O poeta Celso Borges (1959-2023) deixou pronto, entre outros, o volume de poemas Ainda (Mórula Editorial, 2024), que terá lançamento em São Luís/MA neste sábado (18), data em que o autor completaria 65 anos. O título deste texto é um dos Pequenos Poemas Viúvos (Olho d’Água Edições, 2020).
Escritos entre sua casa e os hospitais por onde passou após o diagnóstico de câncer que retiraria o poeta de nosso convívio físico, os poemas de Ainda refletem o momento delicado por que passou, ciente de sua finitude, sem perder o bom humor, a esperança, a fina ironia, referências da cultura pop, homenagens (à sua maneira) e a devoção à poesia, ofício ao qual dedicou a vida, elementos que comparecem às páginas do livro.
Como a si próprio, na busca por diagnósticos e tratamentos, Celso Borges revira a poesia do avesso: começa pelo “The End” e termina pelo “Happy End”; a epígrafe reproduz o manuscrito de próprio punho, anotado em uma agenda, encontrado por sua companheira Andréa Oliveira (que assina o prefácio), um poema de e. e. cummings (1894-1962), traduzido por Augusto de Campos, um poema que fala em “um homem” que “não estava à venda”, “(moribundo)”, mas eis aí outro exercício de sagacidade do autor, de não entregar tudo de mão beijada ao leitor, de quem exige um diálogo inteligente.
“Ainda é, antes de tudo, sua profissão de fé na poesia, aquela que nunca desaba, a única capaz de salvá-lo, divindade ou maldição, a quem entregou sua vida e ali, naquele momento, a possibilidade real de sua morte”, anota Andréa no prefácio.
Em meio aos poemas que abrem e fecham o livro, uma obra à altura de sua melhor produção, longe da agonia de quem vê o fim no reflexo do espelho enquanto luta com as palavras, a luta mais vã, no dizer de Carlos Drummond de Andrade (1902-1987), também tornado personagem.
O poema “O Que Foi Feito de Quase Tudo Que A Gente Sonhou?”, o trocadilho-anagrama que transforma dream em merda, talvez desiludido com os anos brasileiros recentes, antes da eleição de Lula em 2022 – com Fernando Abreu foi um dos dois poetas maranhenses a figurar em Lula Livre Lula Livro (2018), organizado por Ademir Assunção e Marcelino Freire, manifesto contra a injusta prisão do estadista, em quem votou, cujo terceiro mandato mal viu começar.
Em “Esperança”, que de algum modo traduz a teimosia em escrever mesmo estando prestes a ouvir o apito final do juiz – também não viu o Botafogo do coração nadar, nadar e morrer na praia no campeonato brasileiro do ano passado –, dedicado a Manoel Ricardo de Lima, repete cinco vezes o verso “um beija-flor bate a cabeça na janela de vidro” antes do final arrebatador, “e voa”, com a capacidade marcante de arrancar poesia do cotidiano, eternizando-o.
É comovente também o par de poemas (“A Queda, 1” e “A Queda, 2”) em homenagem a Lara Sena, afilhada do poeta, que se atirou de um prédio aos 18 anos, em 2016, a quem se irmana diante do fim iminente. Cito uns poucos poemas para evitar maiores spoilers ou alongar-me demais.
“Alguma coisa acontece no meu coração/ que só/ quando cruzo a Afogados com a Rua São João”, escreve parodiando o Caetano Veloso de “Sampa”, citando o endereço do “Chico Discos” (título do poema), um de seus bares, sebos e amizades prediletos, em que acontecerá parte do lançamento, neste sábado (18): o sarau Maio 65, às 18h, após a programação que começa às 16h, no Cinema do Sesc Deodoro, com exibição do filme O Futuro Tem O Coração Antigo, de Beto Matuck e Celso Borges, seguida da coreografia homônima (sobre música de Celso Borges e Ivandro Coelho), com a bailarina Tereza Borges Frota, irmã do poeta; e a conferência “Celso Borges: Uma Emergência de Passados e Futuros Para o Presente”, com o poeta e professor Manoel Ricardo de Lima.
O livro Ainda, de Celso Borges, integra a coleção Diabo Na Aula, organizada pelos poetas e professores Carlos Augusto Lima e Manoel Ricardo de Lima.
Bela homenagem ao nosso irmão.