um substrato do poético que vai revelar outras camadas que tem por baixo ou por cima disso tudo. O trabalho é isso, são essas ideias, essas conjunções de ideias, que vão somando com esse olhar que eu tenho, social, político, estético e antiestético da arte, que através do meu corpo, através dessas coisas que eu agrego a ele e vou formando esse conceito”, me responde o artista multimídia Ton Bezerra, sem deixar de alegar sua própria dificuldade em sintetizar seu trabalho, quando lhe indago sobre o que ele vai apresentar ao programa IMS Convida, com que o Instituto Moreira Salles tem contemplado artistas brasileiros no período de isolamento social imposto pela pandemia da covid-19.
Na segunda etapa do projeto foram selecionados 63 artistas e coletivos de diversas linguagens de todas as regiões do país. Como na primeira etapa, serão destinados 500 mil reais aos artistas convidados, num “programa de solidariedade com a criação artística, concebido para vigorar durante o período ainda imprevisível da quarentena”, conforme texto sobre o programa, no site da instituição. Dois dos selecionados nesta segunda etapa são maranhenses: Ton, que mora em São Luís, e Negro Léo, nascido em Pindaré-Mirim, que mora no Rio de Janeiro. Ton, nome artístico de Nadilton Bezerra, foi encontrado graças à página dele no site do Prêmio Pipa, ao qual ele foi indicado este ano.
Ton Bezerra nasceu em Cedral, município do litoral maranhense, e teve seu primeiro contato com as artes através do pai, pescador e construtor de pequenas embarcações pesqueiras. Em seu currículo constam três salões de arte contemporânea de São Luís (2010, 2011 e 2015), o prêmio Funarte de arte contemporânea (2015/16) e, entre várias outras, a participação na exposição “A Nordeste” (2019), no Sesc 24 de Maio, em São Paulo.
Ele reflete sobre a relação de seu trabalho, o programa IMS Convida e a pandemia que acabou por originá-lo. “Neste trabalho partirei da ideia de relação entre objeto, espaço, sujeito e práticas, algo recorrente já no meu trabalho, no qual utilizo diferentes materiais e mídias numa relação sempre com o meu corpo através de performances. É uma ideia de corpo expandido na arte e da arte, sugerindo outras visualidades, uma espécie de conjunção de energia desses materiais para criar daí narrativas pautadas em críticas políticas e questionamentos que coloquem em xeque o conceito de lugar instituído da arte e até de sua própria natureza. Meu trabalho para o IMS Convida evidencia o isolamento social e problematiza os vários aspectos de isolamento ao qual muitos são historicamente submetidos. Nesta crise sanitária ficou bem evidente que apenas uma pequena parcela da sociedade tem o privilégio de se isolar da pandemia, enquanto a grande maioria sempre viveu isolada socialmente, sem moradia, saúde, educação e sem garantia alguma de seus direitos, sem ter sequer o mínimo para viver. No trabalho falo também do isolamento geográfico, que é mais um dado histórico no qual eu estou também inserido como artista. Sou um artista descentralizado, ou seja, fora do eixo do circuito da arte, o que é um outro tipo de isolamento que evidenciarei”, comenta.
Negro Léo acaba de disponibilizar nas plataformas de streaming seu novo disco, “Desejo de lacrar” (ybmusic, 2020), o nono lançamento de sua carreira. No álbum ele é acompanhado por Fábio Sá (baixo e arranjos de cordas), Chicão (piano, synth, órgão e assobio) e Sérgio Machado (Plim) (bateria, percussão, programação, synth, samplers e arranjos de cordas). Em determinadas passagens, a sonoridade de “Desejo de lacrar” lembra o clássico quarentão “Clara Crocodilo” (1980), de Arrigo Barnabé – a faixa “Esplanada” evoca o Milton Nascimento da fase em que era acompanhado pelo Som Imaginário.
Ele ainda não sabe o que vai desenvolver no âmbito do programa. A curadoria chegou a ele através da direção de fotografia do IMS, graças às atividades performáticas visualizadas em seu instagram (@desejodelacrar). “Ou seja, eu não fui convidado pela música”, resume, bem humorado.
Os trabalhos desenvolvidos pelos artistas no programa IMS Convida estão sendo disponibilizados ao público no site e redes sociais do Instituto Moreira Salles a partir deste mês de julho.