
Nesta terça-feira, 20, às 14h30, na Rua Pedro Lessa (na Cinelândia, esquina com a Avenida Graça Aranha), no Rio de Janeiro, uma situação incômoda vai bater na porta do governo federal e do presidente Lula: a greve no setor cultural da administração pública, que já dura quase um mês (começou no dia 29 de abril), marcou uma manifestação no exato momento da reinauguração do Palácio Gustavo Capanema. Os grevistas estão convocando também artistas e produtores para se juntarem à mobilização.
Servidores da Funarte, Biblioteca Nacional, Iphan, Ibram, Fundação Palmares e outras vinculadas de 12 Estados e do Distrito Federal, ligados ao Ministério da Cultura, querem mostrar sua insatisfação com a pouca valorização do seu trabalho pelo governo. O presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, participa às 17h da entrega da Ordem do Mérito Cultural (OMC) a 111 personalidades brasileiras e 14 instituições, uma das distinções mais importantes do setor cultural brasileiro. A retomada da premiação, suspensa desde 2019, tem como “gancho” a celebração de quatro décadas de criação do Ministério da Cultura (sob o tema 40 anos do MinC: Democracia e Cultura).
O Palácio Gustavo Capanema, obra inaugural da arquitetura modernista em grande escala no Brasil, estava fechado havia 10 anos. Erguido segundo risco original do francês Le Corbusier e com a reunião de alguns dos nomes fundamentais da arquitetura brasileira, como Oscar Niemeyer e Lúcio Costa, o palácio teve obras de reforma iniciadas em fevereiro de 2019, com investimento de R$ 84,3 milhões e orientação do Iphan (no escopo do Programa de Aceleração do Crescimento, o novo PAC). Lula estará acompanhado da ministra da Cultura, Margareth Menezes.
Os homenageados com a Ordem do Mérito (que prevê uma apresentação de Caetano Veloso) serão reconhecidos em três diferentes graus: Grã-Cruz, para as maiores distinções; Comendador e Comendadora, para contribuições de destaque; e Cavaleiro e Cavaleira, para contribuições relevantes em suas áreas. Uma das agraciadas é a primeira dama Rosangela Lula da Silva, a Janja, uma distinção de teor explosivo – foi Janja quem indicou a ministra da Cultura, Margareth Menezes, e também o secretário executivo, Márcio Tavares. O critério de escolha dos agraciados era aberto ao público, e será meio difícil demonstrar que o nome de Janja surgiu de uma manifestação espontânea.
A questão central da mobilização de greve é a questão da falta de um plano de carreira para os servidores da cultura. Isso é reconhecido pelo governo: no último dia 8, Margareth Menezes teve uma reunião com a ministra da Gestão e da Inovação, Esther Dweck, que reconheceu a especificidade do setor cultural e ponderou a necessidade de alinhamento com diretrizes gerais da administração pública. “A gente está procurando uma solução para a cultura. Na nossa visão, a gente quer construir algo que seja conjunto”.
De acordo com o MGI, o objetivo é compatibilizar a proposta da Cultura com outras reestruturações de carreira atualmente em debate no governo. As tratativas envolvem também representantes sindicais da área cultural. O secretário-executivo do MinC, Márcio Tavares, reforçou a necessidade de uma carreira que contemple tanto funções transversais quanto áreas especializadas. “A gente precisa dessa complementação. Tem áreas que são muito específicas, como no Iphan, com arqueólogos e museólogos. Existe uma dimensão da atividade que depende de uma carreira estruturada para que possamos reter profissionais essenciais”.
Os manifestantes, entretanto, acham que a ação do governo tem sido lenta e ineficaz nesse sentido. As reivindicações são antigas – uma proposta dos sindicatos foi entregue à ministra Margareth Menezes em 2023. Tendo que lidar com a demanda extraordinária de duas novas leis de incentivo, servidores estão sobrecarregados e muitos migram para outras áreas mais promissoras do governo.
“Estamos há vinte anos esperando reconhecimento. Estamos adoecendo, sobrecarregados, vendo o patrimônio cultural ruir sem uma estrutura mínima de funcionamento”, diz texto da organização lido por uma servidora em vídeo. “Sem plano de carreira, sem concurso público, sem condições de trabalho mínimas, não tem política pública de cultura funcionando”.
Como reflexo da manifestação, a Agência Nacional de Cinema (Ancine) achou por bem não dar expediente em sua sede nesta terça-feira, 20 – a sede fica defronte ao Palácio Gustavo Capanema, na Avenida Graça Aranha, 35. Os desdobramentos políticos da greve se espraiam pelo MinC – os diretores dos Centros de Artes Cênicas, Música e Artes Visuais da Funarte, por exemplo, não foram convidados para a cerimônia, o que reflete um ambiente de animosidade interno.