Há uma cena que impressiona em Lótus, performance-solo da atriz mineira Danielle Anatólio que faz curta temporada em São Paulo. Ela pergunta ao público “O que você vê quando olha para uma mulher negra?”. As respostas que ecoam no auditório do Sesc Ipiranga são diametralmente opostas quando falam homens e mulheres. Eles procuram enaltecer a figura feminina, com palavras como “corajosa”, “guerreira” e “resistência”; elas se enxergam na objetificação do corpo negro.
Uma boa resposta seria “vejo uma mulher negra”, porque nesta frase simples está embutida todas as camadas da complexidade que um corpo negro feminino carrega numa sociedade racista, misógina e machista. E é isso que fará a atriz em Lótus ao revisitar três frases da vida de uma pessoa: a criança, a mulher preta contemporânea e uma griote, uma sábia que com suas histórias transmite o conhecimento para as novas gerações. Por que, afinal, as mulheres respondem a partir de suas dores, enquanto os homens não admitem o quanto vêem apenas corpos à sua frente?
No palco, Danielle está acompanhada do percussionista Kaio Ventura, que preencherá o ambiente embebido de reflexões com sons e cânticos afro-brasileiros. Haverá tambores do congado mineiro e toques de atabaque (barravento e ijexá) presentes no candomblé e na umbanda (certamente, os mais de 200 mil ex-fãs de Anitta não vão querer ver Lótus). E haverá a atriz incorporando seus três personagens permeada por danças afro em torno de um altar.
Danielle circulou por quatro Estados com esta peça e foi reconhecida com o Prêmio Leda Maria Martins como melhor espetáculo de longa duração, em 2018. Lótus se destaca por refazer, rapidamente, a trajetória da vida das mulheres negras, que começa com sonhos que logo se tornam a base para a baixa estima que carregarão para sempre e termina com o acúmulo de conhecimento que as mais velhas têm, porém com cicatrizes de uma jornada cheia de dores e violências.